BRASÍLIA – Não podia ser diferente. Em meio à pandemia e seguindo as recomendações sanitárias de isolamento social, as centrais sindicais, em unidade, chamaram para este 1o de Maio um ato virtual. Juntas, CUT, Força Sindical, UGT, CSB, CTB, CGTB, NCST, Intersindical e A Publica, com o apoio da Frente Brasil Popular, convocaram o “1º de Maio de 2020 Solidário: Saúde, Emprego e Renda”. Será o primeiro ano em que as mobilizações que marcam o dia de luta da classe trabalhadora serão feitas somente pela Internet, intercalando declarações políticas com apresentações culturais.
Para as centrais, apesar das limitações de uma atividade realizada neste formato, a importância da data e a conjuntura política nacional exigiram a convocação do ato. No final do século XIX, grevistas em luta pela jornada de 8 horas e melhores condições de trabalho foram assassinados pela política em Chicago, nos Estados Unidos. Em 1889, em sua homenagem, foi instituído o Dia Internacional do Trabalhador, como marco dos enfrentamentos à exploração do capital. Anualmente, em todo o mundo, sindicatos se mobilizam neste dia, em convite à reflexão e organização da luta.
“Pra nós é uma obrigação fazer um ato político no 1o de Maio. É o momento de ter reflexão, saudar a luta histórica de todos os que nos antecederam. O 1o de Maio parte de um massacre à luta dos trabalhadores e tem um perfil muito claro de luta de classes na luta pela superação. Não é um feriado. Com o confinamento, uma atividade virtual nos ajuda a levar informação para os trabalhadores”, explica Edson Carneiro Índio, secretário geral da Intersindical.
“O mais importante é construir massa crítica e elevar o grau de consciência da população, perceber que os riscos que a gente sofre com os ataques do governo Bolsonaro à democracia. O governo está repassando uma fortuna para o rentismo, pros bancos, enquanto milhões de pessoas ainda não receberam o auxílio emergencial, milhões de trabalhadores estão tendo corte de salário ou sendo demitidos, porque não há uma política de socorro à pequena empresa. Os servidores públicos tiveram congelamento salarial por 18 meses, com os trabalhadores da saúde e outros setores dando sua vida no combate ao coronavírus”, criticou, em entrevista à CARTA MAIOR.
Para Sergio Nobre, presidente nacional da CUT, as últimas décadas foram de uma ofensiva em escala mundial contra o trabalho, visando reduzir direitos, enfraquecer sindicatos, intensificar a exploração, precarizar as relações de trabalho e reduzir a proteção social. No Brasil não tem sido diferente.
“O golpe que destituiu a presidenta Dilma colocou o poder nas mãos de uma coligação de forças políticas hegemonizadas pelo capital financeiro, subordinadas ao interesse das empresas multinacionais. Abriram mão da soberania nacional para viabilizar a implementação de políticas neoliberais de redução do papel do Estado, de destruição das políticas públicas e redução drástica dos direitos trabalhistas e sindicais, conquistados em décadas de luta”, declarou. “Esse cenário nos coloca diante do desafio de realizar um Primeiro de Maio diferente dos anteriores por serem as celebrações feitas de forma virtual. No entanto, elas deverão ter o mesmo vigor e expressar o mesmo compromisso histórico em relação aos interesses da classe trabalhadora”, acrescentou.
Entre as presenças confirmadas para a live desta sexta estão artistas de esquerda como Chico César, Otto, Preta Ferreira, Leci Brandão e Zélia Duncan. O ilustre roqueiro Roger Waters, que virou símbolo da luta contra Bolsonaro durante sua última turnê pelo país, em 2018, em meio à campanha presidencial, também participará do evento. Ele gravou uma mensagem aos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil junto com a canção “We Shall Overcome” (nós vamos superar). A música se tornou hino do movimento negro por direitos civis nos Estados Unidos.
Um dos desafios, segundo Adilson Araújo, presidente da CTB, é furar a bolha, porque ainda que Bolsonaro esteja num certo isolamento, ele consegue manter sua narrativa para boa parte da população. “O 1o de Maio tem plasticidade, vai ser composto por movimentos e atores sociais, por personalidades políticas. Hoje sabemos que crescem os pedidos de impeachment, mas pra isso vingar é preciso muita mobilização social. Vamos ter que mudar as coisas no campo da política. Não vamos sozinhos, vamos ter que unir o nosso povo, dialogar com a intelectualidade, com os setores progressistas e médios, com aqueles que enxergam que o Bolsonaro é uma a grande ameaça para o futuro próximo do país. E a perpetuação dele e de seu projeto levará o país à falência. Temos que recuperar o prejuízo do grande estrago feito nos últimos anos”, acredita.
“Não tenho dúvidas de que, independente de coloração partidária e do que se esteja pensando para o processo eleitoral, o estado de emergência diante da calamidade da Covid-19, com colapso até de cemitérios em alguns estados, nos leva a fazer uma ampla aliança para salvar o Estado Democrático de Direito, senão estaremos derrotados. Dentro da democracia cabe todo mundo”, avalia Araújo.
Nem todos concordam. Na linha de construção de uma frente ampla em defesa da democracia, foram feitos convites a figuras como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; aos presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre; e ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. Para algumas centrais, sindicatos e movimentos, a necessidade da unidade neste momento não justifica a realização de um ato de 1o Maio com esses nomes.
A Frente Povo Sem Medo, por exemplo, que participou da organização da live, decidiu, em reunião virtual na noite desta quarta (29), não mais participar do evento. Os movimentos que integram a Frente acreditam que foram justamente estes os setores que, no último período, comandaram os ataques aos direitos dos trabalhadores, como a Reforma da Previdência e Trabalhista.
“O governo Bolsonaro, além de ameaçar a democracia, tem uma agenda de desmonte do Estado e de retirada de direitos sociais e trabalhistas. Nessa agenda, ele conta com o apoio da maioria do Congresso, do Judiciário e com o apoio efusivo da mídia. Nosso desafio é defender a democracia, mas também o papel do Estado na economia e no social, na garantia de renda dos trabalhadores, no emprego, no combate às demissões. Pra nossa base, é muito difícil um 1o de Maio, que é um ato com perfil de independência de classes, com esses nomes. Fosse em outro evento não haveria qualquer problema. Mas nos mantemos na unidade, que deve ser garantida nesse momento. E vamos preparar a resistência para o próximo período, depois da pandemia, quando pudermos fazer manifestações públicas e mobilização social na rua pra derrubar o governo. O Brasil não aguenta quatro anos de destruição nacional do Bolsonaro, tampouco a democracia brasileira pode suportar esse estresse de um ataque permanente às garantias constitucionais”, afirma Índio.
Outro objetivo do 1o de Maio deste ano é estimular redes de solidariedade com os mais necessitados. Por isso, durante a transmissão da live, as pessoas serão convidadas a fazer doações, que serão entregues posteriormente a famílias vulneráveis pelas centrais que organizam a atividade. A iniciativa fará parte da nova etapa da campanha “Vamos precisar de todo mundo”, coordenada pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo.
“Estamos construindo um 1º de maio de solidariedade de classe, que não é apenas na distribuição de alimentos e coleta financeira para matar a fome de muitos, é também de fazer a defesa dos trabalhadores e das trabalhadoras, formais e informais, que não têm condições, muitas vezes, de ter um prato de comida para comer. E essa solidariedade não poderia sair de outro lugar, a não ser da própria classe trabalhadora de ajuda mútua”, disse Carmem Foro, secretária geral da CUT.
Para o presidente da CTB, estamos diante de um desastre econômico, social e político. “O Brasil, que já chegou à 6a economia do mundo, não conseguiu responder aos seus problemas estruturais. Passados 30 anos da promulgação da Constituição Federal, o que vimos foi toda uma investida no sentido de liquidar o Estado de bem estar social. Hoje temos que garantir a sobrevivência do nosso povo. A imagem do Brasil de hoje é esse mundo de gente em busca de receber 600 reais nos postos da Caixa e o governo pisoteando o povo. O que pode acontecer de pior pós-coronavírus é encontrar um Brasil de desempregados e de miseráveis. Precisamos fazer algo, senão o preço disso vai ser uma exclusão absurda”, acredita Adilson Araújo.
A live, que tem previsão de quatro horas de duração, começará às 11h30 desta sexta-feira e, além dos canais virtuais das centrais, poderá ser acompanhada pela TVT e por emissoras de rádio parceiras.
Fonte: Carta Maior
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