Por Paulo Kliass*
A linha acordada entre os (de)formadores de opinião passou a se concentrar no novo mote de plantão. Ao que tudo indica, de comum acordo entre eles foi estabelecida a estratégia do “deixou de piorar”. Esse é o mote desesperado na tentativa de resgatar a credibilidade de uma equipe de governo que foi inicialmente apresentada como sendo um verdadeiro time de sonhos, sempre na opinião de onze em cada dez integrantes da seleta nata do clube do financismo. Um ex-presidente internacional do Bank of Boston e um diretor do Banco Itaú no comando da economia: isso era tudo o que se podia esperar para assegurar a defesa dos nobres interesses do sistema financeiro.
Porém, nem tudo é tão simples quanto aparenta. Por mais que apostem todas as suas fichas no impedimento judicial e definitivo da candidatura de Lula no pleito de outubro próximo, os representantes dessa elite atrasada e descomprometida com qualquer resquício de respeito ao processo democrático precisam apresentar alguma alternativa viável eleitoralmente. Até o presente momento, poucos candidatos se arriscam pela seara de defender – de forma explícita e com o peito aberto – o legado da tragédia do golpeachment e do austericídio. A única tábua de salvação que se apresenta para as figuras que se aventurem a sustentar as forças da direita nas eleições refere-se a uma disputa de narrativa em torno de uma eventual melhora nos indicadores da economia.
É fato que a SELIC foi reduzida ao longo dos últimos meses nas reuniões do COPOM. É também realidade que a inflação medida pelo IPCA também tem sofrido diminuição nos últimos meses em relação aos períodos anteriores. Boas notícias? Talvez em tese, mas só que não no caso concreto. O problema é que a taxa de juros em termos reais terminou por se elevar, não obstante as duas reduções antes mencionadas. Além disso, o Banco Central continua fazendo cara de paisagem no que se refere à sua missão institucional precípua, qual seja, a de regular o mercado financeiro e evitar o abuso de poder econômico do punhado de grandes oligopólios que dominam o nosso sistema bancário. Em poucas palavras, o fato relevante é que os custos financeiros estão mais elevados do que nunca em nosso País. Péssima notícia.
Mas talvez o elemento que mais provoque descrença e desgosto na maioria da população seja a continuidade tão longa quanto dramática da atual fase recessiva, com suas consequências desastrosas em termos sociais e econômicos. O Brasil está atravessando há mais de 2 anos seguidos a maior depressão de toda a nossa História. O desemprego recorde chegou à marca dos 14 milhões de pessoas, sem mencionar a elevação brutal do subemprego e das deploráveis relações de trabalho típicas da informalidade. A falência de empresas também tem oferecido marcas nunca antes atingidas. Péssima notícia que se mantém.
Assim, por mais que o governo tente sacar números oficiais oferecendo um quadro menos ruim, o fato é que a repetição ad nauseam do “deixou de piorar” ainda está muito longe de permitir a reversão da linha de criação positiva de novos postos de trabalho. O que dizer então do tempo e esforço necessários para se retornar a dinâmica da economia brasileira às condições reinantes à época em que Lula era o ocupante do Palácio do Planalto? Na dúvida, então, realmente é mais seguro impedir que o nome dele apareça como opção na urna para os eleitores.
Um dos problemas enfrentados pelo núcleo duro de Temer é que as notícias ruins insistem em continuar a sair dos fornos das próprias instituições oficiais. No início da semana, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) divulgou seu Relatório Mensal da Dívida Pública. Ali encontramos os dados de encerramento do ano passado e verificamos que o estoque da dívida pública federal deu um alto enorme entre dezembro de 2016 e 2017. Em tese, não há razões para se criticar de forma apriorística tal movimento – como o costumam fazer, aliás, os próprios admiradores do trabalho desastrado de Meirelles, Goldfajn & Cia. Para esse povo, dívida pública é sinônimo da força do mal. Normalmente, eles se esquecem das primeiras aulas de economia, quando se aprende que o recurso a esse instrumento é legítimo e necessário para o desenvolvimento de políticas públicas e para a construção de qualquer projeto nacional de desenvolvimento.
O detalhe que agrava essa súbita elevação do nível do endividamento da Administração Pública Federal reside no fato de que ela ocorreu “apesar” da equipe econômica. A ortodoxia e o financismo alardearam entre nós o péssimo hábito de criticar de forma irresponsável qualquer alteração nos valores ou índices de aumento da dívida pública. O recurso à nossa velha e conhecida prática de anunciar o catastrofismo quando se trata de assunto de política fiscal ou monetária não alinhada com os preceitos do establishment. Aliás, não nos esqueçamos jamais que o principal mote para o impedimento inconstitucional de Dilma Roussef sempre esteve ligado a alguma suposta irresponsabilidade fiscal e na condução da política econômica de forma geral.
Pois bem, a própria STN acaba de nos informar que o estoque total da dívida pública federal atingiu a marca de R$ 3,6 trilhões em 31 de dezembro do ano que se encerrou. Isso significou uma elevação superior a 14% na comparação aos R$ 3,1 trilhões do final de 2016. Apesar de parecer muito elevado para quem não está habituado a lidar com tais cifras, ele ainda é bastante razoável em sua comparação com a magnitude da economia brasileira. Devemos encerrar 2017 com a dívida líquida representando algo em torno de 52% de nosso PIB.
O elemento complicador desse salto no estoque da dívida reside no fato de sua taxa de crescimento ter sido muito elevada. O aumento ocorrido foi de algo próximo a meio trilhão de reais no período de 12 meses. Mais precisamente ele foi de R$ 446 bi – um recorde nunca antes atingido. Além disso, vale sublinhar que essa elevação no estoque deu-se sob uma orientação de administração de política econômica absolutamente ortodoxa e conservadora. Ou seja, a dívida cresceu sob o reinado da política da tesoura, com cortes e ainda mais cortes nas despesas orçamentárias.
E nem sempre a evolução ocorreu dessa maneira. Entre 2003 e 2014, por exemplo, taxa de crescimento anual do estoque ficou em torno de 8%. Não por acaso, a partir da implementação da política criminosa do austericídio, o ritmo de crescimento da total da dívida dobrou. Assim, a média anual para o triênio 2015-2017 subiu para 16%.
Ora, frente a esse quadro, até mesmo o leitor mais incauto vai se remexer na cadeira, depois de sentir um certo incômodo nas costas. Ora, como a dívida pública federal pode aumentar se o Meirelles vai para diante das câmeras, dia sim e outro também, anunciar reduções e contingenciamentos nos gastos públicos sob os holofotes atentos e exigentes do povo da banca? A resposta a esse aparente paradoxo reside no fenômeno que chamo de “dominância do financismo”. O fato é que o Estado deixou de aplicar seus recursos em investimentos há muito tempo. Por outro lado, a recessão deliberadamente provocada teve como um de seus efeitos colaterais a queda das receitas tributárias.
Assim, a lógica do superávit primário permitiu que as despesas de natureza financeira permanecessem intocáveis. Todos os que tivessem direito a receber algum tipo de remuneração associada ao pagamento de juros foram preservados dos cortes e tiveram suas necessidades devidamente satisfeitas. Apesar de toda a sandice de promover cortes nos gastos com pessoal, saúde, educação, previdência, segurança pública e investimentos, as despesas financeiras com juros e rolagem da dívida permanecem com a via livre. Assim, essa é a fonte básica do crescimento do estoque da dívida – juros e mais juros sobre o principal. Uma loucura!
O País é diariamente chamado a realizar um grande esforço fiscal, em nome de uma suposta responsabilidade na condução das contas públicas. No entanto, ao mesmo tempo, o sistema dominado pelos banqueiros permite e até estimula um vazamento nesse “controle rígido” das despesas não financeiras. No período de 12 meses entre dezembro de 2016 e novembro de 2017, por exemplo, as estatísticas do Banco Central apontam para uma despesa efetuada com juros da dívida que soma R$ 402 bi.
O mais dramático fica por conta do acumulado de juros pagos por meio de recursos orçamentários ao longo do período 2003-2017. Esse valor é idêntico ao estoque da dívida atualmente. Ou seja, sempre segundo as informações divulgadas pelo Banco Central, o setor público destinou ao sistema financeiro o equivalente a R$ 3,6 trilhões a título de juros da dívida.
E ainda assim os jornalões seguem insistindo que o problema fiscal brasileiro reside nos privilégios dos benefícios da previdência social. Repetem a não mais poder as mentiras das apresentações oficiais em “power point”, que insistem em denunciar o absurdo de se conceder a fortuna mensal de 1 salário mínimo a milhões de aposentados e pensionistas em nosso País.
*Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Fonte: Portal Vermelho / Foto: Marcos Santos/USP Imagens
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