João Carlos Novaes Luz*
O Documentário “No Intenso Agora”, de João Moreira Sales, narra imagens amadoras captadas pela mãe do cineasta numa visita à China comunista. A sua alegria e choque são desvendados num mundo colorido e desconhecido. Filmagens dessa visita somadas às outras, além de colagens do Maio Francês de 68, trazem à tona as efervescências da rica e complicada década de 60.
Imagens alegres e intensas de trabalhadores e estudantes numa sociedade em marcha pelos seus sonhos. Nessa seara, a força da memória, do afeto e da reflexão política configuram os sonhos possíveis de gerações que assistiram o melhor e o pior da luta de classes da humanidade.
João Moreira Sales resgata a tradição dos grandes documentários trazendo um olhar político e sensível sobre a memória afetiva. Na verdade, as memórias se cruzam na importância daquilo que foi ou poderia ser: a ideia de revolução, de alegria, de perdas, além das utopias em marcha, revisitadas em filmagens caseiras, antigas e amadoras de sua mãe em visita à China, e o cotidiano familiar no auto exílio dos Moreira Salles vão se cruzando com imagens do Maio Francês de 68, além de outras revoltas e utopias.
Nesse contexto, vão se somando lutas gloriosas e ingloriosas que marcaram a classe trabalhadora em 1968 e nos anos subsequentes pelo mundo. A citar a Primavera de Praga que buscava um socialismo com mais liberdade e leveza e fora silenciada pelos tanques soviéticos. No Brasil, a memorável resistência heróica de jovens e trabalhadores ao obscuro e autoritário regime militar.
Nesse instante, paira a reflexão sobre as delicadezas perdidas… da China revolucionária de Mao Tse Tung com suas contradições estampadas no sorriso alegre das crianças carregando livros vermelhos da revolução de Mao, cantando felizes numa ciranda…ou, ainda, da dignidade dos pobres trabalhadores chineses entre o belo e o desconhecido no mundo oriental num momento original pós revolução que, décadas depois, assistiríamos a China como locomotiva do mundo e salvação de nossas economias com suas contradições e complexidades. Um país longe da ideia de uma sociedade sem classes e exploração.
Ainda, narra as derrotas e tristezas dos trabalhadores franceses no contexto de uma França capitalista e tradicional liderada por De Gaulle que convoca sua classe média e alta, como parte da burguesia francesa, para uma contra marcha às revoltas estudantis e operárias em nome dos ditos valores republicanos.
Diante do que foi discutido, é possível refletir sobre as explosões sociais, como as de Maio de 68, e perceber que não culminam, necessariamente, em revoluções, mas trilham caminhos a serem percorridos nos diversos tempos por revolucionários.
Guardando as devidas diferenças e proporções históricas, não tive como não conectar às jornadas de junho de 2013, no Brasil. Foram manifestações sinceras de jovens e trabalhadores num tempo e espaço de descontentamento difuso que não encontraram eco ou saídas políticas coletivas organizadas pela esquerda.
Como dizia o professor da USP, Paulo Arantes, em entrevista antiga que nunca esqueci sobre o Maio Francês de 1968, tais revoltas “abriram as portas erradas da política”. No caso do Brasil, eu o parafraseio no que diz respeito ao enfraquecimento de partidos e espaços de representação coletiva depois de 2013. Nesse sentido, a esquerda e tampouco a direita brasileira foram as mesmas. Vale ressaltar que o crescimento de pautas conservadoras e moralistas pode ser apenas uma coincidência histórica, mas vertiginosa desde então. Embora setores da esquerda façam uma análise otimista daquele processo que, para além dessa citação, cabe ainda ser estudado e aprofundado.
São imagens, gestos, histórias e anseios de que os sonhos de igualdade não acabaram devendo ser ressignificados e reinventados politicamente por uma esquerda que ame mais a construção popular do que somente a institucional.
Dezembro de 2017
*João Carlos Novaes Luz é educador, fotógrafo e militante da Intersindical.
INTERSINDICAL – Central da Classe Trabalhadora
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