A data de sua nomeação ocorreu há quase 15 meses, em 12 de maio de 2016. O mais longevo presidente do Banco Central do Brasil acabava de marcar seu retorno ao setor público federal. A ironia da História não tem perdão. Aquele por quem Lula tanto batalhou para que ocupasse o mesmo posto no governo Dilma, então retornava ao comando da política econômica pelas mãos de Temer. Para tanto, Henrique Meirelles pediria afastamento de suas funções como presidente do conselho da J&F para assumir a cadeira no Ministério da Fazenda.
As forças vinculadas ao financismo e seus representantes cuidadosamente instalados nas redações dos principais meios de comunicação mal conseguiam conter seu entusiasmo. Afinal, um verdadeiro “dream team” estava se apossando dos postos estratégicos para os assuntos de economia. Um banqueiro com vasta folha de serviços prestados ao capital financeiro internacional como ministro e outo banqueiro com reconhecida experiência na defesa do financismo tupiniquim no Banco Central. Perfeito!
A dupla Meirelles e Goldfajn acabava de aterrissar na Esplanada dos Ministérios, com a tão aguardada tarefa de colocar o Brasil nos eixos e resolver nosso problemas da economia. A depender do colunismo econômico bajulador, parecia óbvio que o problema era bastante simples de solucionar, pois o mais importante já havia sido resolvido. “Primeiro, a gente tira a Dilma e depois tudo se acomoda”. A conhecida e reconhecida competência técnica da duplinha dinâmica realizada entre o Bank of Boston e o Itaú se encarregaria de nos promover a redenção. Todos os pecados seriam expiados a partir de então.
A fundamentação retórica do grupo que chegava ao poder na esteira do golpeachment que foi implementado sem nenhuma base jurídica baseava-se na crítica à irresponsabilidade do governo anterior no trato das contas públicas. Dilma havia sido acusada de praticar as chamadas “pedaladas fiscais”, uma vez que a situação dos gastos públicos estaria sem nenhuma capacidade de controle. A narrativa liberalóide do “menos Estado” ganha presença no discurso no governo que vinha de se apossar do Palácio do Planalto.
Os aspectos mais significativos da nova agenda estavam já presentes no documento “Ponte para o Futuro”, elaborado sob a responsabilidade de Wellington Moreira Franco, então presidente da Fundação Ulysses Guimarães, vinculada ao PMDB. Com aquelas propostas, o partido de Temer pretendia se credenciar junto às elites econômicas e das colunas sociais como um instrumento confiável para realizar as mudanças que as urnas haviam sistematicamente derrotado desde as eleições presidenciais de 2002. E assim foi elaborada a estratégia do desmonte do pouco que ainda existia de Estado de Bem Estar em nosso País.
Para além de orientar e formular a política de terra arrasada contra a Constituição Cidadã, Meirelles se encarregou de lançar o seu mantra pessoal em aspectos relevantes da política econômica. Como o discurso oficial não poderia esconder o desejo de recuperar o crescimento da atividade, o chefe da Fazenda martelava sistematicamente na necessidade da aprovação das deformas constitucionais para que o PIB voltasse a subir. Afinal, o mais importante era atender às expectativas do mercado para que os investimentos fossem finalmente acionados. Assim, o foco estava voltado para a aprovação da Emenda Constitucional nº 95/16 (que congelava os gastos sociais por longos 20 anos), a aprovação do desmonte da CLT e a expectativa de destruição da Previdência Social.
Para o rame-rame da economia, Meirelles articulou suas intervenções em 3 pontos: i) retomada do crescimento da atividade e do emprego; ii) fidelidade canina às metas fiscais; e, iii) negativa permanente da elevação de impostos.
E assim foi feito. Em julho do ano passado, ele garantia que haviam mesmo bastado dois meses sob nova direção para que a fadinha das expectativas entrasse em operação para tirar o Brasil da depressão. Pouco importava que as estatísticas do IBGE apontassem justamente o contrário. A recuperação estaria logo ali, bem na esquina.
“Se não houvesse essa retomada, da qual já estamos vendo antecedentes e deve ocorrer, seria a maior [recessão] da História brasileira”, explicou o ministro. “Essa retomada que estamos vendo para os próximos trimestres evita que seja a maior da História, mas ainda será a maior desde 1931″.
Mas a comunidade do sistema financeiro não precisava se preocupar. Afinal, seu padrinho havia garantido algumas semanas antes que não abriria mão de sua obediência cega aos ditames do austericídio. A política monetária estava cargo de colega do BC, mas as metas fiscais sob responsabilidade do Tesouro Nacional seriam imexíveis. O foco no corte de despesas a todo custo se justifica pela segurança fornecida por Meirelles de que alterações de objetivos da política fiscal ao longo do ano era atitude típica de irresponsabilidade populista, coisa do passado. Daqui prá frente, tudo vai ser diferente.
Segundo ele, tudo seria feito para não flexibilizar a austeridade e a dureza tão necessárias ao ajuste que se impunha:
“Minha maior preocupação é com metas que não se confirmam ou medidas que não são suficientes”
Finalmente, em setembro, o mandarim da Fazenda repetia pela enésima vez aquilo que soava como concerto de violino aos ouvidos da turma do impostômetro e do sonegômetro. A cantilinária do Estado mínimo não aceitava de modo algum que o governo lançasse mão do aumento de tributos para melhorar a situação de suas contas. Pelo contrário, os representantes dos empresários contavam, como sempre, com as benesses e as bondades em programas de desoneração, isenção e perdão de dívidas tributárias. De acordo com Meirelles,
“Com os dados que temos agora, não será necessário aumento de impostos. Portanto, no orçamento de 2017, segundo o projeto de lei apresentado, não está previsto o aumento de imposto”, disse Meirelles após a apresentação da proposta.
Com o passar do tempo, foi se evidenciando a incapacidade da equipe econômica em cumprir o prometido. A crise política foi se aprofundando, junto com o abismo da popularidade do presidente ilegítimo. Aquela que parecia de início com uma aliança de ganhos recíprocos entre Temer e Meirelles, aos poucos foi assumindo a forma de uma gravura retratando um abraço de afogados.
A recessão continuou firme e segura. O desemprego superou a casa de 14 milhões. Os escândalos políticos e de corrupção só fizeram aumentar de frequência. E assim Meirelles foi descumprindo cada uma de suas promessas: um verdadeiro estelionato golpeachmental. Senão, vejamos:
a) a retomada do crescimento ainda está longe de se confirmar, com o fundo do poço sendo cavado a cada dia ainda mais fundo.
b) a garantia de não recorrer ao aumento de impostos se desfez assim que as dificuldades de receita tornaram-se evidentes pela queda da atividade induzida e desejada pela política austericida.
c) a flexibilização da meta fiscal de um déficit primário R$ 139 bilhões subiu no telhado. O governo já fala quase abertamente na necessidade de aumentar a meta para R$ 159 bi ainda para 2017.
Esse é apenas um dos aspectos do profundo fracasso de Meirelles. Justamente aquele que era, até anteontem, apontado por muita gente da “crème de la crème” como o candidato imbatível nas eleições presidenciais de 2018. Uma pena que a delação premiada de Joesley Batista esteja no centro do noticiário policial e na base das denúncias contra o próprio Presidente da República. O grupo empresarial cujo conselho máximo era dirigido por ninguém menos que o próprio Meirelles até o dia anterior à sua nomeação para o cargo de Ministro da República.
E como se diz no popular, o que está ruim, ainda pode piorar. Assim, para quem acredita em forças esquisitas, é preciso recordar que o Ministro da Fazenda entrou hoje em seu inferno astral. Aguardemos, pois, o passar de agosto.
*Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Fonte: Carta Capital
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