Para discutir e analisar a conjuntura do mercado de trabalho de determinada economia são necessários mais do que dados. É preciso também pensar a estrutura produtiva e do próprio mercado de trabalho e estabelecer o recorte temporal a ser definido como conjuntura. É importante ter em mente que um mercado de trabalho como o brasileiro tem uma série de especificidades que remontam a sua formação histórica e que tais especificidades se manifestam de maneira diversa ao longo do espaço geográfico do país. É importante também definir o que se entende por conjuntura do mercado de trabalho, qual o recorte temporal mais adequado de ser feito para essa definição, qual a forma de se definir esse recorte. Por último, cabe qualificar a relação entre desempenho econômico e mercado de trabalho.
Considerando essas questões, este artigo busca realizar uma análise da conjuntura do mercado de trabalho de trabalho brasileiro, usando como fonte de informações os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). Como não poderia deixar de ser, o foco dessa análise é compreender como a presente crise econômica impacta o mercado de trabalho, os principais efeitos causados por ela e a forma como atinge diferenciadamente as diversas regiões do Brasil. Procura-se ainda qualificar o desemprego brasileiro conjuntural e sua evolução. É inegável que a crise econômica tem fortes impactos sobre o mercado de trabalho do país e compreender como isso está ocorrendo e qual a extensão deste impacto é ponto de partida para qualquer atuação.
Este estudo se divide em quatro seções, além desta introdução. A próxima seção é dedicada a uma breve explanação da concepção teórica que se tem do mercado de trabalho brasileiro, levando em conta ser parte de uma economia subdesenvolvida. Também é feita uma proposta de periodização do desempenho do mercado de trabalho brasileiro desde o início do século, de forma a possibilitar o recorte temporal de análise. Na seção seguinte, a dinâmica econômica do país é brevemente descrita, de forma a qualificar a relação entre desempenho econômico e mercado de trabalho, para, em seguida, avaliar as mudanças percebidas no mercado de trabalho regional em decorrência da crise econômica. Por último, é delineado um perfil do desemprego regional brasileiro, levando em conta diferentes recortes populacionais. É avaliada também a dificuldade enfrentada pelas pessoas para conseguir trabalho. Por último, é feita uma síntese da discussão e são apresentadas as principais conclusões do estudo.
A formação do mercado de trabalho no Brasil, assim como nos demais países subdesenvolvidos, notadamente os latino-americanos, foi marcadamente influenciada pela heterogeneidade da estrutura produtiva e o rápido e intenso processo de urbanização, com forte absorção de contingentes populacionais rurais (DIEESE; Seade, 2009, p. 21). Dessa formação emergiu um mercado de trabalho marcado pela heterogeneidade das formas de ocupação, com parcela significativa da população alocada em postos de trabalho instáveis e com baixos salários, e insuficiência crônica na absorção dos contingentes populacionais que se dispõem a vender a força de trabalho. Como sustentaCarleial (2010, p. 127), as transformações pelas quais o capitalismo passou ressaltam ser o assalariamento a forma prevalecente de inserção no mercado de trabalho; ou melhor, daqueles que, de fato, conseguem se inserir no mercado de trabalho. Ou seja, ao mesmo tempo em que a venda da força de trabalho é a forma própria e principal, no capitalismo, de se alocar a população em atividades produtivas, ela é insuficiente para a absorção de todo o contingente que se dispõe a trabalhar. Essa aparente contradição, como colocado, se mostra ainda mais explícita nas denominadas economias subdesenvolvidas, como já explorado por diversos autores, entre os quais, Furtado (1983) e Prebisch (1968), que cunharam, respectivamente, os conceitos de “excedente estrutural de mão de obra” e “insuficiência dinâmica”.
Devido a essas características, análises do mercado de trabalho de países subdesenvolvidos precisam consideraras especificidades dos sistemas econômicos desses países e sua tendência à absorção insuficiente da mão de obra disponível para trabalho. Esta questão foi um dos pontos principais a incentivar e nortear a elaboração de documento da Cepal (1979), sobre a necessidade de elaboração de uma metodologia própria de medição do emprego e da renda, por meio de pesquisas domiciliares, para os países latino-americanos.
Feita esta breve digressão teórica, cabe avançarno objetivo desta seção:delimitar a evolução dos últimos anos do mercado de trabalho nacional em períodos relativamente homogêneos. Esse esforço é necessário para entender a conjuntura atual do mercado de trabalho, marcada pela reversão da tendência de melhora das condições socioeconômicas,observada em parte deste século XXI.
A partir de diversas definições[1], a história recente do Brasil foi marcada porum processo de mudanças que pode ser definido, em termos gerais, por crescimento econômico com redução da desigualdade e melhora nas condições de emprego. Tal situação, ímpar na história do país, chegou a um encerramento abrupto na virada de 2014 para 2015, quando a economia brasileira, como os níveis de crescimento dos anos anteriores já indicavam, entra definitivamente em estagnação e posteriormente recessão.A especificidade do Brasil reside, entre outros elementos, na estrutura precária do mercado de trabalho; apesarde os níveis de emprego terem alcançado níveis históricos no país, a velocidade com que essa situação foi revertida também foi significativa. O mercado de trabalho reagiu fortemente à retração da atividade econômica, atestando a incapacidade da economia brasileira em gerar postos de trabalhoem nível suficiente para absorver a força de trabalho.
Cabe ressaltar, contudo, que o mercado de trabalho passou por longo e contínuoprocesso de expansão, medido pela taxa de ocupação[2](as oscilações são fruto da sazonalidade, típica do mercado de trabalho). A partir do Gráfico 1, pretende-se delimitar temporalmente a evolução do mercado de trabalho desde 2002[3], em três períodos diferentes.
Taxa de Ocupação (em %) – Brasil (mar/02 a fev/16)
Como pode ser visto no Gráfico 1, a taxa de ocupação inicia um período deexpansão contínua a partir de 2002 que segue até o final de 2010 – excetuando-se 2009, devido aos efeitos da Crise do Subprime. A partir de 2011, o mercado de trabalho viveu um período de estabilidade, com algumas breves oscilações, com tendência geral de manutenção da taxa de ocupação.De 2014 em diante, a situação se deteriora de forma acelerada, ao ponto de a taxa de ocupação de fevereiro de 2016 (último dado da série) superar a de fevereiro de 2003 por apenas 0,1 ponto percentual.Analisando toda a série histórica, fevereiro de 2016 apresenta o terceiro menor valor para o mês.
Essa periodização é importante para que possa ser definido o recorte temporal de análise deste trabalho, que pretende discutir a conjuntura do mercado de trabalho brasileiro, entendida aqui como o período em que ele começa a apresentar retração.
Para analisar a dinâmica do mercado de trabalho, é importante considerar a dinâmica econômica mais geral. Uma das características do mercado de trabalho é a reação defasada em relação ao nível de produção e consumo da economia,além de, em grande medida, responderà dinâmica desses fatores. Portanto, analisar a conjuntura do mercado de trabalho passa também por examinar as causas principais que a influenciam.
Baltar (2014) faz uma abrangente análise do comportamento do mercado de trabalho brasileiro, sempre com uma avaliação prévia dos condicionantes macroeconômicos. De acordo com o autor, após as sucessivas crises ocorridas, em grande parte, dos anos 1990 até os primeiros anos da década de 2000, o país retomou uma trajetória de crescimento de maior sustentabilidade e estabilidade. O país, a partir de 2004, apresentou taxas de crescimento satisfatórias,com aumento do PIB per capita ano a ano. O padrão de crescimento brasileiro, contudo, foi liderado pela absorção interna[4], que, via de regra, atingia patamares de crescimento superiores aos do PIB e da produção industrial. O Brasil tinha um padrão de crescimento puxado pela demanda interna e o hiato entre esta e a produção industrial e as exportações se elevava constantemente. Este crescimento, liderado pela demanda, sem ser acompanhado pela expansão da oferta, começou a dar sinais de instabilidade ainda em 2012, quando tanto aFormação Bruta de Capital Fixo(FBCF) quanto a produção industrial apresentaram redução em relação ao ano anterior. Ou seja, ainda durante o período de crescimento do PIB, condições tanto de demanda (consumo e FBCF) quanto de oferta (produção industrial) começaram a dar sinais de esgotamento. Como mostra o Gráfico 2, produção industrial e FBCF apresentaram evolução marcada por muitos sobressaltos e fortes oscilações. Somente o consumo, mesmo perdendo fôlego continuamente desde 2010, manteve trajetória mais estável.A taxa de crescimento do PIB, por sua vez, ficou relativamente estável até 2008, passou por dois anos anormais (2009 e 2010) e, a partir de então, apresenta taxas de crescimento cadentes.
Taxa de variação real (%), componentes selecionados do PIB – Brasil (2003 a 1ºt/2016)
Importante notar que produção industrial e FBCF perderam relevância progressivamente, aumentando a importância do consumo para o crescimento. Contudo, até mesmo o consumo passou a crescer com intensidade cada vez menor, apresentando valores próximos de zero nos quatro trimestres de 2014.Assim, a partir deste ano – quando o país apresenta dois trimestres consecutivos (2º e 3º) de retração da atividade econômica e o PIB acumulado do ano cresce somente 0,1% – tem início a crise da economia nacional. Os resultados seguintes agravaram a tendência e o país se encontra com cinco trimestres consecutivos de retração da atividade econômica.
Levando em conta as idiossincrasias do mercado de trabalho de uma economia subdesenvolvida, como apontado no primeiro capítulo, cabe agora analisar como o desempenho econômico afetou as condições de emprego. Levando em conta cinco das principais regiões metropolitanas brasileiras (Porto Alegre, São Paulo, Distrito Federal, Salvador e Fortaleza), serão analisados dados semestrais da PED a partir de 2014[5]paraas características gerais do mercado de trabalho (desemprego, participação, ocupação e rendimento) e mudanças na estrutura deste, em termos de posição na ocupação e setor de atividade.
Conforme apresentado no Gráfico 3, o desemprego total[6] aumentou continuamente em todas as regiões pesquisadas, sem exceção. O impacto da desaceleração econômica em cada uma das regiões se deu de maneira diversa e algumas áreas inclusive apresentaram redução na taxa de desemprego no segundo semestre de 2014, em comparação com o primeiro. Contudo, a partir do primeiro semestre de 2015, todas as regiões apresentam aumento contínuo das taxas de desemprego, ainda que em intensidades diferentes. Interessante notar também que o desemprego cresceu com maior intensidade nas regiões de menor taxa de desemprego: Porto Alegre e Fortaleza.
Taxa de desemprego total (%) – Regiões metropolitanas (1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Ainda em relação às taxas de desemprego, cabe notar o aumento também do desemprego oculto, sobretudo pelo trabalho precário. O contingente de pessoas neste tipo de desemprego, em regiões como Fortaleza e Porto Alegre, era tão baixo que sequer permitia estimativa pela amostra da pesquisa. Contudo, com o aumento do desemprego, nota-se o aumento de pessoas que aceitam inserção ocupacional em atividades precárias, ressaltando o caráter heterogêneo do mercado de trabalho brasileiro. Os Gráficos 4 e 5 exemplificam a discussão.
Taxa de desemprego oculto total (%) -Regiões metropolitanas (1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Taxa de desemprego oculto pelo trabalho precário (%) – Regiões metropolitanas
(1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Feita esta primeira caracterização do aumento do desemprego, cabe avaliara “fonte” que o faz crescer. Devido ao fato de este ser uma razão entre a População Desempregada (PD) e a População Economicamente Ativa (PEA), a pressão sobre a taxa de desemprego pode vir de qualquer uma das fontes. Ou seja, cabe avaliar se o aumento do desemprego deriva do crescimento da pressão sobre o mercado de trabalho[7] ou da redução dos postos de trabalho. O Gráfico 6 mostra a taxa de participação: como pode ser visto,em termos gerais, ela se reduz, a não ser para São Paulo. Ou seja, não há uma pressão extra sobre o mercado de trabalho no período, mas o contrário (exceto em São Paulo). Contudo, deve ser ressaltado que não há necessariamente redução, em valores absolutos, da PEA, já que estaapresenta tendência demográfica de aumento. O que se percebe é a redução da proporção de pessoas em idade de trabalhar, procurando emprego ou trabalhando.
Taxa de participação (%) -Regiões metropolitanas (1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Para complementar esta análise, é importante observar como evoluiu o estoque de ocupados nas regiões. Como o Gráfico 6 deixa claro, houve redução expressiva no número de ocupados de todas as regiões a partir de 2015. Em 2014, apesar do desempenho macroeconômico ruim, ainda não há impacto significativo sobre o mercado de trabalho, o que virá em seguida.Isso pode ser visto pelo aumento do emprego em todas as regiões, exceto em Porto Alegre. Mesmo com crescimento inexpressivo em 2014, com dois trimestres de crescimento negativo, os impactos sobre o mercado de trabalho só se fizeram sentir no ano seguinte. Ainda, importante notar a velocidade na redução dos ocupados. Regiões como Fortaleza, Porto Alegre e Salvador apresentaram redução de aproximadamente 7% no número total de ocupados, comparando os dados do 1º semestre de 2016 com o mesmo período de 2014.Também é importante observar que a redução da ocupação se deu de maneira irrestrita. Para exemplificar, as regiões de maior e menor desemprego, respectivamente Salvador e Porto Alegre, apresentaram a mesma redução relativa.
Número de ocupados (início da série=100)-Regiões metropolitanas (1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Obs.: Os valores se encontram em índice. O valor do primeiro dado disponível da série equivale a 100. Para todas as regiões, 100 equivale ao número de ocupados da região em questão no primeiro semestre de 2014. Como o Distrito Federal tem dados disponíveis a partir do primeiro semestre de 2015, o número de ocupados neste semestre é utilizado como referência para esta região
Em relação aos rendimentos[8] derivados do trabalho, os resultados, como esperado, são semelhantes aos observados para ocupação e desemprego, com redução generalizada. Os Gráficos 6 e 7 comparam a evolução dos rendimentos de ocupados e assalariados no primeiro semestre de 2014, 2015 e 2016. Observa-se redução contínua dos rendimentos de ambos os grupos e para todas as regiões. Não é notada, contudo, uma regra geral em relação à intensidade da redução do rendimento dos ocupados e assalariados, que variou de região para região.Oque é possível notar é que não há mudança significativa no ritmo de decréscimo do rendimento entre 2014/2015 e 2015/2016, com exceção de Salvador, onde a diminuição de 2015/2016 é mais expressiva. No Distrito Federal e nas regiões de Porto Alegre e Salvador, a redução foi mais intensa entre os assalariados do que para os ocupados em geral; para as regiões de São Paulo e Fortaleza, foi maior entre os ocupados.
Rendimento médio real dos ocupados – Regiões metropolitanas(1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Rendimento médio real dos assalariados – Regiões metropolitanas(1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Em termos da estrutura ocupacional, não se percebem mudanças significativas. O Gráfico 9 traz a participação relativa de cada uma das cinco principais posições ocupacionais no total de ocupações de cada região. Considerando todas as regiões conjuntamente, não há nenhuma mudança de grande expressão em qualquer das posições, o que indica que, em termos gerais, a intensidade da redução da ocupação, em relação ao estoque de cada posição, foi semelhante. Ou seja, ainda que a redução absoluta no número de ocupados em cada posição tenha sido tanto maior quanto maior a quantidade de ocupados nesta posição, não houve mudanças significativas na estrutura ocupacional: cada uma das posições, em 2016, continua a ter participação relativa semelhante à que tinha em 2014. A única ocupação que foge da tendência,mesmo que em pequena expressão, é a redução da participação dos assalariados sem carteira assinada, que diminui em todas as regiões, exceto no Distrito Federal. Esse movimento é esperado, devido à menor rigidez dessa forma de contratação, facilitando ao empregador a demissão dos empregados devido à ausência de custos para tal.
Participação percentual das posições ocupacionais no total de ocupados – Regiões metropolitanas (1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Nota: A soma de todas as posições ocupacionais é menor do que 100, pois não estão representados no Gráfico: empregadores, donos de negócio familiar, trabalhadores familiares sem remuneração, profissionais liberais e outras posições ocupacionais.
Por último, cabe analisar as mudanças relativas aos setores de atividade. Como no parágrafo anterior, aqui se analisa a participação relativa de cada setor no total de ocupados e não a variação absoluta na quantidade de ocupados em cada setor. Como pode ser visto pelo Gráfico 10, a mudança mais expressiva é a redução da participação da construção no total de ocupados, tendência que ocorre em todas as regiões. A redução da participação da indústria de transformação, tendência em todas as regiões, exceto no Distrito Federal, também é marcante no período. Interessante notar, quanto a este último ponto, que a região menos industrializada, Salvador, foi onde ocorreu a maior redução de participação da indústria no total de ocupados. Por outro lado, o setor de serviços ganhou participação relativa em todas as regiões, com maior intensidade nas duas áreas do Nordeste cobertas pela pesquisa. Contudo, cabe ressaltar que esse aumento de participação não significa que houve aumento na quantidade absoluta de ocupados neste setor, mas tão somente que a redução no estoque de ocupados deste setor foi, em relação à proporção no total de ocupados, menos intensa do que nos demais setores.
Participação percentual dos setores de atividade no total(1) de ocupados – Regiões metropolitanas (1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Nota: (1) A soma de todos os setores de atividade é menor do que 100, pois não estão representados Gráfico: agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (Seção A); indústrias extrativas (Seção B); eletricidade e gás (Seção D); água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e descontaminação (Seção E); organismos internacionais e outras instituiçõesextraterritoriais (Seção U); atividades mal definidas (Seção V). As seções mencionadas referem-se à CNAE 2.0 domiciliar;
(2) Seção C da CNAE 2.0 domiciliar;
(3) Seção F da CNAE 2.0 domiciliar; (4) Seção G da CNAE 2.0 domiciliar;
(5) Seções H a T da CNAE 2.0 domiciliar
Nesta última seção do estudo, o foco volta-se para analisar o perfil do desemprego no país. O objetivo é mostrar como o desemprego tem impacto diferente entre diversos segmentos sociais bemcomo mensurar a dificuldade para se retornar à condição de atividade. A redução dos postos de trabalho impacta de maneira diversa estes estratos sociais e, tipicamente, há parcelas mais vulneráveis que sofrem com maior intensidade a redução dos postos de trabalho.
Como o Gráfico 11 mostra, a taxa de desemprego das mulheres supera a dos homens em todas as regiões e semestres, com exceção do segundo semestre de 2015 em Porto Alegre (quando há diferença mínima de 0,1 p.p.). Importante notar também que o hiato do desemprego entre mulheres e homens é maior nas regiões de maior taxa de desemprego, ou seja, quanto maior o desemprego em uma região, maior a diferença entre o desemprego feminino e masculino. Isso mostra que a mulher sofre o desemprego de maneira mais intensa do que o homem, quanto maior o desemprego da região. Contudo, ao analisar cada região separadamente, nota-se que o aumento do desemprego, ao menos ao longo de 2015,impactou mais os homens do que as mulheres em todas as regiões. Essa situação fez com que o hiato se reduzisse nas regiões onde essa diferença foi maior: Porto Alegre, São Paulo e Salvador.
Taxa de desemprego total por sexo (%) -Regiões metropolitanas
(1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Em relação ao desemprego por faixa etária, o Gráfico 12 traz as taxas de desemprego para a população geral e os jovens de 16 a 24 anos. O hiato do desemprego entre essas duas populações é maior nas regiões de maior taxa de desemprego, ou seja, quanto maior o desemprego em uma região, maior a diferença entre o desemprego jovem e da população geral. Contudo, ao analisar cada região separadamente, nota-se que o aumento do desemprego impactou, em termos relativos, a população geral, em maior intensidade do que os jovens. Mesmo assim, o hiato aumentou em todas as regiões, dado que a taxa de desemprego do jovem, no primeiro semestre de 2014, era bastante superior ao do desemprego para o total da população.
Taxa de desemprego total por faixa etária (%) – Regiões metropolitanas
(1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
O último recorte populacional a ser analisado é a posição no domicílio. Assim como nas duas comparações feitas nos parágrafos anteriores, a importância da análise do desemprego dos chefes de família se deve mais aos impactos no domicílio familiar e menos à segmentação do mercado de trabalho. Diferentemente de mulheres e jovens, que sofrem com discriminação no mercado de trabalho, não se espera encontrar esta questão entre chefes e não chefes de família. As diferenças nas taxas de desemprego entre os dois grupos se referem mais às características de cada um desses grupos: entre os chefes de domicílio, há maior proporção de homens, a idade média é mais alta e também há maior escolaridade. Interessante notar que os demais padrões se repetem, ou seja, o hiato da taxa de desemprego entre demais membros e chefes de família é maior nas regiões de maior desemprego e o desemprego entre os chefes de família, relativamente, aumentou mais do que entre os demais membros, simultaneamente ao crescimento do hiato.
Taxa de desemprego total por condição no domicílio (%) – Regiões metropolitanas
(1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Finalmente, cabe passar à análise do tempo médio de desemprego. Como pode ser visto, o tempo médio de procura por trabalho aumentou em todas as regiões, continuamente. No primeiro semestre de 2016, foi observado o maior tempo médio de procura em todas as regiões, exceto em Fortaleza, onde não houve alteração do segundo semestre de 2015 para o primeiro de 2016. Cabe ainda notar que as regiões com as maiores taxas de desemprego são também aquelas que apresentam maior tempo médio de procura.
Tempo médio (em semanas) despendido pelos desempregados na procura de trabalho –
Regiões metropolitanas (1ºsem/2014 a 1ºsem/2016)
Este texto buscou analisar a conjuntura do mercado de trabalho brasileiro, com o objetivo principal de entender como ele é afetado pela crise econômicaatravessada pelo Brasil. No início, faz uma discussão acerca das particularidades de um mercado de trabalho formado em uma economia subdesenvolvida e as implicações para as condições de ocupação e rendimento. Depois, busca uma definição do que poderia ser tratado como a conjuntura de crise no mercado de trabalho, a partir de que período pode se afirmar que têm início as mudanças que caracterizam o aumento das dificuldades e permitem classificara época como típica de momento de crise. A partir de então, é realizada breve apreciação de algumas variáveis macroeconômicas para se qualificar a crise e realizar a ligação entre desempenho econômico (entendido aqui como crescimento do PIB e suas principais variáveis) e do mercado de trabalho. A partir de então, são analisadas as mudanças recentes no mercado de trabalho de cinco das principais regiões metropolitanas do país: Porto Alegre, São Paulo, Distrito Federal, Salvador e Fortaleza. Por último, utilizando dados das mesmas cinco regiões metropolitanas, analisa-se o perfil do desemprego nacional: como ele atinge diferentes segmentos populacionais e os impactos sobre a dificuldade de se conseguir ocupação.
A partir dessa discussão, percebe-se a extensão e a profundidade dos impactos da crise no mercado de trabalho. De todos indicadores e estatísticas analisadas, não há um sequer que não tenha piorado. A retração econômica afeta os mercados de trabalho de todas as regiões. Obviamente, a intensidade e a forma específica como a crise atinge cada uma das regiões depende de como a economia e o mercado de trabalho regional estão estruturados, mas os resultados gerais são muito semelhantes: aumento do desemprego aberto e oculto, devido à redução do número de ocupados e queda dos rendimentos, tanto dos assalariados quanto dos ocupados em geral. Interessante notar ainda que todas as regiões apresentaram pouca variação na estrutura ocupacional, com a distribuição dos postos de trabalho entre as diferentes posições pouco se alterando, mesmo com forte redução do número de ocupados.
Em relação ao perfil do desemprego, percebe-se como a crise impactou todos os segmentos populacionais, com mais intensidade naqueles historicamente mais estáveis, mas também os tipicamente mais vulneráveis às condições do mercado de trabalho. Chama atenção ainda que os impactos foram menos intensos entre os segmentos mais vulneráveis; contudo, mesmo com esse menor impacto relativo, o hiato do desemprego entre essas populações e as demais aumentou. Cabe ainda destacar o aumento mais intenso do desemprego entre os chefes de família do que entre os demais membros, sinal de grande preocupação, devido à importância dessas pessoas para a manutenção da unidade familiar. Este dado, somado ao aumento do tempo médio despendido na procura de emprego, mostra que a crise do mercado de trabalho, inevitavelmente, terá impacto nas condições sociais da população.
Uma economia como a brasileira, cujo mercado de trabalho é marcado por heterogeneidade e insuficiência para absorver os contingentes populacionais que buscam trabalho, que tem estrutura de rendimentos baixa e desigual, quando passa por um processo de crise,tem essas característicasaguçadas, o que fatalmente comprometerá ainda mais as condições sociais do país. O momento atual é de buscar formas de não deixar os níveis de emprego e renda continuarem no processo de deterioração, via programas de manutenção do emprego, políticas sociais de transferência de renda, de forma a garantir condições sociais mínimas à população. A retomada do emprego e da renda, por sua vez, só virá com políticas pró-crescimento e pró-distribuição de renda, que privilegiem inserção ocupacional de qualidade, como forma de emancipação social e redução da desigualdadee não somente como meio de subsistência.
CARLEIAL, L. Subdesenvolvimento e mercado de trabalho: uma análise a partir do pensamento latino-americano. Sociologias, Porto Alegre, v. 12, n. 25, set./dez. 2010.
CEPAL. La medición del empleo y de los ingresosen áreas urbanas a traves de encuestas de hogares. Santiago do Chile: Comisión Económica para América Latina, 1979.
DIEESE; FUNDAÇÃO Seade. Pesquisa de emprego e desemprego (PED): conceitos, metodologia e operacionalização. São Paulo: DIEESE, 2009.
FURTADO, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
PREBISCH, R. Dinâmica do desenvolvimento latino-americano. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1968.
[1] Devido ao debate em aberto sobre quando de fato se iniciou este processo virtuoso de desenvolvimento, e quais as suas causas, optamos por não determinar o período em que ele começou, questão que será tratada ao longo desta seção.
[2] A taxa de ocupação mede a proporção da População em Idade Ativa (PIA) – no Brasil, a PIA é formada por pessoas com 10 anos ou mais – que se encontra ocupada, ou seja, é a razão entre População Ocupada (PO) e PIA.
[3] A escolha de 2002 deve-se a dois fatores: o ano marca o início de um período de relativa estabilidade da economia mundial(após as crises da Argentina e Ponto Com) e é quando começa a série histórica da Pesquisa Mensal de Emprego.
[4] Absorção interna é a soma de consumo e Formação Bruta de Capital Fixo(FBCF), nas contas nacionais.
[5] Para o Distrito Federal, os dados estão disponíveis somente para o primeiro semestre de 2015 em diante.
[6]Umadas características metodológicas da PED é o reconhecimento das idiossincrasias dos mercados de trabalho de economias subdesenvolvidas, portanto,o desemprego possui três definições: aberto, oculto pelo trabalho precário e oculto pelo desalento. O desemprego total abarca a o desemprego aberto e os tipos de desemprego oculto. Para uma explicação pormenorizada desses conceitos, consultar DIEESE e Seade (2009, p. 35-38).
[7]Por pressão sobre o mercado de trabalho entende-se aumento da PEA mais do que proporcional ao crescimento da PIA, indicando que a ampliação do número de pessoas no mercado de trabalho não deriva somente de questões demográficas.
[8] São considerados os rendimentos reais em valores de maio de 2016, inflacionados pelos índices: INPC-DF/IBGE; INPC-RMF/IBGE; IPC-IEPE/RS; IPC-SEI/BA; ICV-DIEESE/SP.
*Clemente Ganz Lúcio é Diretor técnico do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e **Fernando Murta Ferreira Duca é Técnico do DIEESE.
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