O filme Bacurau é um chamado a resistência coletiva. E um chamado a rebeldia e a rebelião popular. Misto de ciência, jogos mortais, ficção científica, religiosidade e sobretudo a herança popular e histórica do cangaço.
A fictícia Bacurau e uma cidade como tantas outras do sertão brasileiro, tão perto de um Deus imaginário e mais perto ainda de infernos reais, da falta d’água e de outros direitos básicos a sobrevivência humana e digna.
Mas essa cidade tem algo que é fundamental… tem famílias que sabem o valor da educação, tem livros e biblioteca, tem professores, cultura e, consequentemente, resistência e coragem!
A coragem das mulheres e homens, da sua diversidade humana e sexual em pleno sertão. Nos faz lembrar Chico Science e o seu movimento “Mangue Beat” da lama ao caos para organizar o povo e desorganizar a opressão da desigualdades capitalistas sempre presente nesse território de fortes e brutos.
Os seus atiradores, personagens da cidade, seus mortos e sua sabedoria popular é e sempre será uma pedra no domínio do capital e da opressão.
A rebelião proposta não é só simbólica é real. Aos olhos de uma elite brutal, herdeira do eurocentrismo como a brasileira, somos todos negros ou quase negros. Mesmo os brancos não são suficientes brancos e bem sucedidos. Segundo essas elites, devemos todos morrer. Não importa por sede, fome, falta de remédios, comida vencida e envenenada ou na bala.
Lembro quando a Dilma foi cassada via golpe, apesar dos muitos erros e acertos do petismo, eu disse há alguns amigos, numa mesa silenciosa, com tristeza e a apreensão daquela dias, que, a partir daquele momento as coisas seriam diferentes, piores e violentas. As saídas à direita e à esquerda seriam e serão mais violentas e rudes do que o pacto representativo de um simulacro de democracia representativa, que temos ou tínhamos pós 1985 do final da ditadura ao pacto democrático rompido em 2016.
Outra observação que é importante refletir é que Bacurau mostra que essa sociedade doentia, violenta e tecnológica, mais cedo ou mais tarde cruzando toda as informações que têm, de todos nós, que inclusive fornecemos gratuitamente, cientes ou não, aos Google da vida, às grandes corporações e conglomerados da infovia, mandarão num futuro breve um drone nos matar, caso não nos enquadrarmos ou resistirmos.
A rebelião proposta não é só simbólica é real. Não somos suficientes brancos ou bem sucedidos segundo as elites e devemos morrer. Seja de sede de fome ou na bala.
O ódio de quem invade ou combate,os moradores de Bacurau é o mesmo expressado por procuradores, promotores e juízes conservadores que julgam e condenam sem provas, ao arrepio da lei e do Estado de direito ou do governador imaturo e irresponsável, pulando em via pública comemorando a morte de um sequestrador, jovem que sofria de esquizofrenia.
Vivemos um novo ciclo histórico nas lutas de classes, precisamos do sangue nos olhos dos moradores de Bacurau e de todo e qualquer sertão real, mas precisamos também de jovens, homens e mulheres que dominem a tecnologia e a guerra híbrida nesses tempos de Infovias e Bigdate.
Precisamos de mudanças de táticas com as mesmas objetivos estratégicos, como os Maoistas colocavam comunistas nas fábricas, vilas e favelas para organizar a classe trabalhadora, precisamos de jovens estudando as corporações tecnológicas, para sabermos como elas funcionam, operam e respiram, com seus algoritmos que visam esmagar a vontade popular e cercear o que resta de democracia representativa.
Na agudização da luta de classes, haverá tiros, rajadas e algoritmos, para resistir esse desmonte da nossa identidade de luta e resistência, necessitamos preservar nossa acúmulo histórico e cultural de negros e negras, mulheres do sertão, imigrantes europeus pobres, homens e mulheres herdeiros do cangaço e defensores da cultura e da ciência como o velho professor Plínio do filme.
João C. Novaes Luz
Educador e fotógrafo
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