Enfim, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou o projeto que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, dando aval para a tramitação da matéria. Este fato tem tudo a ver com a conjuntura política do Brasil, onde a massa popular quer uma resposta direta e reta para problemas estruturais e sociais que jamais foram resolvidos em nosso país. E a direita, que sempre impediu de se colocar na pauta as medidas necessárias para segurar a escalada da violência, agora se delicia no meio desse turbilhão de ira em busca de uma resposta rápida.
E não existe solução rápida para o problema do aumento da violência em nosso país. E o mais grave é perceber que se caminha cada vez para mais longe das causas dos problemas, chegando ao ponto de se oferecer solução na inversão completa das prioridades. Qualquer proposta séria no campo da segurança pública precisa partir do pressuposto de que a solução é difícil, demorada, complexa e ligada a um conjunto muito maior de políticas de governos e de Estado, ou mesmo de reestruturação da sociedade, sob novos valores. Ver a solução ou diminuição da criminalidade na redução da maioridade penal indica ausência de qualquer avaliação mais profunda sobre o assunto. Que o senso comum se comporte dessa forma, podemos até compreender, mas ver autoridades, supostamente letradas no assunto, chamando todo mundo para esta ilusão, dá a certeza de que estamos a cada dia mais distantes do caminho certo, também no campo da segurança pública.
Vou ser mais claro e objetivo: a redução da maioridade penal não será, em hipótese alguma, a solução para qualquer problema na área de segurança pública. E nem mesmo poderá representar qualquer alento, qualquer mitigação. Trata-se de uma forma demagógica de políticos cujos partidos nos governos nunca fizeram nada para prevenir o crescimento da criminalidade agora aparecerem diante da sociedade, legitimamente revoltada, e apresentarem esta suposta solução, como se fosse um remédio para todos os males, uma panaceia.
Evidente que uma família vitimada por um adolescente, que um pequeno comerciante assaltado toda semana, que o policial que apreende várias vezes por semana (o mesmo por dia) o mesmo adolescente tem razões particulares fortes para defender a redução da maioridade penal. Mas mesmo estas pessoas, com todo respeito à sua dor, ao seu desespero ou ao seu dilema, se pensarem com calma, perceberão que reduzir a maioridade penal para 16 anos não vai lhes livrar da situação, pois os mesmos atos continuarão a ser praticados por adolescentes de quinze, doze ou até de dez anos.
Leia também:
→ Proposta de Emenda à Constituição 171/1993
→ Moção de repúdio da INTERSINDICAL à PEC 171 que reduz a maioridade penal
→ Frente Estadual contra a Redução da Maioridade Penal convoca reunião ampliada
Aparecer uma autoridade, fazendo cara de ilustrado, a dizer que a redução da maioridade penal vai dificultar para “a criminalidade”, que não poderá mais arregimentar adolescentes para práticas criminosas, chega a ser ridículo. Qualquer estudo pode provar que os adolescentes (e até as crianças) entram cada vez mais novos para o mundo paralelo da criminalidade. Estes que hoje comemoram a perspectiva de aprovar a redução da maioridade penal, certamente terão que prometer a mesma coisa dentro de poucos anos, passando a campanha para uma nova fase, ou seja, reduzir ainda mais a maioridade penal.
Este debate tem sido tão raso que não tem entrado nem mesmo aquilo que salta aos olhos sobre a situação da segurança pública: nenhuma das unidades federativas (estados) do Brasil tem conseguido construir vagas no sistema prisional capaz de suportar a quantidade crescente de pessoas com condenação judicial. O número de indivíduos soltos que têm mandado de prisão decidido pela justiça é quase igual ao número de pessoas que estão presas. E o número de pessoas presas é mais que o sobro da quantidade de vagas existentes nos estabelecimentos prisionais. Explique-se: em nosso país está absolutamente “naturalizado” o fato de que as cadeias são (“são” e não “estão”) superlotadas, muitas vezes compondo um “depósito de gente” que o Estado cinicamente diz que quer “ressocializar”. Ou seja, o Estado não consegue cumprir a Lei de Execuções Penais para a imensa maioria dos seus presos, e não consegue sequer prender (mesmo nas condições de superlotação) cerca da metade das pessoas maiores de 18 anos que a justiça determinou que deveriam estar presas. Nestas condições, reduzir a maioridade penal para 16 anos, vai mudar o que?
Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tido como a lei que protege os menores “em conflito com a lei”, também não é cumprido. É preciso registrar que este estatuto, ele próprio, prescreve a restrição de liberdade para adolescentes que incorrerem em certas práticas, como matar, provocar lesão corporal, traficar, roubar, estuprar… E, mais uma vez, caímos no problema anterior, qual seja, o Estado não oferece as condições estruturais para que estas “medidas corretivas” sejam aplicadas. Chega-se ao ponto, muito concreto e doloroso, de as famílias pedirem desesperadas aos juízes da infância e adolescência que apliquem tais medidas. E estes não podem aplicar as medidas previstas em lei (inclusive no ECA) porque não existem as vagas, e muito menos a estrutura em pessoal, capaz de suportar mais gente no sistema.
O problema da (in)segurançapública no Brasil não é por uma falta de leis, e sim porque o Estado não consegue cumprir as leis que ele mesmo criou. É comum se ouvir que deveria ser obrigatório o trabalho para todos os presos, e “receitas” imaginativas falam de campos de trabalho (ou seria de concentração?) onde os apenados forçosamente produziriam seu próprio sustento. E as autoridades que defendem a redução da maioridade penal não dizem para estas pessoas, não falam nos programas institucionais, não esclarecem à sociedade, que o Estado (nenhuma das unidades federativas do Brasil, já que segurança pública é responsabilidade das unidades federadas) não consegue garantir posto de trabalho produtivo para os presos que desejam trabalhar! Sim, a imensa maioria dos presos (provisórios ou com pena transitada em julgado) tem interesse em trabalhar, pois o trabalho ajuda a cumprir a pena, e, possivelmente, torna menos entediante a restrição da liberdade. E, na maioria das vezes, o trabalho que lhes é ofertado não passa de um arremedo de trabalho, absolutamente descolado de qualquer interesse social e distante do nível médio de produtividade da sociedade. As exceções merecem aplauso, mas a existência das exceções ajuda a comprovar essa regra. Falam até em privatizar as cadeias, e em alguns lugares têm feito isso, outra panaceia, esta também com potencial para se transformar em mais um grande crime de lesa humanidade.
O poder público, no Brasil, não garante ao preso sequer o direito que ele tem de trabalhar, assim como não garante ao menor infrator o direito de ser educado. Aliás, o Estado brasileiro não garante à sociedade o direito de uma vaga no sistema prisional para cada pessoa que a justiça decidiu que deve estar presa, e muito menos uma vaga em casa de recolhimento para cada menor em conflito com a lei que a justiça específica decidiu que lá deveria estar recolhido. E nos aparece uma maioria ignara de deputados a fazer claque, somando desinformação ao preconceito, para esconder o fato de que a maioria deles já fez ou faz parte de governos que não cumpriram o mínimo determinado pela lei em termos de segurança pública!
Diante da justa indignação da sociedade, diante mesmo do desespero social pelo aprofundamento da barbárie, diante da ira das maiorias contra a incapacidade dos poderes públicos, “políticos” demagogos, das velhas e das novas direitas, aparecem vendendo esta ilusão chamada redução da maioridade penal! Além de nos manifestar contra, precisamos apontar soluções para a falta de segurança vivida pela sociedade, e as soluções são muito mais complexas que essa onda de obtusidade estabelecida.
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*Amauri Soares – É Policial Militar da Reserva e Direção Nacional da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora
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