A pandemia do COVID-19 não pode ser interpretada como a causa da crise mundial, mas como consequência e fator de aceleração da mesma. A situação atual, em especial no Ocidente, não é um acaso, mas a resultante de um conjunto de ações que levaram o enfraquecimento do estado e dos serviços públicos, a absurda concentração de capital nas mãos de um número cada vez menor de indivíduos, a adoção de uma visão de mundo individualista e anti-solidária. E neste aspecto a pandemia fornece a oportunidade para a humanidade refletir sobre o que ela fez de si mesma. É preciso tirar lições.
A ideologia neoliberal e sua manifestação como modelo de estado e lógica econômica foi desnudada. Por um lado, a globalização se mostra um fenômeno hierarquizado, no qual um grupo pequeno de países e um número reduzido de pessoas são beneficiados. Diante de uma crise sanitária, as nações de capitalismo desenvolvido se isolam, deixado à própria sorte o resto do planeta. O estado, alvo preferencial dos neoliberais, se mostra como único instrumento capaz de minimamente responder às demandas de saúde e abastecimento do povo em um cenário de crise; enquanto o mercado, demiurgo hayekiano, entra em colapso diante da impossibilidade de se libertar da sua dependência em relação ao trabalho humano, que para alguns já estava em estado de extinção. Sem trabalho não há produção de riqueza, uma verdade inconveniente que agora se revela como um fato consumado.
O COVID-19 é um vírus presente na natureza e nocivos aos seres humanos como tantos outros. Porém, se transforma em uma pandemia planetária em razão da deficiente e suicida lógica que o capitalismo impõe na relação humanidade e a natureza. A produção de níveis absurdos de exploração dos mais pobres, da fauna, flora e recursos levam ao aumento da pressão econômica sobre as áreas naturais preservadas, e ao colonizadas com atividades mercantis, abre a possibilidade do surgimento de resultados indesejáveis, no caso a exposição de humanos a um vírus silvestre. A pandemia de hoje é uma pequena amostra de um amanhã ainda mais apocalíptico, caso o padrão de relação entre seres humanos e o planeta não se altere.
As diferentes crises são tributárias da crise capitalista, uma convergência que apontam para um futuro incerto em que as alternativas colocadas estarão submetidas, muito rapidamente, ao juízo da história. Os neoliberais disputarão o pós-pandemia com o instrumental já conhecido, assim como fizeram a partir da crise de 2008, dobrarão a aposta, indicando medidas que lhe garantam maior capacidade de acumulação, mesmo que isso leve a humanidade a dançar cada vez mais perto das bordas do precipício. Outra alternativa colocada, seria de inspiração keynesiana, estabelecendo medidas econômicas que assegurem rendimento mínimo do trabalho, mesmo que em padrões mas rebaixados do que os alcançados nos anos 30 do século passado. Apesar de retardar efeitos catastróficos, esta alternativa, quando colocada em ajuste com a realidade atual do capitalismo, se coloca como necessária, porém insuficiente. É preciso mudanças estruturais, em especial nas relações de poder, isso significa, nos dias de hoje, romper com a ditadura do setor financeiro e orientar o estado e a economia para responder a demanda dos trabalhadores e pequenos e médios proprietários. Sem a coordenação entre medidas econômicas e alteração da estrutura de poder, as medidas serão, na melhor das hipóteses, paliativas.
O neoliberalismo encontra-se diante do julgamento da história, há provas abundantes que confirmam que suas propostas não passavam de estelionato ideológico e econômico. Nações que preservaram suas estruturas estatais demonstram maior capacidade de enfrentar a pandemia e protegendo tanto a vida como a economia. A dicotomia entre garantir a atividade econômica ou preservar a vida – tão em voga no debate brasileiro – se revela falsa e perigosa, isso porque retira da equação o óbvio, a necessidade da atuação do estado e de seus instrumentos de garantia de direitos.
A China se transforma em um modelo de referência, não apenas porque enfrentou de maneira decidida a pandemia mas por ter se revelado altamente comprometida com o caráter humano do problema, garantido todas as condições necessárias e disponíveis para o tratamento digno dos que encontravam enfermos. Cuba, em mais um dos incontáveis gestos de apreço a solidariedade internacional envia mais uma vez um amplo contingente de profissionais de saúde para atuarem em países afetados pela pandemia, mesmo que ela própria não seja assolada por tal problema.
Enquanto isso, os EUA têm suas fraquezas reveladas, a maior potência militar e econômica do mundo é incapaz de combater com o mínimo de eficácia o coronavírus. Sem um sistema público de saúde adequado, o vírus se espalha pelo território estadunidense, que já registra o maior números de casos confirmados, contando com 5 vezes mais contaminados do que a China e 5 vezes mais óbitos, EUA é o segundo em números de óbitos, somente atrás da Itália.
Diante do tragédia, Washington assume uma postura repugnante; incapaz de produzir os próprios de proteção, sequestra internacionalmente equipamentos de proteção e tratamento que já eram destinados a outras nações, inaugurando uma disputa mundial e ilegal por recursos de saúde, uma atividade corsária com aval da Casa Branca. Para desviar a atenção sobre seu próprio fracasso, Trump intensifica a campanha contra a Venezuela, deslocando tropas para o Caribe, aprofundando o bloqueio econômico e oferecendo recompensas milionárias pela prisão de Maduro e outros membros do Governo Bolivariano, os acusando falsamente de narcotráfico e terrorismo. Ante a deriva do projeto norte-americano Trump declara a guerra contra a humanidade.
Não é por acaso que países em transição ao socialismo são os que melhor tem enfrentado a luta contra a pandemia. Basicamente por assumirem uma outra abordagem sobre a organização social. Em primeiro lugar reafirmam categoricamente o protagonismo do estado no atendimento às necessidades do povo. Segundo, indicaram que a razão de existência da estrutura econômica e responder às demandas populares. Em terceiro lugar, apostaram na ciência e a razão são o único caminho para enfrentar os problemas colocados.
A nova extrema-direita mundial, na qual Trump e Bolsonaro se inscrevem, é resultado do declínio do projeto capitalista. No lugar de apontar para o futuro, pregam o retorno do passado. Se escondem por detrás da retórica e negam dos fatos, dobram a aposta no obscurantismo. Porém, esta perspectiva política é a única forma ideológica possível diante da crise capitalista, qualquer outra perspectiva honesta, passa pelo reconhecimento que as coisas não vão bem, e que as promessas de liberdade, democracia e empreendedorismo do liberalismo esbarram os limites do dados concretos, nunca na história da humanidade ocorreu tamanha desigualdade e miséria.
No entanto, o capitalista não morre de morte natural, é preciso da classe trabalhadora se organize para este enfrentamento. A resposta para crise é ampliação da solidariedade entre os povos e entre as pessoas. Solidariedade na produção e na distribuição de riquezas, solidariedade no atendimento às necessidades individuais e coletivas. O capitalismo deu errado para 99% da população do planeta, e isso é o suficiente para contestá-lo, isso é o suficiente para apontar para uma alternativa socialista.
Bolsonaro não tem condições de continuar na Presidência da República. Já está bastante evidente que para enfrentarmos a pandemia precisamos derrotar Bolsonaro. Não se trata de uma opção estritamente política, mas de ordem sanitária. O isolamento social é o método mundialmente reconhecido que, no momento, garante a desaceleração do contágio do COVID-19, no entanto, o presidente, na contramão das orientações sanitárias, trabalha para a ruptura da quarentena e a volta de todas das atividades laborais. Para isso usa da cadeia de rádio e televisão, retarda o pagamento dos auxílios aos trabalhadores mais vulneráveis e aprofunda a crise institucional entre os poderes.
O governo vive seu pior momento, a aprovação popular declinante e o isolamento político dos setores conservadores do Congresso e do Exército indicam que o seu condicionado, já não reúne condições até mesmo de dirigir seu corpo ministerial, como ficou provado no recuo na demissão do Ministro da Saúde.
Porém, no momento, não está colocado para o Congresso e para os militares a retirada do presidente. A crise política instalada tem sido para os setores conservadores do Congresso Nacional, liderados por Presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM), uma oportunidade de exercer a condução de fato do país, e seguir com a agenda legislativa neoliberal. A absurda aprovação na Câmara dos Deputado da Medida Provisória 905 (Carteira Verde Amarela) – mais uma reforma trabalhista que só beneficia os patrões – mostra que a maioria desta casa está em sintonia com o projeto de Guedes, agora a MP vai para o Senado. A MP 936 (Liberação da redução de salário via negociação individual) completa os exemplos de que o Congresso converge com o Governo na deformação da regulação das relações de trabalho.
Entrou na agenda nacional a noção de “Orçamento de guerra” introduzido pela PEC 10/2020, que a princípio, seria em tese, o que permitiria mudanças normativas de caráter orçamentário com vistas a acelerar a resposta contra o inimigo número 1 da conjuntura, a pandemia. Mas de maneira contrária ao sentido deste argumento, os Três Poderes da República, e neste caso o Legislativo em especial, usam da excepcionalidade do momento para realizar ações de guerra contra o povo, contra os trabalhadores, não apenas na retirada de direitos dos trabalhadores via MPs, mas optando por uma Emenda Constitucional que amplia as vantagens dos já bilionários banqueiros, ao permitir que o Banco Central (BC) comece a atuar no mercado secundário, ou seja atue como mais um banco na compra de títulos podres do setor financeiro, e ainda retira a responsabilidade criminal e civil dos altos funcionários do BC, sobre os resultados destas operações. Por que isso agora? Diante da excepcionalidade, o BC estará dedicado a fortalecer o rendimentos dos bancos via atuação no seu mercado de títulos duvidosos absorvendo os ricos que os bancos privados teriam. É o recurso do contribuinte sendo usado durante a crise para beneficiar banqueiros, uma manobra criminosa que Rodrigo Maia conduziu na Câmara Federal e que agora entrará em debate no Senado, com votação em dois turnos.
Logo, a tática de Rodrigo Maia e dos generais é o condicionamento político do presidente, que continuará com seu espetáculo jocoso, atraindo a atenção e a crítica da opinião pública, enquanto a agenda de destruição das legislação trabalhistas e da soberania segue sendo levada adiante, por detrás da cortina de fumaça gerada pela Presidência. Estes setores apostam na desmoralização permanente de Bolsonaro, uma aposta invencível diante da conduta do capitão, assim se diferenciam, ganham credibilidade pública, assumindo o papel de moderação diante do colapso do Palácio do Planalto.
Neste sentido, a derrota e retirada do Presidente depende muito mais do empenho político das forças democráticas do que do sensibilidade e compromisso nacional dos setores conservadores instalados nos poderes Legislativos, Judiciário e nas Forças Armadas.
A contradição principal do momento é a preservação das vida das pessoas frente a proposta de retorno ao trabalho e ao risco do colapso da saúde pública brasileira. A pandemia do COVID-19 não é a causa da crise econômica e social brasileira, mas um fator de aprofundamento de suas consequências e aceleração de seu desenvolvimento. O Brasil já vive em um quadro de recessão nos últimos anos em consequência da desaceleração da economia mundial e das medidas contracionistas implementada pelo Governo Temer e Bolsonaro.
A recessão, o desemprego, a precarização do trabalho cria o contexto para mobilizações explosivas das classes populares. Não se pode esperar a passividade frente a fome. A possibilidade de uma grave convulsão social no Brasil, assim como ocorreu no Chile e no Equador no final do ano passado, coloca para as forças sociais democráticas a responsabilidade de apresentar um programa e um estratégia com consistência suficiente para disputar corações e mentes em torno de um projeto alternativo para o país.
Neste sentido, para combater a desconfiança das massas em relação às organizações classistas, uma desconfiança meticulosamente implantada pela mídia corporativa brasileira desde 2014, é preciso restabelecer os elos de comunicação com as maiorias do povo, elos que neste momento de pandemia, devem estar focados na construção de uma vasta rede de solidariedade popular, procurando contribuir para a respostas das demandas concretas do povo neste período, e com isso ganhar a confiança e adesão a um projeto alternativo aos das elites.
Neste sentido, a Intersindical Central da Classe Trabalhadora, se soma aos esforços das Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular no sentido de construir um rede de iniciativas de solidariedade de abrangência nacional. Implica em transformar cada entidade em uma núcleo de apoio à população mais vulnerável e cada militante em um agente de mobilização. Solidariedade, esta é a tarefa central para este período.
Neste sentido a Intersindical Central da Classe Trabalhadora reafirma que o caminho da superação da crise econômica, sanitária e política brasileira passa pela reafirmação da solidariedade e afirmação do papel do estado e do serviço público. Para tanto é fundamental acelerar os passo rumo uma alternativa popular para o país. Neste sentido reafirmamos a necessidade de:
São Paulo, 08 de abril de 2020.
Direção Nacional da Intersindical Central da Classe Trabalhadora
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