As Centrais Sindicais, reunidas em São Paulo em 16 de março de 2020, preocupadas em relação à disseminação do coronavírus, orientam todas as suas entidades que, no dia 18 de março – Dia Nacional de Lutas, evitem atos de ruas e demais aglomerações. Mas reafirmam a importância da manutenção do Dia de Luta, com paralisações, greves e protestos virtuais nessa data.
A rapidez da disseminação global do coronavírus, já declarado pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tem gerado também muita especulação quanto aos efeitos na economia mundial.
O vírus chega ao Brasil em um momento de estagnação econômica, desmonte dos serviços públicos, aumento da pobreza e no qual o mercado de trabalho está fortemente desajustado, com alto desemprego e com grande parcela dos ocupados em empregos informais, portanto, fora de qualquer proteção social, em razão das políticas econômicas adotadas, que subtraem recursos da área social. A crise de uma pandemia expõe a fragilidade das medidas neoliberais adotadas pelo Brasil, com privatização dos serviços públicos, desregulamentação do trabalho e exclusão do Estado como garantidor dos direitos sociais.
O plano apresentado pelo governo de Jair Bolsonaro, por intermédio do ministro da Economia, Paulo Guedes, vai na contramão das medidas adotadas pelos países mais afetados pelo coronavírus para combater a pandemia e proteger as economias locais. Propõe acelerar a aprovação das reformas neoliberais, em tramitação no Congresso, que enfraquecem ainda mais os serviços públicos, retiram direitos dos trabalhadores e fragilizam o Estado para enfrentar uma crise econômica mundial.
O momento que atravessamos não tem precedentes na história recente. O presidente Jair Bolsonaro, em vez de liderar as medidas de combate e prevenção à propagação do vírus, sai de um confinamento médico, desrespeitando todas as determinações das autoridades de saúde mundiais, para fomentar e participar de atos públicos pelo país que têm como pauta o ataque à democracia e a defesa da intervenção militar no Brasil, em desrespeito a toda a população brasileira e suas instituições.
As Centrais Sindicais entendem que enfrentar o coronavírus é a principal tarefa de toda a sociedade brasileira e de todas as instituições comprometidas com o país e, diante do desleixo do governo, vêm a público exigir medidas efetivas de proteção à vida, à saúde, ao emprego e à renda dos trabalhadores e trabalhadoras. As Centrais Sindicais conclamam o Congresso Nacional, governadores, prefeitos e o empresariado nacional a constituir um canal de diálogo que institua essas e outras medidas que se fizerem necessárias.
É hora de reconhecer a importância da política pública de saúde e do sistema universal para toda a sociedade brasileira. Nesse sentido, a primeira medida deve ser a suspensão do teto de gastos (Emenda Constitucional 95), que somente em 2019 retirou perto de R$ 20 bilhões da saúde. Também é preciso suspender os dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal que impedem o aumento de investimentos na saúde dos estados e municípios, nesse momento de crise extrema. Além disso, é necessária a imediata suspensão do pagamento do serviço da dívida pública até o final do ano.
Para enfrentar esse momento, é preciso garantir que o Estado brasileiro tenha agilidade e recursos para, por meio dos serviços públicos, garantir o atendimento de toda a população, nos serviços de saúde, de assistência social e nos programas de proteção ao trabalhador e trabalhadora. O Congresso deve suspender imediatamente todas as medidas que retirem direitos dos trabalhadores/as.
Essas ações permitirão que o Estado tenha capacidade financeira para garantir às trabalhadoras e aos trabalhadores brasileiros a proteção necessária nesse momento: (1) proteção ao emprego, com estabilidade; (2) proteção à renda, com garantia e ampliação dos programas existentes na seguridade social e outros mais que se fizerem necessários; (3) proteção à saúde, com segurança alimentar e medidas de combate ao contágio dos trabalhadores e trabalhadoras, formais e informais, com medidas específicas para os mais afetados: saúde, transporte, segurança pública e educação.
Essa tragédia econômica, social e sanitária chega ao país em um momento de crise econômica. Nos próximos meses, veremos o aprofundamento dessa crise. Apresentamos, a seguir, medidas emergenciais de proteção aos trabalhadores e trabalhadoras, mas é importante ter no horizonte a necessidade de realizar um debate de retomada do crescimento econômico, assim que passar a fase aguda da crise sanitária. A saída passa pela recuperação da capacidade de o Estado brasileiro ampliar os investimentos. Para esse tema, as Centrais Sindicais defendem as medidas apresentadas na Agenda Prioritária da Classe Trabalhadora.
Para enfrentar o cenário agravado com a pandemia, é necessário ampliar o investimento público, garantindo que o Estado brasileiro possa atuar de modo efetivo, por meio das seguintes medidas:
Suspensão do teto de gastos (EC 95), a fim de garantir os investimentos públicos necessários para fortalecer os serviços públicos, especialmente a saúde e a proteção social;
Suspensão dos efeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, para que estados e municípios possam realizar os investimentos necessários no período de enfrentamento à crise;
Suspensão do pagamento da dívida pública e utilização dos recursos para fortalecer a seguridade social (saúde, previdência e assistência social).
Revogação da Emenda Constitucional 86, que estabelece medidas que reduzem os valores obrigatórios para a saúde.
Suspensão de todas as votações e sessões do Congresso Nacional que excluem direitos da classe trabalhadora, bem como a revogação da Medida Provisória 905 e a retirada das PECs emergenciais enviadas pelo governo, antes da pandemia.
Os trabalhadores e as trabalhadoras estão mais expostos aos riscos econômicos e sociais que virão. Também estão mais expostos ao contágio, uma vez que são eles que utilizam transporte público – que, em nossas cidades, trafegam cotidianamente com alta concentração de pessoas -, além de executarem as atividades laborais em locais com grande concentração populacional, muitas vezes sem ventilação adequada. É preciso adotar medidas que protejam os trabalhadores/as formais e também os informais.
Vale lembrar que o enfrentamento da crise causada pelo coronavírus pode durar até seis meses, mas seus efeitos devem ter um prazo ainda maior. Nesse caso, as medidas devem ser monitoradas e adaptadas para cada período.
Garantia de estabilidade para todos os trabalhadores e trabalhadoras no período da crise, por meio dos diversos instrumentos de políticas públicas existentes e também, caso necessário, com a criação de novos mecanismos que garantam o emprego e a renda de todos os trabalhadores, formais e informais;
Ampliar imediatamente o seguro-desemprego pelo período necessário, conforme os desdobramentos da crise sanitária e econômica;
Durante o período de redução da circulação de pessoas, suspender as atividades laborais quando forem confirmados casos de coronavírus nas empresas, garantindo proteção à saúde e à vida dos trabalhadores e trabalhadoras;
Se for decretado período de confinamento geral da população, é relevante garantir emprego e renda para os trabalhadores e trabalhadoras formais e informais;
No período de redução da circulação, fomentar jornadas de trabalho com horários de entrada e saída alternativos, que evitem circulação no transporte público em horários de pico. Além disso, estabelecer medidas temporárias como o home office, com estabilidade e garantia da renda do trabalhador;
No período de redução da circulação de pessoas, considerar como falta justificada aquelas realizadas pelos trabalhadores e trabalhadoras que ficarão em casa para acompanhar os filhos de até 12 anos, por força da suspensão das atividades escolares presenciais;
Pagamento de auxílio creche no valor de 1 salário mínimo para contratação de um cuidador/a domiciliar para os/as profissionais de saúde com filhos menores de 12 anos;
Os trabalhadores informais/conta própria que sofrerem quebra de atividade durante a redução da circulação de pessoas ou no caso em que seja definido período de confinamento geral da população; ou, ainda, que necessitem se afastar do trabalho para os cuidados com as crianças em recesso escolar terão apoio financeiro através da Seguridade Social, com valores definidos conforme as regras do seguro desemprego, através dos mecanismos disponíveis na seguridade social (para os informais sem contribuição previdenciária, deve-se implementar programas da seguridade, tais como o BPC, Benefício de Prestação Continuada, o Bolsa Família e/ou programas similares ao seguro-defeso);
Diferimento do pagamento de contribuições sociais para os trabalhadores/as conta própria e microempreendedores durante a redução ou cessação das atividades econômicas desses trabalhadores/as;
Ampliar a licença-maternidade para as trabalhadoras que voltariam às suas atividades no período da quarentena;
Suspender o retorno dos trabalhadores afastados por auxílio doença pelo período em que durarem as medidas de redução da circulação de pessoas e/ou de confinamento geral da população;
Desde que informado ao departamento pessoal/recursos humanos pelos trabalhadores e trabalhadoras sobre doenças como gripes, resfriados e/ou de suspeita de coronavírus, as empresas devem abonar as faltas, sem necessidade de atestado médico. As medidas de abono ao trabalho devem também se estender aos trabalhadores de aplicativos;
Se houver quebra da atividade para os trabalhadores de aplicativo de transporte: suspender a cobrança dos contratos com as locadoras de veículos, pelo período que durar a quarentena para aqueles que trabalham com veículo alugado; adiar a cobrança da prestação, sem cobrança de juros e multas, para aqueles que trabalham com veículos financiados;
Para os trabalhadores de aplicativos que necessitarem de isolamento e/ou tenham contraído coronavírus, as empresas responsáveis pelos aplicativos devem estabelecer medidas que garantam a remuneração média dos trabalhadores no período de afastamento, conforme as orientações das autoridades sanitárias brasileiras (como criação de um fundo com recursos para esse fim);
Imediatamente, garantir que trabalhadores e trabalhadoras da saúde, segurança pública e transportes tenham acesso aos EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e treinamento adequado para utilizá-los, bem como tenham a saúde monitorada;
Implementar com urgência força tarefa para liberar a fila do INSS, garantindo aos aposentados o acesso aos benefícios para quase 2 milhões de solicitações;
Garantir a ultratividade da negociação coletiva (manutenção do acordo/convenção até que outro seja fechado) pelo período de 180 dias ou até que a crise causada pelo coronavirus seja superada.
Garantir uma força tarefa e o orçamento adequado para zerar a fila do programa Bolsa Família (3,5 milhões de pessoas);
Congelar os preços de itens de primeira necessidade, como álcool em gel, máscaras de proteção, medicamentos auxiliares no tratamento a enfermidades virais e a cesta básica de alimentos;
Reduzir o preço do botijão de gás para R$ 40,00 para a população em geral e fornecê-lo, de forma gratuita, para os mais carentes;
Para garantir a segurança alimentar, ampliar significativamente os recursos para o PPA – Programa de Aquisição de Alimentos e o PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar e retomar as políticas para a agricultura familiar, inclusive com programa específico de distribuição de alimentos, garantindo que não ocorra problemas de desabastecimento e de aumento de preços;
Em caso de suspensão das aulas, viabilizar o acesso à merenda escolar ou conceder recursos financeiros para que as famílias possam garantir a alimentação das crianças;
Disponibilizar espaços púbicos de higienização (banheiros, chuveiros e lavanderias públicas) e distribuição de kits de higienização para a população em situação de rua;
Distribuir alimentação em kits individuais (quentinha) para a população em situação de rua;
Intensificar e reforçar o acompanhamento da assistência social à população em situação de rua.
Ampliar o gasto com a saúde pública e suspender o teto de gastos (EC 95). Em 2016, o orçamento da saúde representava 4,36% do gasto público. Em 2020, esse percentual caiu para 2,97%;
Aumentar os investimentos no complexo da saúde, imediatamente: indústria de equipamentos, produção de fármacos, formação e contratação de profissionais da saúde, ampliação imediata dos equipamentos de saúde (unidades de atenção básica e centros hospitalares), como forma de atender às necessidades imediatas e no médio e longo prazo que serão geradas pela crise atual; garantir mecanismos de proteção para todos os trabalhadores dessa cadeia de suprimentos e atendimento à saúde;
Liberar a contratação emergencial de profissionais da saúde para reforçar as equipes de atendimento em todos os equipamentos de saúde, através do programa Mais Médicos; autorizar a realização de concursos públicos para recompor a força de trabalho no SUS e na Anvisa, considerando, inclusive, que, no médio prazo, também haverá desdobramento para atendimento à população que contrair o vírus. Se necessário, o Estado deve requisitar leitos e aparelhos hospitalares privados para garantir o atendimento da população;
Garantir, nos postos de saúde, o fornecimento de medicamentos para gripes e resfriados, além da distribuição gratuita de álcool em gel;
Exigir locais de higienização das mãos em espaços públicos como estações de transporte públicos, prédios públicos, bancos, supermercados, farmácias, entre outros;
Cobrar e propor às empresas, entidades patronais e instituições públicas a constituição de comitês, em conjunto com os sindicatos de base, para acompanhar a crise, garantir transparência das ações implementadas e promover iniciativas visando reduzir a propagação da doença nos locais de trabalho, tais como: (I) oferta de produtos de higiene e proteção individual; (II) conduta com relação aos trabalhadores/as mais vulneráveis à doença (idosos, diabéticos, cardíacos etc.); (III) planos de contingência em locais de trabalho que venham a ser diretamente afetados por casos da doença;
Garantir que as empresas promovam a vacinação antecipada de trabalhadores/as contra a gripe, conforme campanha nacional de vacinação do SUS, que terá início em 23/03/2020. Essa iniciativa auxilia na redução das possibilidades de equívocos no diagnóstico do vírus, reduz a demanda ao serviço público de saúde devido a outras doenças, como a gripe, e evita que pessoas debilitadas contraiam o coronavírus;
Garantir o teste para coronavírus para toda a população que apresente sintomas, inclusive com equipe de coletas do teste domiciliar.
Sérgio Nobre
Presidente da CUT – Central Única dos Trabalhadores
Miguel Torres
Presidente da Força Sindical
Adilson Araújo
Presidente da CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
José Calixto Ramos
Presidente da NCST – Nova Central Sindical de Trabalhadores
Antonio Neto
Presidente da CSB – Central dos Sindicatos Brasileiros
Ricardo Patah
Presidente da UGT – União Geral dos Trabalhadores
Atnágoras Lopes
Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas
Edson Carneiro Índio
Secretário Geral da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora
Emanuel Melato
Coordenação da Intersindical – Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora
Ubiraci Dantas Oliveira
Presidente da CGTB – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil
coronavírus
Tópicos relacionados
Comentários