Lista inclui procuradores, antropólogos, lideranças indígenas, advogados e membros do Cimi; Terena indiciado conta que não foi ouvido
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na Câmara, tem no Mato Grosso do Sul o estado com mais alvos: são 27 pessoas indiciadas. A reigão é palco de um dos maiores conflitos indígenas da América Latina, diante do confinamento de indígenas Guarani Kaiowá e Terena em territórios diminutos.
Composta por ruralistas ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária, a comissão foi presidida pelo deputado Alceu Moreira (PMDB-RS). A CPI diz que, no Mato Grosso do Sul, são os indígenas que praticam “atos de violência, constrangimento, ameaças, destruição de plantações e dano de maquinários”, “para inviabilizar a continuidade da atividade agrícola”.
Conforme essa visão dos parlamentares, são arregimentados mulheres, crianças e idosos “com o fim de criar um estado de vulnerabilidade e contingência social de ocupação indígena, absolutamente ilegal, que, ao final, serve como mote para que se crie a consolidação de uma ilusão e o Poder Judiciário, premido pela situação propositadamente criada, acaba por negar a reintegração de posse”.
Na lista de indiciados no Mato Grosso do Sul, não escaparam nem os procuradores da República: sete deles foram indiciados no que a CPI classificou como “condutas antijurídicas”. Um deles, Marco Antonio Delfino de Almeida, procurador em Dourados, conta ao De Olho nos Ruralistas que o documento não representou surpresa.
Para o procurador, a Comissão Parlamentar tem uma leitura equivocada do papel do Ministério Público Federal: “Há uma tentativa clara de perseguição e uma inversão de valores quanto ao que prevê a aplicação dos direitos constitucionais dos indígenas”.
Além dos membros da Procuradoria da República, foram indiciados oito antropólogos que trabalharam em estudos demarcatórios no Estado. O documento também pede investigação de integrantes do corpo técnico da Funai e de membros de ONGs.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) tem nove indiciados que atuam ou atuaram no Mato Grosso do Sul. Em 2016 a organização foi alvo de CPI na Assembleia Legislativa, em Campo Grande, mas as investigações foram arquivadas pelo Ministério Público Estadual e pelo MPF.
Lideranças indígenas também estão na lista de indiciados em Brasília, a exemplo do Terena Lindomar, que integra o Conselho Terena no estado. Ele não acredita que a CPI terá consequências sérias para os acusados. Lindomar acredita que a Comissão teve como objetivo “criminalizar e acabar com a Funai”.
Ele destaca o abandono da Coordenação Regional de Campo Grande. “Ao invés dos parlamentares ficarem perdendo tempo com CPI, deveriam destinar parte das suas emendas pra um Fundo que foi criado na Assembleia legislativa para fazer pagamento de várias terras que estão em processo no Estado”, afirma.
Sobre a regional da Funai em Campo Grande, Lindomar diz que lá não tem nada, “só está o prédio ali posto”, pois ela não consegue desenvolver uma política para os povos indígenas. Ele atribui o resultado da comissão à origem dos parlamentares:
– São todos de famílias que tem terras incidentes em terras indígenas, então não tem imparcialidade, não tem condições dessas pessoas estarem em uma comissão como essa.
Natural de Mato Grosso do Sul, o Terena Luiz Henrique Eloy, advogado e assessor jurídico da Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib), também foi indiciado pela CPI. Ele também não se surpreendeu, pois considera que a criminalização dos povos indígenas começou bem antes:
– A gente tem observado várias lideranças serem indiciadas em inquéritos da Polícia Federal por não ter cometido nenhum crime, apenas por estar lutando pelos seus direitos e dessa CPI a gente não poderia esperar outra coisa, tendo em vista que é uma CPI composta pela bancada ruralista.
Eloy diz que ele e outras lideranças indígenas, antropólogos e operadores do direito são pessoas que atuam na defesa dos direitos dos povos originários, que atuam no limite do exercício de suas profissões, e de acordo com a lei: “A gente entende que há chances de reverter isso em uma arena mais democrática, principalmente na Justiça. A CPI foi usada de má fé e de abuso de autoridade e usa um instrumento constitucional de natureza criminal penal pra criminalizar pessoas que estão lutando por seus direitos”.
O advogado denuncia a falta de princípios jurídicos da Comissão e afirma que sequer foi chamado para prestar depoimento. Ele assinala que os princípios que se aplicam aos magistrados também são aplicados aos membros da CPI. Como observar o princípio da imparcialidade:
– Deveriam observar o princípio da ampla defesa e do contraditório. Em nenhum momento eu fui chamado para ser ouvido nesta CPI. Eles deveriam observar o princípio da igualdade de armas que é um princípio muito importante no processo penal. E pelo contrário, você vê toda uma estrutura estatal voltada a favor dos fazendeiros e contra os povos indígenas. Então a gente entende que é uma CPI inconstitucional, com fins políticos e só tem por missão atrapalhar aqueles que defendem os direitos dos povos indígenas.
Fonte: De Olho Nos Ruralistas / Por Izabela Sanchez – de Campo Grande
Foto principal: Christian Braga
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