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Gilberto Maringoni | A “crise estável” é a aposta de Temer

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  • Gilberto Maringoni*

A economia parou de piorar. O governo percebe isso e tenta uma sobrevida

¿Como estás, Don Inodoro?

– Malo, pero acostumbrado…

(Tira de quadrinhos de Inodoro Pereyra, de Roberto Fontanarossa)

É possível que o Brasil tenha entrado em um período de normalização da crise, ou algo aparentado com a “normalidade sofrente”, de que nos falava Cristophe Dejours, em O trabalho entre o sofrimento e o prazer. Não se trata de mera passividade ou conformismo, mas de um patamar a não ser perdido diante de uma situação de incertezas. Há muito de resignação e pouco de mobilização entre os de baixo. 

A sensação geral, no dia a dia, é que a vida parou de piorar, ou piora menos do que vinha piorando. Estabilizou-se um quadro ruim. Não resolve nada, mas torna as dificuldades previsíveis. Se não houver nenhum solavanco, dá para tocar a vida, mesmo com preços altos, alguém da família desempregado e uma dificuldade constante para se pagar as contas. 

A percepção não é destituída de fundamentos: os indicadores econômicos parecem apontar nessa direção. Embora o investimento – privado e público – tenha desabado, o desemprego se estabiliza no patamar de 14% da população economicamente ativa, a balança comercial melhora, menos pelo aumento do volume de exportáveis e mais pela elevação de preços de alguns produtos primários, entre eles minérios. A decadência entra em uma curva descendente mais suave.

Teremos rua?

Qual a consequência politica imediata? A de que dificilmente teremos multidões nas ruas contra o governo Michel Temer nas próximas semanas, a não ser que o imponderável desça à Terra. Nada semelhante ao ocorrido no início de 2016, quando o alvo era Dilma Rousseff. Se Temer cair, será por ação de cima, após cumprir com sua tarefa central, a aprovação das reformas. 

Muita gente se pergunta porque as ruas não estão tomadas por milhões de manifestantes, como às vésperas do golpe. É bem possível que a intensa campanha midiático-jurídica contra a administração petista há pouco mais de um ano tenha contado com a percepção geral da abrupta contração econômica motivada pela terapia de choque ortodoxo aplicada pela então presidenta.

Ali não havia perspectiva alguma de estabilidade. Ao contrário, a expectativa alimentada pela campanha eleitoral do PT, em 2014, era a de que a vitória de Dilma manteria direitos, crescimento econômico e pleno emprego. A decepção e a piora da vida foram abruptas. 

Queda real e imediata

Lembremos: no momento imediato à vitória, a mandatária decidiu acelerar a aplicação do receituário ultraliberal. Este envolveu seguidas elevações da taxa Selic – que passou de 11% em 29 de outubro de 2014 para 14,25% em 2 de setembro do ano seguinte. O tarifaço nos preços administrados, desfechado em janeiro de 2015, levou o IPCA do ano a fechar em 10,67%, o mais alto desde 2002, e bem acima dos 6,14% do ano anterior. 

A trajetória do desemprego – de acordo com o IBGE – variou de 6,5% no último trimestre de 2014 (uma situação de virtual pleno emprego) para 9% um ano depois, num aumento de 50%. Em 2015, com a economia sob a batuta de Joaquim Levy, o PIB foi negativo em 3,8% – o pior resultado em 25 anos – com consequências desastrosas para a popularidade presidencial. Às vésperas do golpe (abril de 2016), o desemprego batia em 11,2%. 

Dilma, segundo o Datafolha, apresentou 42% de ótimo e bom e 20% de ruim e péssimo no momento de sua reeleição (21 de outubro de 2014). Cinco meses depois, logo após o tarifaço e a mudança de rumos na economia, os índices foram 13% de ótimo e bom e 62% de ruim e péssimo, um mergulho previsível. A porcentagem de aprovação chega a cair abaixo de 10% em 4 de agosto. Ou seja, em menos de um ano, a população sentiu na pele o desastre da nova orientação econômica.

A trombada na economia – emprego, inflação, queda da renda – gera uma decepção imediata, em nítido contraste com expectativas acalentadas no período eleitoral. A queda brusca na qualidade de vida serve de combustível para o chamamento às ruas feito pelos setores golpistas. 

Vamos ressaltar o raciocínio desenvolvido até aqui: não foi a baixa popularidade de Dilma que impulsionou a mobilização oposicionista, mas seu ritmo, gerando instabilidade e insegurança.

Decadência segura

Michel Temer toma posse em abril de 2016, num quadro já dado de retração econômica, aumento do desemprego e baixa expectativa com sua administração. A aprovação do peemedebista se inicia – sempre pelo Datafolha – com 14% de ótimo e bom e 31% de ruim e péssimo, em julho de 2016. Os indicadores caem, respectivamente para 10% e 51% (dezembro de 2016), 9% e 61% (abril de 2017) e 7% e 69% (julho de 20187). Embora a queda seja evidente, ela é muito menos abrupta do que a de Dilma. 

No que toca ao crescimento, 2016 fecha com um PIB negativo de 3,6%, um desastre, mas algo contabilizado no legado do PT, aos olhos da maioria da população. A rota do desemprego segue em elevação. No último trimestre de 2016, a taxa sobre para 11,9%, no primeiro trimestre deste ano, ela alcança 13,2% e agora se encontra em 13,3%. Não nos esqueçamos o já dito: Dilma deixou a taxa em 11,2%. Nesse quesito, não há um contraste nítido entre os efeitos sentidos nas duas administrações. 

A estabilidade na crise não gera sustos, mas uma dolorosa resignação popular. Ao mesmo tempo que a desocupação e a falta de investimentos acentuam o medo de desemprego – o que inibe mobilizações – a expectativa de uma situação péssima sem sustos não desperta espasmos de indignação, mas uma tensa expectativa. 

O soluço de protestos

É bom frisar aqui que houve um momento de ascensão de mobilizações, entre março, abril e parte de maio deste ano. O período se inicia com o 8 de março, passa por protestos nacionais uma semana depois e culmina com a greve geral de 28 de abril. Por que isso aconteceu e por que houve recuo? 

Possivelmente por dois motivos: 1. A campanha contra a reforma da Previdência realmente sensibilizou a população. O medo de perder a aposentadora e ações unitárias do movimento sindical tocaram fundo a percepção popular sobre as previsíveis perdas de direitos. 2. As denúncias de Joesley Batista colocaram o governo contra a parede por pelo menos duas semanas.

Temer resistiu, comprou apoios e dois outros fatores entraram em cena: os efeitos da liberação dos saques do FGTS, que remediaram no curto prazo as contas familiares de parte da população, e a já comentada sensação de que a vida parou de piorar tanto. 

Temer cairá?

É muito difícil prever uma onda de ira a partir de baixo num quadro desses. As sucessivas manobras legais e ilegais realizadas por Michel Temer e sua trupe têm sido absorvidas por grande parte do empresariado, que não quer mexer em time que faz as reformas regressivas de seu interesse. Um novo impeachment a pouco mais de um ano das eleições de 2018 pode causar uma turbulência indesejável na economia. 

A previsão a seguir é arriscada, mas nada parece desmenti-la. Michel Temer só cairá se o incômodo provocado aos de cima se tornar insuportável pela falta de confiança econômica. Se depender, por exemplo, da Globo, Temer será riscado do mapa assim que aprovada a reforma trabalhista, numa sina semelhante á de Eduardo Cunha. É bom lembrar: o ex-presidente da Câmara parecia ser o condestável da República até a votação do impeachment. Defenestrada a presidenta e cumprido seu papel, o parlamentar tornou-se imediatamente carta fora do baralho e foi triturado por uma motoniveladora jurídico-midiática. 

A única chance de Michel Temer sair do palácio antes do tempo regulamentar assemelha-se ao mecanismo desfechado contra Cunha. Nenhum dos grandes partidos – na situação e na oposição – parece levar muito a sério sua derrubada com multidões nas ruas.

Não é a crise em si que derruba governos, mas a instabilidade e a imprevisibilidade sobre o futuro. 

Que fazer?

A constatação do fôlego governamental não altera o andamento das reformas no Congresso. Embora o cenário seja adverso, a base governista segue com problemas. Os setores de direita do movimento sindical – em especial Força e UGT – fizeram um acordo com Michel Temer para aprovar com mudanças a reforma trabalhista e passarão à história como os patetas do período. 

A corrosão do apoio em várias áreas, o adiamento da reforma da Previdência para um futuro indefinido são brechas pelas quais a luta a partir de baixo pode avançar. Não há alternativa se não manter a pressão.

*Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da UFABC e foi candidato ao governo de São Paulo pelo PSOL.

Fonte: Carta Capital


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