Os indígenas Guarani e Kaiowá do tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá, no município de Coronel Sapucaia (MS), retornaram nesta quinta (4) para a aldeia que foi carbonizada por pistoleiros. No dia 31 de janeiro, em meio a uma série de ataques violentos, as barracas e os pertences dos indígenas foram completamente destruídos pelo fogo criminoso, e agora eles lutam para reerguer a aldeia.
“O ataque foi intenso, até documentos pessoais foram queimados, e os pertences que não foram queimados, eles [os pistoleiros] levaram embora. Vai ter que reconstruir tudo do zero”, relatou uma liderança indígena de Kurusu Ambá, não identificada por razões de segurança.
Além do acampamento que foi completamente destruído, em outro, cinco casas foram queimadas. “As famílias que foram prejudicadas agora estão sem nada. Kurusu Amba está precisando de segurança urgente, porque novos ataques podem acontecer”, afirma a liderança Guarani e Kaiowá.
“A gente espera que o governo termine a demarcação, publique a portaria, para acabar com essa violência. É por isso que todas essa violência está acontecendo. Aqui é área de fronteira, e os fazendeiros falam que fronteira é área sem lei. Eles estão partindo para a violência, coisa que a gente nunca fez”, reitera a liderança. “Esse ano começou com muita tragédia. Pedimos que o governo faça alguma coisa para resolver essa situação, porque esse ano já começou muito errado para os Guarani e Kaiowá”.
Ataque
Os indígenas foram atacados no dia 31 de janeiro, após a tentativa de retomada da fazenda Madama, que incide sobre o território tradicional. Em represália, pistoleiros atacaram os três acampamentos que compõem Kurusu Ambá. Por volta das 10 horas da manhã do domingo, um grupo de homens armados não-identificados em ao menos três caminhonetes atacaram a tiros a nova área retomada pelos indígenas, na fazenda Madama, expulsando os Guarani e Kaiowá do local.
Pouco depois, o grupo de caminhonetes atacou também o terceiro e o segundo acampamentos de Kurusu Ambá, onde incidem as fazendas Bom Retiro e Barra Bonita. No terceiro acampamento, os pistoleiros incendiaram todos os barracos (foto ao lado) e pertences dos Guarani e Kaiowá e forçaram os indígenas a deixarem a área, fazendo com que ficassem desalojados até esta quinta.
No segundo acampamento, pelo menos cinco casas foram totalmente incendiadas. A situação é ainda mais grave porque existem decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Justiça Federal que garantem a permanência dos indígenas nessas áreas até que o processo de demarcação seja concluído.
Polícia e Ministério Público Federal apuram violações
Também nesta quinta-feira, policiais federais e representantes do Ministério Público Federal (MPF) estiveram na área para averiguar a situação em que estão os indígenas e apurar as violações cometidas ao longo dos ataques desta semana.
Até terça, nenhuma força de segurança havia aparecido na área e o clima ainda era de muita tensão. Segundo relato de uma liderança indígena da área, os policiais ainda avistaram hoje alguns jagunços a cavalo, que estavam próximos à área ocupada pelos indígenas e que fugiram assim que perceberam a presença policial.
Com a chegada da segurança, os jagunços se dispersaram e não foram mais vistos nas proximidades das aldeias. Apesar disso, os indígenas de Kurusu Ambá temem novos ataques caso as forças de segurança deixem a área.
Demarcação paralisada
Há quase uma década, o tekoha Kurusu Ambá está em processo de identificação e delimitação. Com os prazos estourados, o relatório de identificação da área deveria ter sido publicado pela Funai em 2010, segundo Termo de Ajustamento de Conduta estabelecido pelo MPF em 2008. No entanto, o relatório foi entregue pelo grupo técnico somente em dezembro de 2012, e ainda aguarda aprovação da Funai de Brasília.
Em junho de 2015, os indígenas já haviam tentado ocupar a fazenda Madama, sendo violentamente expulsos pelos fazendeiros. O saldo do ataque foi de duas crianças desaparecidas, casas incendiadas e dezenas de feridos. Em 2007, ano em que os Guarani e Kaiowá iniciaram a retomada de Kurusu Ambá, duas lideranças foram assassinadas – uma delas, na mesma fazenda Madama. Entre 2009 e 2015, mais dois indígenas foram mortos em Kurusu, no contexto da luta pela terra.
O contexto conflituoso com fazendeiros dificulta, também, o acesso à saúde dos indígenas. Em janeiro deste ano, uma criança faleceu por falta de atendimento médico, no mesmo acampamento que agora foi destruído pelo fogo dos pistoleiros (na foto abaixo, indígena limpa o túmulo da menina após o ataque dos jagunços). A comunidade também sofre uma grave insegurança alimentar, passando fome e bebendo água contaminada.
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