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O mito do Investimento Externo – “Retomar a confiança do mercado” e “estimular os investimentos externos” é quase que um mantra repetido pelos governos, e em especial pelo presidente interino Michel Temer. Com esse discurso, a ideia vendida para os brasileiros e para as brasileiras é que o baixo dinamismo da economia depende do investidor externo, como se nossa economia fosse incapaz de trilhar caminhos próprios. É para quebrar este mito que nos escreveram os economistas e assessores do Sindicato dos Químicos Unificados – Campinas/Osasco SammerSiman[i] e Vitor Hugo Tonin[ii]
É constante a afirmação por parte do governo e, em especial pelo presidente interino Michel Temer, de que é necessário “dar credibilidade para que os investimentos venham” ou é preciso “retomar a confiança do mercado”.
É importante ressaltar que um dos truques da dominação política e ideológica passa pela linguagem. Tratar o mercado como um ser vivo, como alguém que tem “humor”, que precisa de estímulo, é parte do jogo de ocultação dos reais interesses que organizam a economia, interesses que são bastante frios e jogados por operadores em busca de ganhos.
O que se chama de mercado, e neste caso estamos tratando desta figura chamada de “investidor externo”, são, geralmente, grupos de investimentos que estão atrás de negócios que promovam lucro fácil, na busca de valorização de seus capitais, com destaque para o jogo operado nas bolsas de valores.
Essa valorização pode se dar de maneira produtiva ou especulativa. No primeiro caso, ela pode ser investida numa indústria ou num tipo de atividade que gere empregos, no segundo ela visa jogar com uma expectativa futura de ganho e, via de regra, não produz uma dinâmica produtiva nova na economia. A especulação hoje ganha contornos ainda mais fortes dado o alto grau de financeirização da economia, que na prática significa uma forte sobreposição de interesses rentistas em detrimento do esforço produtivo.
Há que se considerar também o sentido da economia brasileira, naquilo que Caio Prado Junior chamou de “O Sentido da Colonização”, ao dizer que nossa economia surgiu orientada para fora, para servir aos interesses de acumulação de outros países. Ainda que não se trate aqui de um artigo acadêmico, vale citar um trecho de Caio Prado em seu livro Formação do Brasil Contemporâneo
Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois algodão, e em seguida café, pra o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileira. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades do país. […] O “sentido” da evolução brasileira que é o que estamos aqui indagando, ainda se afirma por aquele caráter inicial da colonização. (PRADO JR. 2007, pp.31-32)
Parece distante, mas ainda hoje seguimos as determinações do que chamamos de “padrão de acumulação mundial da economia”, ainda é dramaticamente atual esse quadro identificado por Prado Junior no passado. Ou seja, seguimos produzindo, em grande medida, para abastecer o mercado externo, não por menos que os três principais produtos de nossa pauta de exportação é minério de ferro, soja e petróleo, que representam 11,4%, 10,4% e 7,3% das exportações, respectivamente (ano de 2014).
Outro aspecto está no cerne da desconstrução do mito da necessidade do “Investidor Externo”. Afinal, precisamos realmente deste investidor para dinamizar a economia brasileira?
Isso porque temos fortes mecanismos para realização do investimento público, a partir de grandes estruturas de financiamento como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) que jorrou entre 2005 e 2014, mais de 580 bilhões de reais na economia brasileira. Tudo isso advindo de dinheiro do que chamamos de “fundo de consumo” do trabalhador, pois o BNDES é alimentado de recursos como os do FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador) que nada mais é que uma parcela da renda do trabalho retida pelo patrão e repassada ao Estado.
Recentemente, o FMI (Fundo Monetário Internacional) destacou o papel nocivo dos capitais externos, com destaque para os capitais especulativos que entram e saem na economia sem nenhum controle. Mais uma revelação que contraria o discurso da necessidade destes capitais.
E, vale destacar também, aquilo que se revela como o problema central da economia brasileira do ponto de vista de sua capacidade de manter um ritmo de produção e empregabilidade: 23% de nossa indústria encontra-se com capacidade ociosa, ou seja, temos o problema clássico de superprodução do capitalismo, que num país dependente como o Brasil ganha contornos ainda mais dramáticos, pois o circuito de produção das mercadorias depende em maior medida da dinâmica da economia internacional e, internamente, depende de medidas de estímulos como aquelas que incentivaram nos últimos dez anos o acesso a bens de consumo, como eletrodomésticos e automóveis.
Ou seja, se a economia vai mal, o problema reside no desequilíbrio entre um nível de investimento que não encontra correspondência no ritmo da demanda.Não se trata, portanto, da ausência de investimento externo, como quer nos fazer acreditar o discurso governista e a ideologia burguesa. É elementar, se isso fosse estaríamos com a capacidade produtiva utilizada nos níveis atuais.
O mito do “investidor externo” como uma figura indispensável para a economia serve para justificar uma estratégia de desmonte de direitos e de entrega da soberania nacional, a exemplo das diversas leis que hoje estão em tramitação no Congresso para deteriorar as relações de trabalho e aprofundar a entrega das riquezas nacionais. A propósito, é lugar comum todo investidor exigir as mesmas reformas que penalizam os trabalhadores em detrimento de interesses rentistas e de apropriação fácil de lucros. É simples: por que um alemão iria investir no Brasil não fossem condições aqui mais “atrativas” que lá? Sãoessas tais “atrações”, verdadeiros ataques aos direitos trabalhistas, ao território e meio ambiente de nosso país que tornam um investimento mais atrativo, isto é, com uma taxa de retorno maior que em seus próprios países.
Num ranking que calcula o destino de investimentos estrangeiros constata-se que o Brasil perdeu posição a partir de 2015. Desde então, países desenvolvidos tornaram-se o destino preferencial dos investimentos. Os países da América do Norte tiveram uma elevação de 194% (passando para US$ 429 bilhões), países da Ásia passaram para US$ 548 bilhões (elevação de 15,4%) e a América Latina recebeu 151 bilhões de dólares, numa queda de 11,2%.
Em termos de Brasil, considerando os últimos 12 meses (conforme relatório do setor externo do Banco Central) os ingressos líquidos de investimento direto no país totalizaram US$ 79,4 bilhões. A maior parte dos recursos estão voltados para setores exportadores, o que mostra que a dinâmica de atração do investimento está diretamente associada a dinâmica produtiva do país que, conforme afirmamos inicialmente, está orientada para o mercado externo e depende, fundamentalmente, da dinâmica exportadora.
Há também investimento em outros setores, como automobilístico, petróleo e gás, ou seja, setores que igualmente correspondem à estrutura produtiva vigente no país. O que nos leva a uma conclusão importante, pois estes investimentos externos guardam pouco (ou nenhum) compromisso com o desenvolvimento tecnológico, com a indução de uma dinâmica produtiva que supere a condição de dependência da economia brasileira, eles apenas reforçam o caráter exógeno (voltado para fora) da economia.
Outro aspecto, além da influência do câmbio (que torna o país mais ou menos atrativo para investimentos externos, a depender do valor de sua moeda), as condições materiais do país (como seus recursos e o baixo preço de sua força de trabalho) são fatores que influenciam na decisão do investimento. Exemplo é o que diz a matéria “Visão estrangeira sobre investimento no Brasil”, publicada recentemente no jornal Valor econômico: Vale lembrar que, na comparação com emergentes, o Brasil tem algumas vantagens significativas: seu tamanho relativamente grande, a falta de riscos geopolítico e excelente disponibilidade de recursos naturais, como solo, água e minerais.
Uma rápida pesquisa no noticiário econômico constata que o coro dos míticos investidores externos é único: Flexibilização das relações de trabalho e das legislações ambientais dão a tônica de seus interesses. É o que revela a matéria intitulada “Maiores investidores estrangeiros americanos esperam reformas com governo Temer”:
Diante da esperada dificuldade no Congresso, a gestão Temer deveria priorizar medidas essenciais, que indiquem a busca de equilíbrio fiscal, maior abertura comercial, aumento da competitividade, melhoria do ambiente de negócios e regras claras e estáveis para investimentos em infraestrutura, dizem representantes de empresas e analistas.
1) O que chamam de equilíbrio fiscal é o corte de despesas e investimentos públicos em setores como saúde e educação para garantir a sua própria remuneração através das maiores taxas de juros do mundo e do corrupto sistema da dívida pública, que confisca todo ano metade do orçamento nacional tornando nosso país o paraíso do rentismo interno e estrangeiro.
2) Abertura comercial, aumento de competitividade, melhoria do ambiente de negócios e regras claras e estáveis para investimentos em infraestrutura pode ser sintetizado na retirada de direitos e garantias do trabalho, bem como na flexibilização das legislações que regulam o meio ambiente e o comércio internacional.
Ou seja, esse tipo de reivindicação está na contramão das medidas que seriam necessárias para fortalecer o mercado interno e criar uma dinâmica produtiva positiva, com a criação de empregos[iii].
Fosse o investidor externo um ator comprometido com uma dinâmica positiva da economia brasileira suas reivindicações iriam na contramão da já conhecida reivindicação de redução de gastos e flexibilização de relações laborais e ambientais.
Outro aspecto que vale destacar é o papel que o Estado brasileiro desempenha na economia. Sua capacidade de investimento é maior que a do setor privado. Acima destacamos um dado do BNDES, que se somado ao investimento realizado diretamente pela União (via orçamento público federal) chegamos num valor de 200 bilhões(ano de 2014) de investimento público na economia brasileira, um valor que está acima de qualquer investimento estrangeiro, quase 3 vezes a mais que todo o investimento estrangeiro realizado no mesmo ano no país.
No entanto, mais do que capacidade em termos de volume de recursos, o Estado tem condições plenas para desenvolver ciência e tecnológica, requisito elementar na indução de uma dinâmica produtiva que privilegie o mercado interno e enfrente a condição de dependência econômica do país. Além de promover diversos estímulos para a economia, como elevação real dos salários, aumento do estímulo à formalização de trabalhadores, elevação das Políticas Sociais que permitem um ingresso tardio de jovens no mercado de trabalho, dentre outros fatores.
Trata-se, portanto, de mais um elemento que revela o lado mítico da ideia de que o investidor externo é um ator indispensável para a economia, destacamos mais uma vez que os interesses destes investidores passam pelo desmonte da economia nacional, flexibilização das relações de trabalho e entrega do patrimônio nacional, como a previdência pública, a Petrobrás e o pré-sal.
Por tudo que expusemos, vale destacar algumas conclusões que ressaltam o lado mítico da necessidade do investidor externo na economia.
Por tudo isso, afirmamos que é um mito o discurso de que o investidor externo é um ator indispensável para a economia, as agendas em curso de flexibilização das relações de trabalho e entrega do patrimônio público só podem aprofundar a tragédia do subdesenvolvimento e da dependência brasileira, a verdadeira essência do golpe de estado em curso no Brasil.
A propósito, devem decidir os governos se querem governar para os “mercados” ou para o povo trabalhador, há um antagonismo insuperável nesta relação.
[i] Sammer Siman é economista, mestrando em Política Social (UFES), assessor econômico do Sindicato dos Químicos Unificados Campinas e Osasco e membro da Direção Nacional da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora.
[ii] Vitor Hugo Tonin é economista, doutorando em Desenvolvimento Econômico (UNICAMP), assessor econômico do Sindicato dos Químicos Unificados Campinas e Osasco e membro da Direção Nacional da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora.
[iii] A esse respeito, ver o primeiro texto produzido sobre a questão que cerca o tema do desemprego: 3 Mitos sobre o desemprego no Brasil atual
Foto: Ascom/VPR
Josué disse:
“Outro aspecto que vale destacar é o papel que o Estado brasileiro desempenha na economia. Sua capacidade de investimento é maior que a do setor privado.”
E como pode ser isso se os recursos do Estado (impostos) são providos pelo setor privado? Ou será que você estava se referindo apenas ao investimento estrangeiro?