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Mulheres e trabalho na América Latina

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Por Marianna Braghini

O tema a ser tratado neste artigo é norteado por dados acerca do trabalho feminino nos países da América Latina. A dissociação de gênero para tratar da questão trabalhista na vida do proletariado se faz necessária, em nossa sociedade as mulheres ocupam uma posição hierarquicamente inferior, por meio de princípios patriarcais, a relação de opressão estabelecida para a vida das mulheres denota a importância de atentarmos: a classe trabalhadora tem dois sexos. Como bem colocado por Helena Hirata e Daniele Kergoat (1994, p.93) não se referir ao sexo dos atores sociais ao falar sobre questões envolvendo a classe trabalhadora, comumente referida em tom quase uníssono, seria “como se o lugar da produção fosse um elemento unificador” conferindo aos indivíduos “comportamentos e atitudes relativamente iguais”. O que é insuficiente para mostrar a opressão sofrida pela mulher quanto às relações sociais e trabalhistas estabelecidas.

Os indicadores utilizados são do Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe. Ao verificar os dados entre os países do eixo sul da América, poderemos observar um panorama localizado das condições de vida das mulheres trabalhadoras que vivem na região.

Partimos da premissa da divisão sexual do trabalho, ou seja, de que existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres, principio que carrega juízos de valor no qual o trabalho de um homem é mais bem visto do que o trabalho de uma mulher – já que está é relegada ao trabalho doméstico, não pago e invisível. A premissa da divisão sexual do trabalho estabelece uma dicotomia entre a função social dos homens e a das mulheres, os primeiros relegados às funções de “produção”, enquanto a função feminina na sociedade se baseia na “reprodução”.1

O peso que esta função da mulher carrega influencia também na sua posição de classe. Historicamente, o âmbito da mulher não é o ‘público’ e sim o ‘privado’, existe uma relação dessa posição com as condições de trabalho da mulher, costumeiramente vítimas de assédio moral e sexual, seu salário tende a ser menor quando equiparado aos de homens exercendo as mesmas funções, dentre outras coisas desta mesma natureza: a de subjugação em relação ao homem.

Para tratar do tema neste artigo, foram escolhidos três pilares para uma compreensão acerca da vida das trabalhadoras na América Latina, a partir dos dados mais recentes disponibilizados do Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina, sendo estes a renda própria, o tempo total de trabalho – remunerado e não remunerado – e as iniciativas dos Governos ante a desigualdade de gênero, como programas de transferência de renda destinados a mulheres.

No relatório anual de 2012 do Observatório da Igualdade de Gênero da América, um dos capítulos é inteiro voltado a “Renda Própria”, este será um dos dados utilizados, recorro ao próprio relatório para justificar sua importância: “No contexto econômico atual, o fato de receber uma renda é importante para tomar decisões sobre o uso dos recursos e sobre o destino de vida e, portanto, para dispor de maior autonomia. Neste sentido, o indicador de população sem renda própria por sexo constitui uma representação da falta de autonomia econômica das pessoas.”2

Renda Própria

É possível observar no gráfico abaixo que há uma importante diferença entre homens e mulheres que não possuem renda própria: a porcentagem de mulheres sem renda própria comparada com a dos homens praticamente dobra em todos os países. Metade dos países registrou um percentual de mulheres sem renda própria acima da média do continente latino, o Brasil incluso. Em nosso país, em 2016, mais de ¼ da população sem renda própria era de mulheres (28,4%), enquanto que para os homens esse percentual chegou a 17,8%.

A média entre os países da região totaliza em 28,3% de mulheres sem renda própria, contra somente 10,4% de homens. Evidenciando um dado de que a mulher latina ainda tem mais dificuldades do que homens em atingir autonomia financeira, muitas vezes estas se dedicam integralmente às atividades domésticas, trabalho este não remunerado, enquanto o sustento da família provém do homem assalariado.

Tempos de Trabalho

O outro dado acerca do trabalho é o “tempo total de trabalho”, que diz respeito não só ao trabalho formal, mas ao tempo somado com o tempo dedicado aos trabalhos domésticos ou de cuidados dos outros: “além de suas responsabilidades como trabalhadoras remuneradas, as mulheres se encarregam do cuidado, isto é, dedicam um tempo significativo ao trabalho que representam as tarefas de cuidado de outros, a manutenção da casa e as atividades associadas à reprodução cotidiana da família(…)”.3

O gráfico a seguir mostra a média de horas semanais destinadas ao trabalho remunerado e ao não remunerado, segundo o sexo.

Segundo as informações disponíveis, percebe-se que o tempo dispendido pelas mulheres ao trabalho não remunerado, é mais próximo do tempo de trabalho remunerado dos homens.

No Brasil, enquanto as mulheres gastavam em média 23,6 horas semanais em trabalho remunerado, os homens registraram uma média de 37h por semana. No que se refere ao trabalho remunerado das mulheres brasileiras, eram destinadas 19,9h. Mesmo no Equador, onde as mulheres registraram a maior média de horas semanais em trabalho remunerado (20,7h), os homens chegavam às 44h semanais em média no mesmo tipo de trabalho.

O gráfico a seguir mostra o tempo total despendido ao trabalho não remunerado, divido por sexo, da população de 20 a 59 anos segundo rendimento próprio.

A média de horas semanais destinada ao trabalho não remunerado no caso das mulheres (com ou sem rendimento próprio) nos países selecionados na América Latina é de 47,3h, enquanto a dos homens é 19,2h. Isso significa que as mulheres latinas trabalham quase 30 horas a mais por semana, em média, do que os homens, e mesmo assim nos países citados a porcentagem de homens que possuem renda própria – no primeiro gráfico – é muito superior a de mulheres. É notável, ainda, como as mulheres sem renda própria dispendem mais horas semanais em tempo de trabalho. Apesar de uma disparidade menor entre as mulheres, em relação aos dados sobre renda própria, as mulheres continuam a dividir seu tempo entre o trabalho remunerado e não remunerado, somando as duas jornadas.

O tempo dispendido as atividades familiar e do lar é realizado gratuitamente pelas mulheres. Isso faz com o que esta jornada passe despercebida, quase invisível, mas que tem um peso significativo na vida das famílias. A pesquisa do uso do tempo é importante, pois dá maior visibilidade a este aspecto das condições de vida da mulher trabalhadora na América Latina, que mesmo destinando mais tempo a atividades laborais do que os homens, incluindo-se aí cuidados com os outros, seus recursos financeiros ainda estão atrelados aos homens da família, uma típica imagem dos valores patriarcais que imperam na sociedade.

Programas de Transferência de Renda

Na tentativa de minimizar os danos causados pela desigualdade de renda entre homens e mulheres, programas de transferência de renda voltados à mulher surgem como iniciativas de resultados em curto prazo e têm consequências no que tange a igualdade de gênero, mas não só, ele se reflete também na ampliação de direitos das mulheres amparados no sentido de proteção social.

A maior parte destes programas possui um recorte de gênero, ou seja, o benefício monetário é direcionado e/ou controlado pela mulher e por isso possuem um impacto significativo em suas vidas. É interessante também pontuar que parte destes programas possuem como condição que sejam cumpridos alguns aspectos relacionados a assistência escolar (por exemplo a criança ou adolescente não pode ter faltas injustificadas na escola), assistência de saúde de crianças e adolescentes e saúde reprodutiva (obrigatoriedade de exames pré-natais etc.), de forma que caso as condições não sejam cumpridas o benefício pode ser parcial ou integralmente perdido.

Estes programas não têm como objetivo a inserção das mulheres no mercado de trabalho, e sim aspiram criar as bases de uma autonomia econômica que melhore as condições de vida de grupos historicamente marginalizados, projetando uma ampliação na inserção social destas mulheres, que passam a ser mais ativas economicamente, graças à renda que antes era diretamente ligada a renda do marido, já que, a renda da mulher ainda é subjugada a do patriarca, fato este que constitui uma relação não só subjetiva, mas também objetiva, de dominação a qual a mulher é submetida.

Os dados revelam que a média de cobertura de indigência na região chega a 96.6% e de pobreza a 100%. Entretanto, é possível enxergar uma importante variação entre os países analisados. Ainda assim, os programas de transferência de renda se mostram alternativas viáveis e com significativa importância, a curto-prazo, de redução da desigualdade.

Segue abaixo gráfico que demonstra a diferença de abrangência entre os programas dos países analisados:

Fonte: Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe. Relatório annual 2012. Os bônus na mira: aporte e carga para as mulheres.

Conclusão

Dados como os apresentados neste trabalho são fundamentais para conscientização da importância da dissociação de gênero na classe trabalhadora. Dentro deste escopo, há precedente para uma sensibilização maior em relação à situação das mulheres trabalhadoras ou não, e como seu papel na sociedade é relegado ao âmbito privado enquanto sua função é ainda mais reprodutiva do que produtiva.

Para Helena Hirata e Daniele Kergoat (1994) é preciso então tornar visível a construção histórica que conferiu e que confere a mulher sua condição social, desviando de naturalismos e concepções fatalistas, pois “as praticas, a consequência, as representações, as condições de trabalho e de desemprego são quase sempre assimétricas”,4 é preciso reconhecer que o fato de afetarem homens e mulheres de forma desigual, é produzido no seio do processo de socialização, e não tem início na biologia do ser.

As restrições de renda e a limitação de seu tempo ligado à serventia ao lar e a família, iluminam o caminho para nortear políticas públicas de amparo às mulheres, de forma que com os contínuos avanços, num futuro ainda distante, a relação de dependência produzida, por exemplo, por programas de transferência de renda, não sejam mais fundamentais para a melhoria de vida das trabalhadoras.

Referências

BRIGUGLIO, Bianca. De casa para o trabalho, do trabalho para casa: trajetórias de emprego e desemprego de mulheres na cidade de São Paulo. 2013. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade de São Paulo, São Paulo.

HIRATA, H.; KERGOAT, D. A classe operária tem dois sexos. In: Revista Estudos Feministas. IFCS/UFRJ,FH/UFSC. 1999, vol. 7, pp. 93-100.

Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe. Relatório annual 2012. Os bônus na mira: aporte e carga para as mulheres.

Fonte: Olhar de Classe


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