Cerca de mil indígenas de 23 povos marcharam pelas ruas de Salvador na manhã desta quarta-feira (8) como parte das atividades do 3o Acampamento Terra Livre (ATL) da Bahia. O encontro, que teve início ontem, é organizado pelo Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) e segue instalado ao lado da Assembleia Legislativa, com diversas programações, até sexta (10).
Na marcha, os povos indígenas apresentaram três eixos de reivindicação: terra, educação e saúde. “Para a questão territorial, estamos focando em quatro terras que aguardam apenas a portaria declaratória: Barra Velha, Aldeia Velha, ambas do povo Pataxó, Tupinambá de Olivença e Tumbalalá, no Sertão”, explica uma das lideranças do Mupoiba, Carron Pataxó.
No caso da Terra Indígena Aldeia Velha, o procedimento demarcatório já estava na fase de homologação, mas após a Portaria 001, da Advocacia-Geral da União (AGU), os papéis voltaram ao Ministério da Justiça para “adequação” às determinações da portaria e em alguma gaveta permaneceram. “Exigimos a demarcação das nossas terras, mas não só da Bahia: de todo país”, frisa Carron.
Para o cacique Babau Tupinambá, apesar dos 23 povos reivindicarem questões localizadas no estado da Bahia, “o ATL é um espaço também para protestar contra a destruição da Funai, que ela volte para o Ministério da Justiça” e contra a demarcação “estar nas mãos de quem quer a nossa morte, o nosso fim (os procedimentos foram para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento)”.
Carron Pataxó reforça a voz dos povos da Bahia contra a Medida Provisória (MP) 870/19, onde o presidente Jair Bolsonaro refez o desenho da administração do Poder Executivo, mas aproveitou para adotar medidas inconstitucionais, conforme o Ministério Público Federal (MPF), as quais cacique Babau se referiu. “Impossível negar que há conflito de interesses nessa configuração da política indigenista”, diz Carron.
O Subsistema de Saúde Indígena também foi abordado pela marcha do ATL. “Queremos a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) fortalecida e somos contra a municipalização. Isso não ajuda, o movimento é contra e tivemos a oportunidade de demonstrar ao governo lá em Brasília”, explica Carron. Para o Pataxó, o governo tem um pacote de maldades contra os povos indígenas.
Completando o eixo, Carron explica que o ATL questiona a lei estadual que cria a categoria de professor indígena. “A longo prazo ela é maléfica porque o pagamento aos professores é subsidiado, ou seja, não permite a projeção de carreira. Temos professores com mestrado, doutorado. Outro ponto é a estrutura e o transporte escolar. São pontos fundamentais para o nosso projeto societário”, aponta.
Aguinaldo Francisco Pataxó Hã-hã-hãe afirma que o ATL se tornou uma ocasião importante para os povos da Bahia, sobretudo na atual conjuntura. “Fazemos as alianças entre nós mesmos. Fazemos alianças com outros movimentos. Essa união é fundamental. Temos de reagrupar as forças pra enfrentar o governo de Bolsonaro, que está promovendo uma decadência no país e para nossos direitos”, enfatiza.
“Nossa proposta aqui é um recado para o conjunto da sociedade. Caso o governo federal mantenha essa política contra os nossos direitos, de nos atacar na internet, vamos iniciar, essa é a nossa proposta, um amplo movimento de autodemarcação”, destaca Aguinaldo que coordena o Regional Sul do Mupoiba, abrangendo os Pataxó Hã-hã-hã e os Tupinambá.
Haroldo Heleno, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), explica que no ATL estão presente organizações dos movimentos sociais, entre sem terras, quilombolas. “A marcha foi um momento importante, de luta. Na abertura houve um momento muito significativo com os professores das universidades estaduais que estão em greve. Eles estiveram por aqui, em solidariedade, e receberam também o apoio dos indígenas”, diz.
O missionário ressalta que os pontos do 15o Acampamento Terra Livre (ATL), ocorrido em Brasília há duas semanas, serão absorvidos pelo ATL baiano, após discussão realizada na abertura com o debate sobre a conjuntura dos povos indígenas no país. “É um momento de articulação, está aqui também a Anai (Associação Nacional de Ação Indigenista) e a Cese (Coordenadoria Ecumênica de Serviço)”.
O Mupoiba divulgou uma nota em solidariedade ao povo Tupinambá de Olivença e em repúdio a mais uma tentativa de criminalização de suas lideranças. Um dossiê foi divulgado em alguns meios de comunicação apontando para “milícias formadas por supostos indígenas Tupinambá”. Para a organização que representa quase 60 mil indígenas, trata-se de um ataque à “identidade indígena do povo Tupinambá, bem como à figura do seu líder, cacique Babau”.
Tudo indica, aponta o Mupoiba, para uma ação orquestrada com tantas outras que tiveram o mesmo objetivo e falharam. “A gravidade dos conflitos, que há anos vêm ocorrendo, chamou atenção do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que acompanha a situação das violações de direitos aos indígenas baianos e, por isso, realizou missão em abril de 2019 na Bahia. O Território Indígena Tupinambá de Olivença, por exemplo, teve em 2018 decisão favorável e unânime pela regularidade do seu processo demarcatório pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)”, diz trecho da nota.
Leia na íntegra:
O Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) entidade que reuni as 143 comunidades indígenas de toda Bahia dos 23 Povos sedo elas Tupinambá, Pataxó, Pataxó Hãhãhãe, Kiriri, Tuxá, Tumbalalá, Atikum, Pakararé, Kaimbé, Pankarú, Pakararú, Xukuru-Kariri, Kariri-Xóco-Fulni-ô, Funi-ô, Potiguara, Tapuia, Kambiwá, Kapinawá, Xacriabá, Payaya, Kantaruré, Truká e Tuxi, totalizando um contingente de mais 56.800 indígenas distribuídos em 33 municípios, vem a público manifestar veemente repúdio em relação à veiculação de informações intitulada como “Dossiê da Milícia dos supostos Índios Tupinambás do Sul da Bahia”, em que o referido material consiste em mais um instrumento de ataque frontal à identidade indígena do Povo Tupinambá, bem como à figura do seu líder Cacique Babau.
Não é de hoje que nós, povos indígenas do Brasil, sofremos ataques e violações aos nossos direitos. Ocorre que ao longo dos anos esses ataques foram se intensificando, e atualmente tem se explicitado por diversas formas e meios: desde o questionamento da nossa condição de indígenas, negando-a a partir de posturas indiscutivelmente racistas, colonizadoras, ignorantes, que não aceitam a manutenção de nossa cultura, modo de vida, passando pelas dezenas de violações, perseguições e violências sofridas das mais diversas formas.
Também não é de hoje que tentam nos criminalizar por meio de indiciamentos de nossas lideranças, como é o caso do Cacique Babau – Rosivaldo Ferreira da Silva – da Aldeia Indígena Tupinambá Serra do Padeiro, em Buerarema. Nesse sentido, o conteúdo do referido “Dossiê” cumpre o papel de reforçar o discurso e as ações de ódio, racismo e preconceito que ao longo dos anos já vem sendo disseminada contra o Povo Tupinambá e principalmente contra o Cacique Babau, quando se referem ao mesmo como um falso índio, lampião Tupinambá, manipulador, criminoso, dentre outros adjetivos pejorativos.
Ressaltamos que o Cacique Babau é um líder reconhecido, dentro e fora do Brasil, por sua trajetória de luta em defesa dos povos indígenas. Em 2014 ele foi convidado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pelo Papa Francisco para um encontro no Vaticano, para entregar extenso relatório sobre as violações sofridas pelos povos indígenas brasileiros. Em 2019 o Cacique Babau tornou-se o primeiro indígena recebedor da Comenda 2 de Julho do estado da Bahia, dedicada às pessoas que prestam serviços relevantes ao Estado. Também já recebeu a 29º medalha Chico Mendes de Resistência e está entre os dez defensores de Direitos Humanos do país.
Além dos ataques aos Tupinambá e ao cacique Babau, há também no “Dossiê” uma série de inverdades com relação ao papel de órgãos e instituições atuantes na causa indígena, a exemplo da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e do Ministério Público Federal, onde alegam que o órgão indigenista “fabrica supostos índios Tupinambás”, bem como atua de forma a produzir laudos antropológicos fraudulentos.
O uso do poder econômico e político contra aqueles que defendem a causa indígena tem pressionado não somente a nós povos indígenas, mas também aqueles que tem cumprindo os preceitos constitucionais nas suas respectivas esferas de trabalho para a defesa dos direitos indígenas no Brasil – indigenistas, religiosos, cientistas sociais, jornalistas, advogados, entre outros.
A gravidade dos conflitos que há anos vem ocorrendo, chamou atenção do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que acompanha a situação das violações de direitos aos indígenas baianos e por isso, realizou missão em abril de 2019 na Bahia. O Território Indígena Tupinambá de Olivença, por exemplo, teve em 2018 decisão favorável e unânime pela regularidade do seu processo demarcatório pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Este Território Indígena está delimitado por laudo antropológico. Todos os passos legais do seu processo demarcatório foram percorridos e ele está pronto para ter a sua portaria Declaratória expedida pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública.
Todos os dias somos desafiados a reafirmar nossa resistência e luta, e por isso não vamos nos calar e nem vamos desistir! Nos últimos séculos nós, povos indígenas, temos intensificado a luta pela garantia de direitos às nossas terras, modo de vida e tradições. Apesar de nossos direitos serem reconhecidos desde 1611, garantidos constitucionalmente desde a Constituição Federal de 1934 e reforçados pela Constituição Cidadã de 1988 temos sofrido permanentes ataques. Esses instrumentos são também reforçados pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Governo Brasileiro em 2002, a qual destaca e assenta a defesa aos direitos econômicos, sociais e culturais dos povos indígenas.
Continuaremos combatendo a criminalização das nossas lideranças, lutando pela demarcação dos nossos Territórios ancestrais, pela preservação das políticas de saúde e educação indígena, e por tantas outras pautas que nos são caras. Não nos calaremos nem deixaremos que se complete o genocídio indígena e nem que seja atacada a nossa identidade como povos originários deste país. Afinal, quando não houver mais indígenas no Brasil, não haverá mais Brasil.
Salvador, 01 de Maio de 2019
Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – MUPOIBA
Fonte: CIMI
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