Jornais e televisão “se esquecem” de noticiar um escândalo de R$ 25 bilhões na esfera do Ministério da Fazenda e não mencionam uma peculiar decisão do CARF
A seletividade e a parcialidade com que os grandes meios de comunicação tratam as decisões de política econômica em nossas terras são impressionantes. Apesar de já estarmos habituados a essa forma peculiar de (des)tratar a realidade do dinheiro e dos negócios, a cada nova semana parece que as “famiglie” da grande imprensa tentam se esmerar ainda mais nessa busca incansável pelo absurdo.
No mesmo dia em que enchem as telas e páginas com informações privilegiadamente vazadas de forma criminosa pelo Ministério Público e pelo Judiciário a respeito da delação premiada de Marcelo Odebrecht, os oligopólios dos jornais e televisão se esquecem de noticiar um escândalo de R$ 25 bilhões na esfera do Ministério da Fazenda. No mesmo dia em que, mais uma vez, entulham os leitores com as ameaças lançadas por Meirelles e Temer a respeito de uma suposta catástrofe nacional caso a Reforma Previdência não venha a ser aprovada, as empresas de Marinho, Civita, Frias, Mesquita i altri não mencionam uma peculiar decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Você aí ficou brav@ por ter a tua Declaração de Imposto de Renda mais uma vez retida na malha fina pela Receita Federal? O que foi que aconteceu agora? A empresa onde você trabalha não enviou adequadamente o valor total de salários que te pagou no ano passado? Faltou um dígito do CPF no recibo do dentista de teus filhos? Aqueles gastos com dependentes não foram incluídos no formulário adequado? Esquece! O governo deve estar muito ocupado para recuperar as centenas de bilhões de reais da dívida previdenciária causada por um punhado de grandes grupos empresariais. Ou ainda montando um sem número de forças tarefa para irem atrás dos mais de R$ 500 bilhões que são sonegados sistematicamente a cada novo ano fiscal. Não dá mesmo para ficar perdendo tempo e atender esses pequenos contribuintes que não têm como discutir com a máquina da arrecadação.
Mas em nosso caso concreto, trata-se de um escândalo de R$ 25 bilhões. Um escãndalo que deveria ser até mesmo motivo para derrubar qualquer governo ou ministro em um País em que a impunidade aos donos do poder não fosse tão escancarada como por aqui. Estamos diante de um valor enorme, que muito contribuiria para aliviar um pouco a crise fiscal que o governo alardeia com traços de apocalipse. Uma decisão de um órgão vinculado ao Ministério da Fazenda e que atinge diretamente figuras do primeiro escalão do governo Temer.
Em termos gerais, o CARF trata de recursos impetrados por empresas contra decisões do governo em matéria de tributação. Em tese, trata-se de uma instituição importante, pois permitiria espaço para que contribuintes (indivíduos e empresas) pudessem questionar a legalidade dos impostos e similares deles exigidos pelo Estado. Na verdade, os primeiros conselhos do imposto de renda foram criados ainda na década de 20 do século passado. Houve uma longa evolução desse tipo de órgão na administração federal e o atual desenho remonta a uma Medida Provisória de 2008 e que foi convertida na Lei 11.941 de 2009.
Ocorre que o funcionamento do colegiado sempre foi uma verdadeira caixa preta. Apenas os grandes grupos econômicos logram acesso aos seus corredores e instâncias deliberativas. Os conselheiros e os processos se dividem em seções, turmas e câmaras. Ao que tudo indica, sua importância estratégica é quase tão grande quanto a falta de luz e oxigênio em seu cotidiano. Há um sem número de denúncias envolvendo a compra de decisões e pareceres de processos tributários. Em um dos casos mais recentes, a Operação “Quatro Mãos” da Polícia Federal prendeu um conselheiro do CARF, supostamente por cobrar propina para que oferecesse parecer favorável na condição de relator de um processo naquele conselho.
Com o afastamento do encarregado pelo parecer, houve uma substituição na tramitação do dossiê. Trata-se de um processo movido por prática de sonegação tributária de R$ 25 bilhões que teria sido patrocinada pelo Banco Itaú. Quando de sua fusão com o Unibanco ocorrida em 2008, os especialistas em “planejamento tributário” ofereceram à direção do grupo a janela do crime contra a tributação e deixaram de recolher tributos devidos de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
O novo relator do caso Itaú veio a ser o conselheiro Luis Fabiano Alves Penteado. Pasmem, mas ele atua no colegiado como representante indicado pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras. Profissional com larga folha de serviços prestados a diversas instituições do sistema financeiro privado, não chega a espantar a natureza de sua posição. Ele defendeu a ilegalidade da cobrança dos tributos, óbvio. E na reunião do dia 10 de abril último, quando finalmente o relatório foi a voto na sua turma de atuação, sua opinião foi vencedora e a sonegação tributária do banco foi travestida de ares de legalidade. A matéria será objeto de recurso e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional vai acionar a instância superior para questionar a decisão.
Ora, é amplamente sabido que o Presidente do Banco Central foi nomeado por Temer para o cargo exatamente por ser diretor do Banco Itaú. O governo se vangloriava por ter um legítimo representante da banca privada no comando da economia. O conflito de interesses é mais do que explícito. Um dos tributos bilionários sonegados pela negociata da fusão com o Unibanco vem a ser justamente um dos pilares da receita da seguridade social – orçamento que inclui a previdência social, a saúde e a assistência social. A sonegação bilionária de recursos para a CSLL compromete a receita do sistema que comporta também o Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Mas a visão do Ministro da Fazenda Henrique Meirelles talvez seja distinta. Muito provavelmente por ter ocupado durante décadas seu tempo a defender os interesses dos bancos privados, ele também deve estar de acordo com o voto do Relator.
Diante de tamanho escândalo econômico, político, fiscal e financeiro, o governo Temer faz cara de paisagem, desconversa e escapa pela tangente. E segue em sua labuta incansável pelo desmonte do Estado brasileiro. Insiste na tecla que os principais responsáveis pelo “rombo” da previdência são os privilegiados que recebem a fortuna de um salário mínimo todos os meses. Já esses R$ 25 bilhões surrupiados pelo Itaú aos cofres públicos, bem, isso deve ser matéria por demasiado complexa e que só pode ser bem compreendida e debatida pelos especialistas técnicos em tributação. Por fim, os meios de sonegação vêm oferecer sua singela colaboração ao assunto e cumprem seu papel – ora por esquecimento, ora por introduzir ainda mais confusão na cabeça das pessoas comuns.
*Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
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