Após quatro dias ocupando a terra em que deve ser criada uma reserva para seu povo, a determinação dos Krenyê é firme: manter a ocupação até que a Fundação Nacional do Índio (Funai) garanta a compra da área. A terra ocupada na última sexta (23) em Tuntum, no Maranhão, já foi vistoriada pelo Incra e liberada para a compra, dependendo apenas da liberação de recurso por parte do órgão indigenista para ser finalmente regularizada.
Poucos dias após a ocupação, uma decisão da Funai reforçou a sensação de descaso vivenciada pelos Krenyê: alegando que não tem recursos para a aquisição da área, o órgão cancelou sua participação numa audiência de conciliação com os indígenas marcada para a tarde de hoje (26).
A audiência discutiria o cumprimento de uma decisão da Justiça Federal que, em 2013, a partir de uma ação do Ministério Público Federal (MPF), determinou que a compra da terra para a Reserva Indígena dos Krenyê fosse providenciada imediatamente.
“Nesse intervalo, sempre houve o descumprimento da decisão por parte da Funai. Já houve um consenso sobre a compra, houve um laudo de vistoria, a terra já foi aprovada pela Funai e também pelo povo. A Funai já terminou todos os procedimentos administrativos para identificação, valoração e todos os laudos necessários. O que falta é realmente comprar a terra”, explica Viviane Vazzi Pedro, assessora jurídica do Cimi no Maranhão.
A decisão de antecipação de tutela obtida em 2013 também determinava o fornecimento de cestas básicas aos Krenye, em função da situação de extrema vulnerabilidade em que vivem – parte do povo numa área diminuta no município de Barra do Corda, sofrendo com falta de água e comida, parte abrigada por outros povos ou nas periferias de cidades da região.
Mas mesmo as cestas básicas, denunciam os Krenyê, não são mais fornecidas regularmente desde o início de 2016. A gravidade da situação e a morosidade do Estado não deixaram outra saída que não a ocupação.
“Não queremos depender de cesta básica, queremos nossa terra”, afirma Côr-teteto, liderança Krenyê. “Você vê: a Funai fez um compromisso. Se a gente tivesse até hoje esperando, a gente já tinha morrido. Precisamos da terra para dar continuidade às novas gerações, aos costumes, às tradições, porque não aguentamos mais. São 80 anos que a gente vive que nem bola, de lá para cá, sem poder se defender”.
A audiência cancelada estava marcada há cerca de um ano. Na petição submetida de última hora, a Funai deixa claro que reconhece a legitimidade da demanda Krenyê, mas afirma que, sem dinheiro, não teria nada para oferecer à comunidade. Sem a presença da Funai, o juiz convocou uma reunião com os indígenas e o MPF, que deve ocorrer nesta tarde.
“Tendo resposta positiva ou não a ocupação continua. A gente está trazendo mais parentes. Cada vez chamando mais gente. A gente já tá dentro da terra e não sai mais, só se matarem a gente. Esse é um direito nosso”, afirma Côr-teteto.
Em 2015, um laudo antropológico havia concluído que a área tradicionalmente ocupada pelos Krenyê, da qual foram expulsos ao longo do século XX, estaria “sem condições de assegurar a reprodução física e cultural” do povo e levaria “de 12 a 15 anos” para ser recomposta. Como a vulnerabilidade dos Krenyê exigia providências rápidas, o relatório indicava a compra de outra área, em melhor situação, para a criação de uma Reserva – algo já sugerido aos indígenas pela FUNAI em 2010.
A área escolhida, que agora foi ocupada pelos Krenyê, tem cerca de oito mil hectares e pertence ao grupo empresarial SC Agro Florestal LTDA, que manifestou interesse na venda da terra avaliada em 14 milhões de reais.
“É urgente que o Estado brasileiro, por meio da Funai, compre definitivamente o território para o povo Krenye, para atender uma demanda que ela mesma criou ao convencer os indígenas, em 2010, de que seria mais fácil comprar a terra do que fazer a luta pela demarcação do território tradicional. O Estado, de forma racista, sempre tem dinheiro para apoiar o agronegócio, mas alega não ter quando se trata de apoiar os povos indígenas e comunidades tradicionais”, afirma Meire Diniz, do Cimi Maranhão, que acompanha a luta dos Krenyê desde 2003.
Depois de décadas de diáspora e vulnerabilidade, os Krenyê vem lutando para revigorar sua identidade e seu modo de vida tradicional – um processo que é impulsionado pela articulação com a Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, mas que emperra na falta de uma terra própria.
“Nós temos a nossa cultura, nossa fé, na mata. Aqui é o lugar mais importante que nós achamos, porque é como era nossa aldeia antes. Por isso, estamos com fé e sentimos que essa terra aqui vai ser nossa”, explica a indígena Payire Krenyê.
De forma solidária, de outros povos indígenas e comunidades integrantes da Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão participam diretamente e se revezam no apoio à ação Krenyê. “Estar aqui hoje não é mais do que a minha obrigação. Os encantados escolheram não só a mim mas a todos que vivem essa luta”, afirma Raimundo, quilombola da Comunidade Mundico que esteve presente no primeiro dia de ocupação em Tuntum.
Fonte: CIMI / Foto: Ana Mendes
INTERSINDICAL – Central da Classe Trabalhadora
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