Empresário admitiu produzir carvão com madeira de desmatamento; construiu em terras indígenas e adquiriu centenas de imóveis rurais
De empresário mais admirado à prisão em Bangu 9, Eike Batista teve uma trajetória marcada pela bajulação e pela vista grossa a seus métodos. Do ponto de vista agrário, vigorou a lei do silêncio: o avanço de suas empresas ocorreu como se ele não estivesse também ocupando o território brasileiro. Com vários conflitos sociais e ambientais decorrentes de suas atividades – a começar da mineração. O bilionário fugaz deixou rastros. Mas eles ainda são uma caixa-preta: a quem serão destinadas as dezenas de milhares de hectares do empresário?
O flagrante de trabalho escravo em Corumbá (MS) talvez seja o caso mais escandaloso envolvendo Eike Batista. Alguns trabalhadores dormiam num forno, numa fazenda que produzia carvão para a MMX Metálicos. E não foi um caso isolado: a empresa assinou acordo e reincidiu. Relembremos esta notícia da Repórter Brasil: “MMX rompe acordo e trabalhadores são encontrados morando em forno de carvoaria“.
Em entrevista à jornalista Miriam Leitão, de O Globo, Eike Batista informou em 2008 que tinha uma plantação de eucalipto em 500 hectares, para a produção de ferro-gusa. Mas admitiu que o carvão utilizado em Corumbá dependia também de outra origem: “Estamos recebendo madeira hoje dessa fronteira agrícola que está sendo desmatada”. Em outras palavras, o X de suas empresas não remetia apenas ao ouro ou demais minérios encontrados: era também o X do desmatamento.
A fazenda de eucalipto da MMX – com o significativo nome de Correntes – em Dois Irmãos do Buriti (MS) foi vistoriada pelo Ministério Público Estadual em 2008. O MPE foi investigar denúncias sobre utilização de recursos hídricos para irrigação em reflorestamento, sem licença ambiental, e desmatamento em área de preservação permanente.
No Porto do Açu, no Rio de Janeiro, a LLX adquiriu quatro fazendas: a Caruara, de Saco Dantas, do Meio e Palacete. Sob acusações de violação de direitos humanos. Nada menos que 1.500 famílias foram atingidas.
O agricultor José Irineu Toledo teve um AVC e morreu. Segundo seu primo Reinaldo, a propriedade foi invadida durante o velório: “A família estava acompanhando a liberação do corpo quando veio a imissão de posse, e começaram a arrasar com máquinas a lavoura e a cerca de arame farpado e retirar o gado”.
Somente a RPPN Caruara, em área de restinga, tinha 4 mil hectares. A empresa fazia propaganda dela como “maior unidade de conservação privada de restinga do país”. O controle passou em 2013 para o grupo EIG, que era presidido por Eduardo Parente. A Fazenda Caruara tinha, ao todo, 5 mil hectares. Em 2010, houve ali um grande incêndio.
Segundo Suyá Quintslr, em artigo acadêmico – durante doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – sobre os impactos do complexo portuário, as famílias no perímetro impactado desenvolviam a agricultura familiar e produziam alimentos como quiabo, pimentão e mandioca.
Ela conta que houve indício de irregularidades na desapropriação das áreas adquiridas pelo grupo EBX, nas fazendas Saco d’Antas e Caruara. “Há denúncias de problemas nas notificações dos agricultores e na negociação dos preços praticados nas indenizações, bem como do uso de violência nas desapropriações”, relatou, em 2014, nos Cadernos do Desenvolvimento Fluminense.
A pesquisadora também relatou intimidação por agentes de segurança contratados pela LLX e ações criminosas, “como o caso de agricultores que tiveram suas terras e lavouras invadidas e destruídas em pleno final de semana e no período noturno”. Suyá concluiu seu trabalho dizendo que o processo se repetiu em outros empreendimentos do grupo EBX.
Em Peruíbe (SP), a atividade portuária do empresário esbarrava em outro empecilho: pescadores e povos indígenas moravam no local. Eike Batista contou a Miriam Leitão que ofereceu aos indígenas a troca por um hotel-fazenda. E disse que não faria o porto caso não houvesse autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai). No Ceará, para a construção de termelétricas da MPF, isso não foi necessário: a Justiça deu ganho de causa às empresas.
Um desembargador considerou, em 2010, que a paralisação de obras do Complexo Industrial do Pecém não era plausível, diante do “avançado estágio dos empreendimentos de implantação do complexo industrial” e “ante o envolvimento do progresso industrial da região e o envolvimento de receitas públicas e criação de emprego para a população diretamente envolvida no processo”.
Diante das evidências (apresentadas por Funasa, Funai e Instituto Socioambiental) de que o povo Anacé habitava o local, o desembargador assinalou que as empresas Porto do Pecém Geração de Energia S/A e MPX Pecém II Geração de Energia S/A possuíam certidão de matrícula de imóvel que remetia a 1977. “Em confronto a tais documentos não se demonstra plausível a mera possibilidade de se constatar, após a paralisação de tão relevante empreendimento para a região, a fim de que se possa comprovar a eventual ocupação indígena“, escreveu.
Curiosamente, 1977 é também o ano em que o presidente Ernesto Geisel autorizava lavras – para outros pretendentes – numa certa Fazenda dos Quéias, em Brumadinho (MG). Tempos depois, as empresas MMX Metálicos – as empresas de Eike têm esse indefectível X – e Emicon fariam uma disputa publicitária, acusando-se mutuamente, com anúncios nos principais jornais do país, de irregularidades. Elas brigavam para não pagar uma dívida de R$ 31 milhões, por causa de danos ambientais.
As áreas na Serra das Farofas tinham sido devastadas pela mineração, segundo o Ministério Público Estadual. Segundo a Emicon, a MMX captava até 100% da água do Ribeirão dos Quéias de forma ilegal. Sem licença ambiental. “Inúmeros crimes ambientais foram e são cometidos continuamente em 2010 e 2011”, afirmou a Emicon. Enquanto as empresas tentavam se livrar das multas, o legado para a Região Metropolitana de Belo Horizonte era o temor de rompimento das barragens, com contaminação dos cursos d’água do sistema Rio Manso e desabastecimento.
Os anos de chumbo não costumavam ser lembrados nos perfis rastejantes de Eike Batista feitos pela imprensa brasileira. Muito embora ele fosse filho de Eliezer Batista, presidente da Vale durante dez anos – desde o governo João Goulart, a rigor, onde foi ministro das Minas e Energia. Eliezer saiu da Vale (onde criou o Projeto Carajás, em região onde o filho depois atuaria) e fundou uma mineradora, a Minerações Brasileiras Reunidas (MBR). Comprada pela Vale em 2007.
E o filho virou dono de mineradoras. A história oficial de Eike Batista informa que, no início dos anos 1980, ele lia uma revista Manchete quando soube da corrida pelo ouro em Alta Floresta (MT). Por isso abandonou a faculdade de Engenharia na Alemanha e veio para o Brasil. Montou uma empresa para a compra e venda de ouro, a Autram Aureum (com “R$ 500 mil emprestados por joalheiros”) e, em um ano, viu seu patrimônio saltar para US$ 6 milhões. Esboçava-se a EBX.
Em Alta Floresta o maior dono de garimpos chamava-se Ditão. Foi o primeiro sócio de Eike, segundo sua autobiografia, “O X da Questão”. “Ditão era proprietário do bar, do restaurante, da pista de pouso, da boate, da exploração da fauna romântica que povoava a vida noturna local e tudo o mais”, escreveu o empresário, com a ajuda do jornalista Roberto D’Avila, hoje na GloboNews. “Do alto de seus metros ele era o rei do garimpo e eu caí nas suas graças porque proporcionei a seus negócios a oportunidade de crescimento a uma velocidade jamais sonhada”.
O jornalista Sergio Leo, em sua biografia sobre o empresário (“Ascensão e Queda do Império X”), informa que Ditão era funcionário de uma empresa de colonização, a Indeco, comandada por Ariosto de Riva e financiada pelos governos da ditadura. Eram instaladas colônias agrícolas, como bem descreve o autor do livro, “em terras vendidas a preços amigos para empreendedores como De Riva”. Eike circulava livremente por lá.
Em seguida ele se associou a Antonio Dias Leite Neto, filho de outro ex-ministro das Minas e Energia, este dos anos de chumbo (1969-1974). Sergio Leo conta que os dois pais e ex-ministros faziam parte, em 1983, do conselho consultivo da Companhia de Mineração e Participações (CMP). Os jovens foram explorar uma mina no Amapá, o “garimpo do Lourenço” – até então irregular.
Segundo o jornalista, a CMP surgiu no Rio de Janeiro como Trimonte Agropecuária Ltda, “para explorar projetos agropecuários no Sudeste”.
O ex-ministro Eliezer Batista dá nome – embora ainda seja vivo – a uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (Reserva Natural Engenheiro Eliezer Batista) em Corumbá, pertencente ao filho Eike, próximo das terras onde houve exploração de trabalho escravo. Somente a RPPN da MMX Corumbá Mineração, na Fazenda Novos Dourados, tem 13.323 hectares, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Mas o total da fazenda seria bem maior: 20 mil hectares. E mais: há sobreposição da RPPN com as áreas de pesquisa de ferro e manganês. A MMX tem autorização para pesquisar em 16 áreas que cobrem quase todos os 13 mil hectares da reserva.
Essa territorialização das empresas de Eike pelo Brasil ainda não foi descrita. Qual o tamanho das Fazendas Gurujuba e São José, em Santo Antônio dos Lopes (MA), onde a OGX explorava minério de ferro, e das terras onde ele explorava em 30 municípios do Maranhão? Não se sabe. E as fazendas de café em Minas? Ele comprou mesmo?
E para onde vão as fazendas do espólio do grupo? A MMX Sudeste informa, em seu plano de recuperação judicial, que adquiriu 95 imóveis rurais – 65 fazendas – perto da região metropolitana de Belo Horizonte, avaliadas em pelo menos R$ 5 milhões, em um total de 2.500 hectares. Esses imóveis representavam “importante fonte de monetização” para a empresa.
Note-se que Eike Batista estendeu seus tentáculos também para outros países. Mas o passivo do grupo ainda está sendo definido. Apenas em dezembro foi aprovado o fechamento da CCX Carvão da Colômbia – país onde ele teria disfarçado propinas para o ex-governador fluminense Sérgio Cabral com uma mina de ouro.
Com tantos investimentos pelo território brasileiro, não poderia faltar a Eike Batista o marketing ambiental. No Ceará, a MPX gabou-se de promover o projeto Caatinga Preservada, em 25 mil hectares de RPPNs no estado. O total do investimento entre 2010 e 2012 soa bastante tímido para quem foi o sétimo homem mais rico do planeta: R$ 800 mil.
*Alceu Castilho é jornalista formado pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduando em Geografia Humana na USP. Autor do livro “Partido da Terra – como os políticos conquistam o território brasileiro” (Editora Contexto, 2012). Editor e coordenador do De Olho nos Ruralistas, um observatório jornalístico sobre agronegócio no Brasil.
Fonte: Outras Palavras / De Olho nos Ruralistas
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