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Reformas são ‘combinação explosiva’ para o trabalhador

Reformas são 'combinação explosiva' para o trabalhador
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Eduardo Fagnani, professor da Unicamp, diz que propaganda oficial enganosa omite que a maioria dos pobres vai ser afetada pela Reforma da Previdência. “Há uma campanha terrorista. O governo não tem argumentos”

“Esse governo tem até 2018 para implantar um programa que não foi respaldado pelas urnas, um programa liberal que se tenta implantar no Brasil há pelo menos 40 anos, e o golpe parlamentar foi essa oportunidade de implantar a chamada agenda do mercado.” É assim que o professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) Eduardo Fagnani avalia a insistência do governo em aprovar a “reforma” da Previdência, cuja votação está agendada para acontecer em 19 de fevereiro, na Câmara dos Deputados.

Em entrevista concedida à Rádio Brasil Atual, Fagnani é taxativo ao dizer que a propaganda oficial mente ao dizer que os mais pobres não serão afetadas pela PEC 287. “É uma estratégia. Como se eles estivessem fazendo uma reforma que atinge apenas os marajás do serviço público. Isso não é verdade”, aponta, destacando as dificuldades que o trabalhador terá para conseguir acesso ao benefício. “Para ter aposentadoria integral precisa contribuir durante 44 anos, isso inviabiliza, ninguém mais vai ter aposentadoria integral no Brasil. Isso é superior ao tempo de contribuição que os países desenvolvidos adotam.”

Para o economista, a combinação dos efeitos da “reforma” trabalhista, que precariza os empregos e diminui as receitas previdenciárias, com a proposta de mudanças do governo no sistema previdenciário inviabilizam o sistema, aumentando ainda mais a desigualdade no país. “Antes da reforma trabalhista, em média, 50% do trabalho era informal, mas no Maranhão esse índice é de 75%. Essas pessoas em geral não contribuem para a Previdência e não vão conseguir ter os 15 anos (de contribuição mínima). Isso não só prejudica as camadas de menor renda mas a população que mora nas regiões Norte e Nordeste, o que vai ampliar a desigualdade regional e a desigualdade de renda no país.”

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

A propaganda do governo diz que os mais pobres não serão afetados pela reforma da Previdência, mas, pela sua análise, mesmo com as mudanças feitas a partir da proposta original eles continuam sendo os mais afetados pela PEC 287. É isso mesmo?

Eduardo Fagnani – Sim. A reforma também atinge os trabalhadores de menor renda, do chamado regime geral da Previdência Social. Esses trabalhadores, quase 100% dos rurais, por exemplo, recebem o piso do salário mínimo; mais de 80% dos aposentados do INSS urbano também recebem o piso. No regime geral, a média do benefício é em torno dos 1,5 a 1,6 mil reais.

O governo diz que esse pessoal não vai ser afetado. Mentira. Quem são os privilegiados para o governo? É o servidor público, e a propaganda enganosa do governo dá a entender que a reforma só vai atingir esse segmento, e não é verdade. A ideia do combate ao privilégio, que teria como alvo o servidor público federal, esconde o fato de que a maioria da população pobre, de baixa renda, vai ser afetada pela reforma.

E nem dá para dizer que o servidor público é exatamente um privilegiado. Existem poucas carreiras em que se ganha muito, mas a média da remuneração em geral é pouco maior que a do trabalhador da iniciativa privada…

Eduardo Fagnani – Exatamente. A média do servidor público está em torno de quatro, cinco mil reais. Existem algumas categorias, em especial do Judiciário e do Legislativo, que têm salários acima de 30 mil reais, além de auxílio-alimentação e outros itens que transformam essa remuneração em valores altíssimos. Para restringir esses salários é muito simples, basta que se cumpra a Constituição. E o que ela diz? Nenhum salário deve ser maior que o salário do presidente da República. É muito mais fácil exercer a Constituição do que fazer uma reforma desse tipo.

E outra coisa importante, que pouca gente sabe, é que existem várias situações diferentes entre os servidores públicos. Você acha que o gasto da Previdência com o setor público em 2040, 2050, vai aumentar? Não vai, vai cair. Foram mais de 20 anos para aprovar uma legislação constitucional complementar em 2013 que cria o teto, qualquer servidor público que entrar no serviço público a partir de 2012 tem o teto igual ao do INSS. É outra mentira que o governo diz, porque a situação de longo prazo já foi equacionada.

Nessa campanha publicitária do governo, o servidor público entra como bode expiatório para desviar a atenção de outros pontos da reforma da Previdência que afetam a população.

Eduardo Fagnani – É uma estratégia. Como se eles estivessem fazendo uma reforma que atinge apenas os marajás do serviço público. Isso não é verdade. Essa reforma, insisto, pega o trabalhador rural, de baixa renda, que se aposenta pelo INSS com muita dificuldade e tem uma contribuição equivalente a um salário mínimo.

Sobre os efeitos dessa reforma, o valor médio da aposentadoria tende a cair e vai ficar muito mais difícil para o trabalhador conseguir a aposentadoria integral?

Eduardo Fagnani – Aposentadoria integral acabou. Para conseguir a aposentadoria integral, que na prática é o teto de 5,5 mil reais tanto para o setor público quanto para o privado, isso vai ser impossível. Para ter aposentadoria integral precisa contribuir durante 44 anos, isso inviabiliza, ninguém mais vai ter aposentadoria integral no Brasil. Isso é superior ao tempo de contribuição que os países desenvolvidos adotam.

E que tem expectativa de vida maior que a do Brasil…

Eduardo Fagnani – Tem tudo mais que o Brasil, expectativa de vida, renda per capita, IDH… Fizemos um documento com mais de 30 indicadores que mostram que é impossível fazer uma reforma no Brasil se inspirando no padrão dos países europeus, desenvolvidos, mas mesmo eles não exigem 44 anos de contribuição.

Aposentadoria integral, esquece, o que você pode ter é uma parcial. O governo queria inicialmente, para a parcial, exigir contribuição de 25 anos junto com o limite de idade, 65 anos para homens e 62 para mulheres. A sociedade gritou, eles recuaram, se tivesse 25 anos para a aposentadoria parcial, menos de 80% da população conseguiria comprovar 24 anos, excluiria todo esse segmento. Depois, baixaram para 15 anos e você pode dizer “poxa, agora está tudo bem”. Não está, e por duas razões. A primeira: com 15 anos de contribuição você tem 60% da aposentadoria. Segunda razão, antes da reforma trabalhista, já era difícil uma pessoa de baixa renda comprovar 15 anos de contribuição e quem não consegue vai para o benefício assistencial. Com a reforma trabalhista, o que vai acontecer? Vai se tornar quase impossível porque vai haver uma tendência de redução dos empregos com carteira assinada, que contribuem para a Previdência, e vão aumentar os empregos temporários.

Como já está acontecendo.

Eduardo Fagnani – Trabalho por hora, o trabalho intermitente… A tendência de contratação de pessoas jurídicas, cujas alíquotas são 50% do que paga o trabalhador com carteira assinada. A reforma trabalhista vai tornar o legal o trabalho precário. O Dieese diz que antes da reforma trabalhista uma pessoa em média, durante 12 meses, conseguia contribuir apenas nove meses por conta da rotatividade e da informalidade. Com a reforma trabalhista, vai reduzir esse período em que ele consegue contribuir. Isso também afeta os pobres, ao contrário do que eles dizem, não é uma proposta para acabar com os privilégios, mas para acabar com o direito à aposentadoria no Brasil, inclusive nas camadas de baixa renda.

Até porque a precarização do trabalho é maior nas camadas de mais baixa renda, e mesmo quando existe nas de alta, é possível a pessoa acessar outras alternativas, ao contrário dos mais pobres.

Eduardo Fagnani – Não só nas camadas de mais baixa renda, como você falou corretamente, mas nas regiões mais pobres do país. Por exemplo, antes da reforma trabalhista, em média, 50% do trabalho era informal, mas no Maranhão esse índice é de 75%. Essas pessoas em geral não contribuem para a Previdência e não vão conseguir ter os 15 anos. Isso não só prejudica as camadas de menor renda mas a população que mora nas regiões Norte e Nordeste, o que vai ampliar a desigualdade regional e a desigualdade de renda no país.

O governo fala que essa reforma é para salvar a Previdência Social e que garantiria que o aposentado recebesse seu benefício no futuro. Mas, na prática, a combinação da reforma trabalhista com a da Previdência inviabiliza o sistema no curto e médio prazo com a queda da arrecadação.

Eduardo Fagnani – Muito bem colocado. É uma combinação explosiva, já escrevemos isso, vários colegas, há um ano atrás. Isso vai quebrar a Previdência. Só a reforma da Previdência já tem um potencial enorme de reduzir as receitas do sistema previdenciário. O trabalhador rural não vai conseguir pagar e não vai contribuir. Por que pagar se não vai poder usar? Os jovens veem e pensam: “escuta, vou ter que contribuir 44 anos sem faltar um mês para ter aposentadoria? Dane-se, não vou contribuir”.

As camadas de maior renda vão para a previdência privada, que cresce 30% ao ano desde 2015. Só a reforma da Previdência tem o potencial de quebrar o sistema. Mas, juntando com a reforma trabalhista, esse potencial aumenta enormemente. As pessoas, ao invés da carteira assinada, vão estar no emprego temporário, de curta duração, com contribuição durante um período muito curto. Ou vão estar em um trabalho precário, que agora passou a ser legalizado, e não vão contribuir.

Esse é o projeto. Vai chegar daqui a quatro, cinco anos e não vão ver a redução da receita que vai acontecer, só vão dizer “o déficit aumentou”. Eles não querem saber que o déficit aumentou por conta da redução da receita, da recessão da economia, da reforma trabalhista que eles fizeram. O déficit aumentou, então vão tentar fazer a reforma que querem fazer, que simplesmente extingue a possibilidade de a pessoa ter direito à proteção à velhice.

E o governo ao mesmo tempo que investe contra o trabalhador com retirada de direitos e dificuldade de acesso à aposentadoria não demonstra se importar com ingresso de receitas por meio de cobrança de débitos bilionários. É um Robin Hood às avessas.

Eduardo Fagnani – Há uma campanha terrorista. O governo não tem argumentos, não quer debate. a única maneira de fazer isso é pelo terrorismo e um deles é esse: sem a reforma da Previdência, o Brasil quebra. Mas o governo quer economizar com essa reforma, 500 bilhões em 10 anos. Hoje, a dívida das empresas com o governo é de 500 bilhões. Se cobrasse essa dívida, já faria a economia de 10 anos.

Tem várias alternativas para resolver essa questão, e passam pelo crescimento da economia e fazer com que não só os pobres e os trabalhadores paguem a conta. Há uma série de mecanismos de transferência de renda pra os ricos que se mantêm intocável. Esse estoque de transferência resolve facilmente o problema da Previdência.

Quais são essas alternativas?

Eduardo Fagnani – O governo quer fazer uma reforma para economizar 50 bilhões de reais anualmente em um período de 10 anos. Ele poderia rever, por exemplo, as isenções tributárias que concede a grandes grupos econômicos que, por ano, representam 300 bilhões. O governo deixa de arrecadar todo ano 20% da receita por conta de isenções do andar de cima.

Segunda alternativa: o Banco Mundial diz que o Brasil só perde para a Rússia em termos de sonegação, algo em torno de 10% do PIB. O governo não só não está interessado em investir no sistema de fiscalização como dá uma licença para sonegar com o perdão da dívida. Agora, acabou de refinanciar 1 trilhão e 500 bilhões de refinanciamento por 20 anos.

É um escândalo. Estão cortando o dinheiro da aposentadoria rural e estão fazendo um Refis para o agronegócio, para os grandes produtores rurais. nós pagamos de juros por ano, 400, 500 bilhões. Recentemente, o governo e o Congresso Nacional, o mesmo que está muito preocupado com a Previdência, isentaram as petroleiras internacionais de impostos que se estima que representem 1 trilhão em 25 anos.

Só essa suposta economia que haveria com a reforma da Previdência vai por água abaixo com essa isenção às petroleiras.

Eduardo Fagnani – E vai beneficiar o que? Petroleiras, à custa de penalizar 110 milhões de pessoas? Só agora, o governo, nesse rolo compressor que está fazendo para aprovar a reforma da Previdência em fevereiro, está gastando, segundo os jornais, 30 bilhões de reais. Quase o primeiro ano de economia já foi embora.

Sem falar na questão crucial que é o crescimento econômico. Você não pode combater só o aumento da despesa, existe a alternativa de melhorar as receitas, o que acontece com o crescimento econômico. Pela Constituição, mais de dois terços das fontes de financiamento da Previdência são contribuição do empregado e do empregador sobre a folha de salário. Se a economia cresce, aumenta o emprego, aumenta o salário, aumenta a receita. Essa é a maneira mais inteligente, vamos dizer assim, de enfrentar a questão da Previdência. Como nós vimos no passado recente. A previdência urbana foi superavitária em mais de 40 bilhões durante vários anos no período recente quando a economia cresceu.

Existem alternativas, mas a ideia não é essa. Esse governo tem até 2018 para implantar um programa que não foi respaldado pelas urnas, um programa liberal que se tenta implantar no Brasil há pelo menos 40 anos e o golpe parlamentar foi essa oportunidade de implantar a chamada agenda do mercado. O que está em jogo é isso, porque um programa como esse não passa pelas urnas, não tem o voto popular. Para fazer isso, não há argumentos técnicos, não se quer o debate público, plural de ideias. Tem que se fazer o que? Terrorismo. Terrorismo econômico, terrorismo financeiro, terrorismo demográfico. Nenhum dos argumentos do governos e sustenta à luz dos dados, das informações.

Qual a importância da resistência e da mobilização popular para barrar essa reforma da Previdência agendada para ser votada em fevereiro.

Eduardo Fagnani – É fundamental. Entendo que há uma certo cansaço da política, uma descrença, mas está na hora de acordar. Na Argentina, houve uma mobilização extraordinária. Sabe qual era a reforma previdenciária na Argentina? Era só mudar o indexador, a correção do benefício, e veja que comoção, que pressão que teve. No Brasil, eles querem acabar com o direito de proteção à velhice dos pobres.

A mobilização popular é importante e não precisa ser em Brasília, tem que se dar nos municípios, porque 2018 é um ano eleitoral. Daqui a pouco, os deputados federais, os candidatos a senador e governador vão pedir votos. Então, faça pressão agora, na base eleitoral, nos municípios. Chame assembleias e questione “deputado, o senhor quer votar a reforma da Previdência, que história é essa?”. Porque no momento seguinte ele vai pedir votos. Esse é um momento importante para que a gente tenha uma tomada de consciência da gravidade do que está sendo votado no país e que as pessoas se mobilizem para impedir esse retrocesso.

Fonte: Sindicato dos Bancários de Santos e Região / Rede Brasil Atual


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