Crise Peruana: Entrevista com Carmela Sinfuentes

Carmela-Sinfuentes
Imagem: Comunicação da Intersindical
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Carmela Sinfuentes, vice-presidenta da Confederação Geral de Trabalhadores e Trabalhadoras do Peru – CGTP analisa, em entrevista concedida à Intersindical,  a crise política peruana que se transformou em um impasse institucional entre o Congresso dominado por apoiadores de Fujimori e o governo Vizcarra, que segue cumprindo uma agenda de caráter neoliberal. 

Para a dirigente sindical, a dissolução do Congresso foi uma medida importante, porém insuficiente para superar a crise. É preciso a antecipação das eleições gerais e a convocatória de uma nova assembleia nacional constituinte.

 

Intersindical – Quais são as origens da atual crise política do Peru? O Presidente Vizcarra dissolveu o Congresso Nacional utilizando o discurso de combate à corrupção. Este é o verdadeiro objetivo de Vizcarra, ou, há outro?

Carmela Sinfuentes – No Perú nos encontramos em um momento de grave crise política do regime, desde dezembro de 2017.

A dissolução do Congresso corresponde ao discurso de Vizcarra sobre o combate à corrupção, porém, básicamente, está relacionado ao desejo do povo nas ruas, que estão fartos de corrupção e de disputas políticas dentro do estado, que acabam por deixar de lado os problemas relativos à educação, saúde e reconstrução da zona norte do país, devastada por inundações.

No que se refere ao propósito de Vizcarra, ao encontrarse  pressionado, dissolveu o Congresso, porém este fato é mais que tudo, uma disputa política utilizando o tema da ética, já que o governo mantêm as linhas fundamentais do programa neoliberal.

 

Intersindical – A reação dos congressista fujomoristas à dissolução do Congresso foram dividir a autoridade do presidente Vizcarra. Como se deu este processo? 

Carmela Sinfuentes – A nomeação de Vizcarra como presidente não solucionou a crise, pelo contrário, está a agudizando ao ser divulgados dos denominados “áudios da corrupção”, que revelaram conversas entre fiscais, juízes e magistrados negociando sentenças  e favores com empresários e políticos, Em julho de 2018, Vizcarra convocou um referendo para reformar aspectos pontuais da Constituição contando com o respaldo do povo, que o apoiou majoritariamente suas propostas. Longe de aproveitar a oportunidade para dissolver o Congresso naquele momento, Vizcarra se deixou enganar pelas manobras postegadoras da maioria do congresso apro-fujimorista (União entre membros do partido PARA e seguidores do ex- presidente Alberto Fujimori) – esta unidade de apristas e fujimorista, que foram antes inimigos mortais, hoje se uniram para abafar toda a corrupção que há nestes dois partidos. Frente a isto, o presidente Vizcarra vacilou várias vezes, limitando-se a procurar reformas parciais que, a pesar de respaldo popular que tiveram no referendo de dezembro de 2018, foram distorcidas pelo Congresso controlado pela maioria a pro-fujimorista. Vizcarra havia advertido no domingo (29/09) ao Congresso que o dissolveria se este o negasse na segunda-feira (30/09) um voto de confiança para reformar o método de indicação dos juízes do Tribunal Constitucional, buscando assim impedir que este estivesse dominado pela oposição. Até que, a partir do arquivamento da antecipação das eleições e a nomeação mafiosas de membros do Tribunal Constitucional, o presidente decidiu, no dia 30 de setembro, dissolver o Congresso, fato que contou com amplo apoio popular. 

 

Intersindical  – O que querem os fujimoristas em meio a crise institucional peruana?

Carmela Sinfuentes – Primeiro, libertar a sua principal liderança, Keiko Fujimori, que está em prisão preventiva desde outubro de 2018, além disso é investigada por suposta lavagem de ativos provenientes de subornos da construtora brasileira Odebrecht.

Segundo, seguir controlando o Congresso de acordo com seus interesses partidários e não os do Peru. 

Terceiro, temem que quando se dissolva o Congresso já que não gozem de privilégios de imunidade parlamentar, posto que a maioria deles e delas tem problemas relativos à acusações por haverem sido financiados pela Odebrecht, ter laços com a delinquência e o narcotráfico. 

 

Intersindical – O congresso nomeou a vice-presidente Mercedez Aráoz como primeira mandatária, após suspender temporariamente Vizcarra por “incapacidade moral”. Porém, a vice-presidente renunciou e declarou ser favorável à eleições gerais para procurar solucionar a crise institucional. As eleições gerais são o caminho para a crise institucional peruana?

Carmela Sinfuentes – A vice-presidenta peruana Mercedes Aráoz, a quem o dissolvido Congresso designou, ás vésperas da declaração  de suspensão do presidente Martin Vizcarra, como presidente encarregada, anunciou na terça-feira (01/10), sua renúncia de ambas responsabilidades e defendeu a antecipação de eleições gerais, o que antes era contra.

Para nós, trabalhadores e trabalhadoras, é necessário que se vão todos e se convoque uma nova eleição, mas sobretudo se dê uma reforma política profunda do Estado como tarefa fundamental a se resolver, porque é indispensável a conquista de uma nova Constituição Política no país como coluna vertebral de uma Nova República democrática, soberana, integrada com a justiça social e a regeneração moral da nação. 

 

Intersindical – Qual é a composição, do ponto de vista político, do Tribunal Constitucional do Peru? Qual é a posição e papel deste Tribunal na crise político-institucional peruana?

Carmela Sinfuentes – Segundo o artigo 201 da atual Constituição o Tribunal Constitucional é o órgão de controle da Constituição, é autônomo e independente, está constituindo por 7 membros eleitos por 5 anos pelo Congresso da República com o voto favorável de dois terços do número legal de membros. 

A atividade do Tribunal Constitucional não está isenta de controvérsias, uma vez que seus sete membros tiveram que cessar, em 3 de junho de 2019, julgamentos relativos às propostas de Viczarra, na época em que o Congresso não estava interessado. Hoje, no papel que ele representa, apesar das responsabilidades dos magistrados para decidir se todo esse processo de dissolução é constitucional ou não, tanto o Presidente da Comissão Permanente do Congresso Pedro Olaechea como o Presidente Vizcarra comunicaram que respeitarão a sentença do Tribunal Constitucional.

 

Intersindical – Qual é a correlação de forças no seio do povo? É divulgado que Vizcarra teria apoio popular. Isso é verdade? Qual é o tamanho e os grupos populares que o apoiam?

Carmela Sinfuentes – Como disse anteriormente, a maioria da população está farta de corrupção e da forma de comportamento da maioria do Congresso, em especial da Fuerza Popular que são os fujimoristas. Vizcarra tem a aprovação de 75% da população, subindo dos 40% que tinha antes da dissolução do Congresso, e na capital Lima tem um importante respaldo que é de 79%. Seu apoio é maior nos níveis socioeconômicos A, B e C. 

Ainda conta com o apoio das Forças Armadas, dos governos regionais e municipais. 

 

Intersindical – A Confederação Geral de Trabalhadores e Trabalhadoras do Peru – CGTP tem uma posição de combate a corrupção e os neoliberais e a defesa de eleições gerais imediatamente. Gostaria que a companheira nos explica-se um pouco mais sobre esta posição. Em uma nova eleição seria possível que as organizações de trabalhadores, tanto políticas quanto sociais, construam uma alternativa com capacidade de disputar as eleições?

Carmela Sinfuentes – A CGTP apoia a dissolução do Congresso por parte do Presidente Vizcarra o que significa um grande avanço para a luta contra a corrupção. Nossa central considera que a medida é, mesmo assim, insuficiente e que não é a solução para a crise política, econômica e estrutural que atravessa nossa pátria, por isso a Confederação se compromete a exigir a antecipação das eleições.

Atualmente estamos trabalhando em uma organização denominada Assembléia Nacional dos Povos, que tem como objetivo principal “Centralizar o movimento social, político progressista  e de esquerda como um ente coordenador de propostas alternativas ao modelo neoliberal”. 

A Confederação, no caminho do Bicentenário da Independência do Perú,  está realizando os maiores esforços para fortalecer o instrumento político, elevando a consciência de classe, temos claro que a natureza  do capitalismo, que privilegia o capital sobre o trabalho, continuará nos explorando senão fazermos possível a libertação do trabalhador mediante o fortalecimento de suas organizações de base, sua educação política  e sua firme determinação de lutar para conquistar o governo e o poder na etapa atual.

Nosso objetivo é construir uma sociedade socialista onde impere a real democracia, a justiça social e o bem-estar de todo o povo com a construção de uma frente política para nossa época que unifique todas as fuerzas  democráticas e revolucionárias interessadas em gerar transformações estruturais que nossa sociedade necessita. 

 

Intersindical – O povo em geral, e a classe trabalhadora em específico, geralmente são contra a corrupção e os projetos neoliberais. Porém no Brasil o discurso de combate a corrupção levou à eleição de um presidente que é economicamente neoliberal, e politicamente fascista. Como o discurso de combate à corrupção está sendo trabalhado pelos neoliberais e pela esquerda no Peru?

Carmela Sinfuentes  – A direita está consciente que a manutenção da grave crise política pode corroer seriamente o controle que tem sobre a economia e a política, assim como a legitimidade do modelo neoliberal. Os grandes empresários agrupados na CONFIEP (Confederación Nacional de Instituciones Empresariales Privadas) colocaram em marcha um plano para dar uma saída reacionária, autoritária e repressiva para a crise. No mês de junho lançaram seu programa de governo (aua “Agenda País”) e forçaram o governo Vizcarra a cumpri-lo, em particular a viabilizar uma “Reforma Trabalhista”. Em julho, promoveram a conformação de uma ampla coalizão reacionária no Congresso que pôs na cabeça do mesmo um empresário do setor agrário conhecido por suas opiniões reacionárias, racistas e machistas, que sempre tem buscado retirar direitos dos trabalhadores. Hoje, depois de sua aparente derrota, a direita tem mudado de discurso dizendo que eles estão contra a corrupção e só estão querendo que o país se desenvolva em paz e bem-estar para que não exista perigo para a produção e para a economia. 

A esquerda peruana, lamentavelmente , está muito dividida, apesar disso, as organizações sindicais e populares, os diversos movimentos cidadãos, os movimentos de mulheres e jovens, os partidos progressistas , as articulações político-sociais temos assumido protagonismo contra a corrupção desde o início.  Em dezembro de 2017, freiamos e derrotamos a ofensiva fujimorista que buscava capturar diversas instâncias do Estado. Recharzamos o pacto de impunidade que se expressou no indulto a Fujimori e conseguimos a renúncia de ex presidente PPK (Pedro Pablo Kuczynski, antecessor de Vizcarra). Nos mobilizamos exigindo novas eleições com novas regras, assim como a demanda de dar um passo a um processo que elabore uma nova constituição para o país. Saímos nas ruas para exigir a destruição e julgamento de autoridades, juízes e fiscais comprometidos com redes de corrupção e mafiosas; e apoiamos a atitude ética e honesta de alguns fiscais e juízes.

Entrevista: Pedro Otoni

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