Lúcio Bellentani estava trabalhando na fábrica da Volkswagen de São Bernardo do Campo, em 1972, quando dois homens portando metralhadoras o algemaram e o levaram à sala de segurança da empresa. Segundo seu depoimento à extinta Comissão Nacional da Verdade, lá mesmo, dentro do local de trabalho, já começaram a torturá-lo. Tapas, socos e muita violência fizeram parte de sua prisão, junto a mais de vinte operários na mesma ocasião.
Este e outros cruéis casos motivam o Fórum de Trabalhadores e Trabalhadoras por Verdade, Justiça e Reparação (antigo GT 13), do qual a INTERSINDICAL Central da Classe Trabalhadora faz parte, a ainda continuar lutando pela apuração das responsabilidades de diversas empresas na repressão a trabalhadores e dirigentes sindicais durante a Ditadura, mesmo após o encerramento da CNV.
Nesse sentido, os trabalhadores envolvidos com o GT de São Paulo organizaram o Ato por Memória, Justiça e Reparação que aconteceu nesta última quinta-feira, 11, no Arquivo Histórico de São Paulo. Sob a organização do IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas), a atividade contou com a presença de diversos integrantes que pesquisam e também lutam pelo direito à justiça e reparação por todo o país, além do Secretário Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, Eduardo Suplicy.
“Este evento é importante para que possamos nos aprofundar no conhecimento do que aconteceu em nossa história e, em especial, para as trabalhadoras e trabalhadores das mais diversas categorias, que foram objeto de perseguições, maus trator e torturas, e os que foram mortos e desaparecidos”, disse Suplicy, em sua saudação.
Eugenia Gonzaga, presidenta da Comissão Especial da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, apontou alguns caminhos que ela entende que seria possível dar andamento ao tema da reparação e que, em sua opinião, realmente é preciso dar continuidade ao trabalho que já foi iniciado no âmbito da CNV.
Para ela, uma das possibilidades seria dar seguimento por meio da C.E. de Mortos e Desaparecidos Político, presidida por ela. Outra proposta dela, seria criar uma comissão por lei, que objetive a reparação das empresas privadas. Ela lembrou que a responsabilização de entes privados não é novidade, se olharmos para acontecimentos da II Guerra Mundial e perseguição dos nazistas, por exemplo.
Eugenia também sugeriu fazer uma representação única, via Ministério Público Federal, para a Procuradoria Federal de Direitos do Cidadão. Outra possibilidade seria propor um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), pois quem está atualmente à frente das empresas envolvidas não gostaria de ver sua marca associada a situações que envolvam a Ditadura Civil-Militar.
Dra. Rosa Cardoso, afirmou que “a gente pretende não somente dar visibilidade a esta demanda da classe trabalhadora, mas também fazer avançar este trabalho, no sentido de promover efetivamente a punição e a reparação”.
Em sua opinião, a fundamentação para esta campanha deve ser simples e clara, se pautando em três eixos: reparação já, por parte dos empresários e empresas que participaram do golpe e da ditadura. O golpe e ditadura foram um empreendimento empresarial-militar; os empresários e empresas promoveram as graves violações de direitos oferecendo infra-estrutura, serviços, veículos, departamentos de recursos-humanos, fazendo listas, monitorando, pagando informantes, entre outras coisas; e, por fim, houve uma ditadura fabril dentro da ditadura, que reprimiu e super explorou trabalhadores.
Ela também defendeu que o caminho seja pro meio do Ministério Público. Ela lembrou que esta não é uma questão criminal, mas sim de responsabilidade civil, por isso deve ser cobrado às empresas que reconheçam seu papel no passado e se disponibilizem a realizar as reparações necessárias.
Representando o Ministério Público, Dr. Pedro Machado, que está recebendo a representação, alertou para o fato de que no judiciário a situação se complica, pois a maioria dos juízes não querem assumir este tipo de trabalho por não ter garantia de que, em caso de mudança de governo, este trabalho tenha continuidade.
Nádia Gebara, da Intersindical e assessora do Sindicato dos Químicos Unificados, ressaltou que “este trabalho é importante, no sentido que faz com que as pessoas saibam da ligação da ditadura com o capital. A ditadura foi uma serviçal dos bancos”, e recordou o importante trabalho feito pelo Sindicato dos Bancários de Santos e Região sobre a perseguição e prisão dos trabalhadores bancários a Baixada Santista e a luta dos trabalhadores durante este período.
Ao final representantes das centrais e de entidades que trabalham pela memória, verdade, justiça e reparação se reuniram para elaborar encaminhamentos que garantam a continuidade dos trabalhos. Ficou estabelecido que é necessário preparar coletivamente o pedido de abertura de Inquérito Civil ao Ministério Público Federal para a investigação das empresas cúmplices do golpe e da manutenção da ditadura civil-militar e fazer uma campanha nacional, distribuindo cartazes e banners para vários sindicatos no país, de modo que a luta pela justiça e pela reparação sigam vivas.
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Veja as fotos do ato:
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