Organizações indígenas e ligadas à causa têm manifestado sua indignação com o veto da presidenta Dilma Rousseff ao Projeto de Lei (PL) 5.954-C/2013, de autoria do Senador Cristovam Buarque, que visa assegurar às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas na educação básica, na educação profissional e na educação superior, bem como de processos próprios de aprendizagem e de avaliação que respeitem suas particularidades culturais.
O projeto, que poderia concretizar direitos já assegurados aos povos indígenas na Constituição de 1988, foi vetado pela Presidência sob a justificativa de “contrariar o interesse público”.
Na mensagem de número 600, emitida pela Casa Civil no dia 29 de dezembro de 2015, o governo afirma que “apesar do mérito da proposta, o dispositivo incluiria, por um lado, obrigação demasiadamente ampla e de difícil implementação por conta da grande variedade de comunidades e línguas indígenas no Brasil”.
Em nota, a Rede de Cooperação Amazônica (RCA), que é constituída por treze organizações indígenas e apoiadoras dos povos indígenas, afirmou que a mensagem presidencial “explicita posição governamental que considera a diversidade cultural e linguística indígena como um problema e não uma riqueza para o nosso país, em franco desacordo com o que estabelece nossa Constituição Federal” (clique aqui para ler a nota na íntegra).
A RCA também afirma que, após o veto a um projeto que poderia fortalecer a educação escolar diferenciada e valorizar as línguas e conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, conforme garante a Constituição, cabe agora ao Governo Federal apresentar novo projeto de lei que atenda à demanda indígena por melhorias na legislação e nas políticas públicas.
O Instituto Latino-Americano de Artes Cultura e História (ILAACH) da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) também manifestou-se contra o veto de Dilma, classificando-o como um “desrespeito total” às conquistas dos povos indígenas a uma educação escolar específica e diferenciada (clique aqui para ler a nota).
“A Casa Civil demonstra preocupação com a quantidade de povos indígenas existentes no Brasil, como se a diversidade cultural e linguística fosse prejudicial ao erário público. Talvez seja esse um dos motivos que levou a Casa Civil a paralisar a demarcação das Terras Indígenas”, afirma a nota divulgada pela Unila. “Essa atitude é uma demonstração de um gigantesco retrocesso no que tange ao avanço para um país multicultural e plurilíngue”.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também manifestou-se, em nota, repudiando o veto da presidenta Dilma. A entidade, que pediu a anulação do veto presidencial ao PL 5.954-C, questiona as justificativas apresentadas pelo governo para a decisão de barrar o projeto.
“É de se questionar quais interesses e qual público são contrariados com a presença das línguas indígenas nas instituições de ensino, pois todos teriam a ganhar com isso, uma vez que cada língua indígena encerra uma forma única de se conceber e pensar o mundo. Do mesmo modo, questionamos a impossibilidade de se incorporar as particularidades de cada sociedade indígena nos processos de avaliação educacional, a não ser que o objetivo seja a implantação de uma educação homogeneizadora que visa apagar a diversidade constituída pelas formas próprias de educação de cada povo indígena”, afirma a nota (clique aqui para ler na íntegra).
Em entrevista ao Instituto Socioambiental (ISA), a antropóloga e linguista Bruna Franchetto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirmou: “O veto vem para dar o golpe fatal a uma educação já limitada e frágil. A diversidade é uma riqueza, mas não o é para os lacaios do desenvolvimentismo. Não há nenhuma política linguística explícita, adequada e coerente no Brasil. Os cursos de formação de professores indígenas, que proliferam no Brasil, ou ignoram completamente a existência das línguas indígenas ou as tratam com displicência e profunda ignorância”.
“Não vete o nosso direito”
Ainda em janeiro, estudantes do Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto aos Povos e Terras Tradicionais (MESPT), da Universidade de Brasília (UnB), também manifestaram-se contra o veto de Dilma.
O MESPT inclui estudantes indígenas, quilombolas, oriundos de povos tradicionais e apoiadores das causas dos Povos Indígenas, Quilombolas e Tradicionais, os quais pedem que o governo “reveja sua posição com relação ao PL nº 5954/2013; considere os pareceres técnicos elaborados; consulte as instâncias de representação nacional indígena, em respeito à Convenção 169 da OIT. Não vete o nosso direito”.
A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), em conjunto com a Associação de Professores Indígenas do Rio Negro (APIARN), a Comissão dos Professores Indígenas do Alto Rio Negro (COPIARN), os Coordenadores das Escolas Indígenas do Alto Rio Negro e os Assessores Pedagógicos Indígenas (APIs), também divulgou carta de repúdio aos vetos.
Nela, as entidades indígenas criticam a falta de consulta aos povos pelo governo – contrariando a Convenção 169 da OIT – e a falta de compromisso com as conquistas democráticas dos povos indígenas no Brasil, solicitando ao governo que revogue o veto ao PL 5.954-C.
“O Brasil precisa se descolonizar, precisa reconhecer a presença da diversidade linguística e cultural do país. O Brasil precisa respeitar os direitos assegurados por lei, não só dos povos indígenas, mas de todos os brasileiros”, afirmam os indígenas do Rio Negro.
Foto: Andreas Kuno Richter
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