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Paulo Kliass | Enquanto isso, na sala de juros…

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Passado mais de um ano desde que Dilma Roussef foi afastada do exercício da Presidência da República de forma casuística, o balanço do período em que o vice passou a ocupar as funções no Palácio Planalto pode ser qualificado como bastante trágico. A crise política, econômica, social e institucional aprofundou-se de maneira impressionante.

O principal argumento utilizado pelos setores do financismo, como tentativa de justificativa para o golpeachment, era a suposta incapacidade da equipe que vencera as eleições em outubro de 2014. Dessa forma, todos os problemas do Brasil seriam resolvidos, da noite para o dia, apenas com a saída da Presidenta. De acordo com tal raciocínio carregado de oportunismo, pouco importa o rito democrático e o respeito à institucionalidade da ordem republicana.

Contando com atores estratégicos no universo das finanças, no comando dos grandes meios de comunicação e em postos chave no mundo da Justiça, os usurpadores lograram êxito em seu plano de sabotagem da ordem constitucional. Do ponto de vista do discurso e do convencimento, armou-se a narrativa da panaceia. Bastaria substituir a equipe econômica considerada aventureira e irresponsável por novos integrantes apresentados à sociedade como portadores de elevada capacidade técnica.

E assim chegam ao comando da economia dois banqueiros, ambos com larga experiência de vida profissional na defesa aguerrida dos interesses do sistema financeiro. Henrique Meirelles vai para o Ministério da Fazenda, posto para o qual Lula havia pressionado Dilma a nomeá-lo meses antes. O diretor do Itaú, Ilan Goldfajn, vai para a Presidência do Banco Central. Trata-se de uma dupla perfeitamente azeitada e com acurada competência para levar a cabo a estratégia integral do austericídio. Sim aquela perversa combinação de taxas de juros elevadas e cortes nas áreas sociais do orçamento público, que já havia sido iniciada meses antes por Nelson Barbosa e Joaquim Levy.

Meirelles e Goldfajn: missão destruidora

Por outro lado, revelam-se como o par adequado para implementar o desmonte do Estado brasileiro e para promover a destruição das últimas conquistas de direitos sociais ainda existentes em nosso País. Assim, oferecem o arsenal conceitual e operacional para viabilizar a privatização de áreas estratégicas, para a concessão de setores essenciais ao capital internacional e para as reformas como a previdenciária e trabalhista.

Além dessas missões de vital importância para os interesses do grande capital, os responsáveis pela economia também deveriam se dedicar às tarefas do cotidiano da política monetária e fiscal. Dentre outros instrumentos, reveste-se de especial destaque a fixação do patamar da taxa oficial de juros, a SELIC. O discurso ortodoxo sempre manteve um bombardeio permanente sobre toda e qualquer tentativa de redução da mesma, praticamente desde a edição do Plano Real em 1994. Com o argumento surrado a respeito do eventual risco de retorno aos ambientes de hiperinflação, os arautos do financismo desqualificavam as poucas tentativas de diminuição dos juros.

Não foi outra a razão, aliás, pela qual o Brasil tem ocupado com destaque a posição de campeão mundial nesse quesito ao longo das últimas duas décadas. Em raras ocasiões, durante um ou outro mês, acabamos sendo ultrapassados por países como Turquia ou Rússia. Não apenas oferecemos para os investidores do mercado especulativo internacional as melhores alternativas de rentabilidade, como também temos uma autoridade monetária – o Banco Central – que insiste em fazer cara de paisagem face aos exageros dos spreads praticados pelas instituições financeiras em suas operações na ponta com seus clientes.

No dia 31 de maio, o Comitê de Política Monetária (COPOM) deve encerrar sua 207a Reunião Ordinária e divulgar o nível da SELIC a viger ao longo dos próximos 45 dias. Temer conta com seu último recurso para a difícil tarefa de convencer as classes dominantes de que sua saída será ainda pior do que sua desastrosa permanência. Ele fundamenta seu argumento na ilusória capacidade de promover a recuperação da atividade econômica e de concluir “com êxito” a encomenda relativa à aprovação de suas reformas estratégicas.

SELIC caiu, mas a taxa real cresceu

Se considerarmos apenas a superficialidade dos fenômenos, pode parecer realmente contraditório que o COPOM tenha de fato promovido a redução da SELIC do patamar de 14,25% ao ano para os atuais 11,25% ao longo de seus últimos 6 encontros. Ocorre que tal diminuição não correspondeu à diminuição dos monumentais diferenças entre as taxas de aplicador e de tomador de recursos junto aos bancos. Tampouco houve queda nos espantosos volumes de dinheiro do orçamento público alocados para o pagamento de juros da dívida – atualmente o governo registra o dispêndio de R$ 437 bilhões ao longo dos últimos 12 meses com tal benesse.

Mas o aspecto mais relevante refere-se ao fato de que a taxa de juros em termos reais aumentou ao longo desse período de queda da SELIC. Ao contrário do que imagina o senso comum, esse fato causa estranheza inicial. O “pequeno detalhe” suge pelo fato de que devemos descontar a inflação para avaliarmos os efeitos efetivos da taxa de juros. Isso significa que os ganhos de quem se beneficia pela taxa ou as perdas de quem é devedor no mercado financeiro aumentaram desde maio do ano passado. Esse aparente paradoxo pode ser explicado de forma bastante simples. Na verdade, tudo se deve graças à extrema competência e à grande dedicação com que a equipe econômica logrou mergulhar o Brasil na mais profunda crise recessiva de sua História.

O desemprego em nível recorde, a falência de empresas que se generaliza e a redução extrema do nível de atividades compromete de forma absurda a capacidade de renda de todos os agentes econômicos. Com isso, não havia razões para duvidar que os níveis da inflação iriam realmente baixar. O raciocínio liberal conservador pouco se importa com os efeitos sociais e mesmo econômicos da destruição provocada pela estagnação. O essencial, para os defensores da ortodoxia, é que os preços baixem. Ah, mas os trabalhadores estão desempregados e não têm mais renda nem mesmo para consumir o básico. Isso pouco importa, é aspecto secundário no debate. O relevante é que consegui provar que a inflação caiu.

Pois bem, mas nem assim, o argumento se sustenta. Consideremos que a inflação em maio do ano passado registrava um IPCA de 9,32% anuais. Com a SELIC em 14,25%, pode-se calcular uma taxa de juros real por volta de 4,5% ao ano. A recessão brutal provocou a queda do IPCA para 4,08% em abril deste ano. A redução da SELIC para 11,25% fez com que os ganhos reais, descontada a inflação, saltassem para 6,9% ao ano. Isso significa que os ganhos do sistema financeiro só fizeram aumentar considerando a rentabilidade de suas operações. Para que a taxa de juros real não tivesse aumentado em relação ao mês período do ano anterior, seria necessário que a SELIC estivesse arbitrada atualmente no patamar de 8,75%.

Enquanto isso, na sala de juros

Mas não parece ser esse desejo nem as intenções dos representantes do financismo. Assim, ficamos com o pior dos dois mundos. O lado real da economia despencando com a crise e as esferas do mundo financeiro lucrando com o desastre e a miséria. E enquanto isso na sala de juros, os diretores do Banco Central passam 2 dias a discutir os riscos da saída de Temer, as ameaças da delação de Joesley Batista, as hipóteses de eleição direta ou indireta, as possibilidades de Lula, Meirelles ou Jobim ocuparem a presidência, entre outros fatores a influenciarem a conjuntura.

Mas eles não devem se preocupar demais. Afinal, tudo parece controlado. O Presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMCB/CE) assegura que a reforma trabalhista será aprovada sem problemas. Já o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ) se entusiasma mais ainda e tenta vender aquilo que não consegue entregar – a Reforma da Previdência.

Mas o filho de Cesar Maia, que foi exilado no Chile durante a ditadura, extrapola o senso do ridículo na tentativa de se legitimar como eventual escolhido pelo Congresso Nacional pela via indireta. Em sua busca de convencer o financismo de sua fidelidade ao capital, não se importa com papas na língua e lança o impropério que deve fazer corar até o mais autêntico dos liberais:

“A agenda da Câmara, em sintonia com a do presidente Michel Temer, tem como foco o mercado, o setor privado”.
 Enquanto isso na sala de juros, os diretores do Banco Central se reúnem sob a etiqueta de COPOM. Do lado de fora, o mercado espera pela fumaça branca a respeito daquilo que convenientemente já haviam convencido os integrantes do colegiado. Habemus SELIC!

Fim de peça. Baixou o pano.


* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

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