Fausto Augusto, Diretor Técnico do DIEESE, é entrevista por Edson Carneiro Índio e discute sobre a agenda de ataques aos direitos trabalhistas promovida pelo governo e indica a saída para a crise deve passar por uma reconversão industrial para além do período da pandemia.
Fausto: Esse 1° de Maio, talvez foi o mais importante depois da redemocratização, ou seja, depois daquele 1° de Maio que culminou em bastante conquistas da classe trabalhadora, incluindo uma delas, talvez a mais importante, que foi o reestabelecimento da democracia. É um momento muito complicado, estamos vivendo três grandes crises. A crise sanitária, são centenas de pessoas morrendo por dia, nos preocupa essa ascensão da curva, já passamos a China com número de mortos. Junto com ela vem uma crise econômica que provavelmente vai se estender para além da crise pandêmica e provavelmente os trabalhadores, as camadas mais vulneráveis, são as que mais sofrem nesse processo todo. Algo que todo movimento social tem tentando criar mecanismos para que possamos lidar com essa crise, com menor impacto possível. Foi uma vitória importante a conquista do auxílio, depois de muita pressão e mobilização, elevamos a seiscentos, que penso que não é ainda o necessário, mas é um alivio, apesar das dificuldades para as pessoas acessarem este dinheiro. A terceira, é crise política instalada; o Governo Federal tem uma visão da crise que constrói movimento claro para caminhar o processo totalitário e autoritário, pior até que uma ditadura. Bolsonaro tem uma visão personalista o que vimos com Hitler e Mussolini, o que nos assusta bastante e coloca uma série de desafios para a classe trabalhadora.
Do ponto de vista dos trabalhadores e revoltante ver os grupos empresariais se aproveitando da crise para colocar sua pauta, que é o enfraquecimento do movimento sindical e retiradas dos trabalhadores. Este 1° de Maio não fizemos manifestações de rua, mas foi importante fazermos em casa um reflexo, mesmo que virtual. Importante, ficar em casa é até um ato de rebeldia que sobrepõe os que os grandes empresários defendem. O cenário é um dos piores períodos da história, o mais próximo disso foi em 1918 com gripe espanhola, mas é um contexto diferente. O Brasil é muito diferente hoje, mas olhando para o mundo as previsões não são boas, ontem EUA já passaram a marca 60 mil mortos, mais que na guerra do Vietnã, para ter uma ideia do impacto dessa doença.
Nos EUA, por exemplo, as mortes têm cara, cor, raça e classe social, a COVID 19 é democrática porque ricos e pobres pegam o vírus, mas o sistema de saúde não é. Como a maior parte do sistema de saúde dos EUA é privado, ou seja, alguns tem mais acesso e outros menos. Nos EUA estão morrendo os mais pobres, os mais oprimidos são da classe trabalhadora, isso é um alerta porque no Brasil não é diferente, temos aqui em São Paulo um exemplo na Brasilândia, que é uma periferia próximo ao centro e a gente está vendo que ali está concentrando o maior número de mortes, então faz muita diferença de quem tem recurso. Claro que morre ricos, mas morre mais quem não tema acesso aos respiradores e sistema de saúde.
Fausto: O atual governo não está lá muito preocupado com as pessoas, ele está trabalhando muito mais para grupos de interesse. Estamos vendo o mesmo aproveitar a crise para implementar medidas contra os trabalhadores, nosso maior desafio é fazer que isso não perdure até fim da pandemia, nesse processo de tudo ser flexibilizado e quem sofre é quem está na ponta mais frágil.
Houveram três medidas que o governo solta diante da MP 936.
A primeira MP que o governo solta por dentro do Banco Central para liberar linha de crédito para empresa com taxa de juros equivalente a CELIC; o governo poderia emprestar dinheiro para pequenas e medias empresas para poderem pagar salários, mas o governo abre a linha de crédito e coloca para o sistema financeiro. Para eles não existem pessoas e sim negócios e eles aproveitam disso, no Brasil só tem acesso a crédito quem não precisa do crédito e quem precisa não tem acesso ao crédito.
A segunda, foi a MP 927, que basicamente trazia para o âmbito amplo o acordo individual que possibilitava flexibilização de jornada, banco de horas individuais e uma série de medidas. O que chama atenção na 927 são dois artigos, e um deles foi derrubado, que era o afastamento automático do trabalhador sem nenhuma garantia de emprego ou salário. O sujeito ficava sem renda nenhuma, a gente brigou muito para pressionar o Congresso, que pressionou o governo a retirar o artigo, o outro artigo diz respeito a não caraterização do COVID como uma doença profissional, como acidente de trabalho ou algo assim. O que isso significava? Um conjunto enorme de trabalhadores de atividades essenciais, que ao pegar a doença não teriam nenhum tipo de estabilidade e se numa eventualidade morresse sua família ficava com pensão de 60% da taxa de contribuição de pensão, aproximadamente, ou seja, com menos da metade do salário, o que é um absurdo e ontem conseguimos derrubar no STF, foi uma grande vitória para os trabalhadores da saúde, do transporte, do comércio entre outros mais.
A MP 936 é a reedição mais complexa do que estava previsto na 927, que a possibilidade da suspenção do contrato de trabalho, acionando o seguro desemprego ou da redução da jornada de trabalho em 25, 50 ou 70 por cento com recebimento de salário e recebimento desse percentual. As pessoas vão perdendo o rendimento em qualquer tipo de acordo, e tudo isso sendo feito via acordo individual, que foi proposto naquele momento mais difícil para o trabalhador, o que é muito grave, muitos acabam assinando e não entendem o que será o acordo, e mesmo que entendam que muito ruim porque a opção as vezes é ser demitido. E temos visto enormes números de demissões porque o governo tem retirado controles democráticos, já tivemos pelo menos 1 milhão de pessoas demitidas, as pessoas estão acessando o seguro desemprego, e no ponto de vista da suspensão já temos cerca de 4 milhões de trabalhadores, ou seja, estamos vendo que está tendo uma redução real da renda, e muitas das medidas estão expirando agora porque as empresas estavam dando férias. Então a partir de agora acordos de redução devem vir e até pior podendo vir demissões. O governo fala através de uma fake news que a 936, que fala que o sujeito tem estabilidade, o problema que em dois artigos a empresa não fica impedida de demitir, a empresa só pagará uma multa que é relativamente baixa, para a empresa, porque para a maior parte das empresas o trabalhador é só mais um fator na produção. Então precisamos garantir renda para trabalhadores formais também porque os trabalhadores são a base estrutural da economia brasileira, que mantem o comércio funcionado. Essa classe (trabalhadores formais) que tem acesso ao crédito e por isso pode comprar mais bens duráveis que vai puxando economia. Toda nossa defensa pelo trabalhador formal e também uma defesa da economia, uma vez que vulnerabilidade é muito grande, não que não seja importante o trabalhador informal, porém o trabalhador formal tem papel fundamental, então quando o governo age assim acabamos que vivemos um drama; e além disso tira o sindicato da negociação. Ainda dá tempo de pressionar ambas MP porque ainda serão votadas, e assim mudar essa situação.
Fausto: A PEC 10 é um orçamento de guerra que é necessário porque temos que quebrar as amarras do orçamento para as medidas serem feitas e garantir o mínimo para as pessoas, e as empresas sobreviverem. O nosso problema é que cada vez que o governo põe uma medida como essa ele se aproveita, e está claro que a PEC á permissibilidade para enxugar os papéis podres. Aí você vai assistir algo parecido com a venda da VARIG, que foi separada como empresa, toda parte podre ficou com estado, foi absorvido pelas pessoas que foi tirado dinheiro de outras áreas, para absorver esse prejuízo; e a parte boa passada para iniciativa privada, que hoje é a Gol. A PEC 10 é de alguma forma faz isso de maneira mais aberta para sistema financeiro, e com o tempo vamos ver os governos absorvendo, por meio do setor financeiro, esses títulos e os papeis podres que muitas vezes não são papéis reais, tem a ver com especulação.
Não estamos defendendo que o sistema financeiro quebre, que as pessoas percam suas poupanças, não é isso que estamos dizendo, estamos falando que os bancos precisam ter um papel social, que nesse momento se recusam a fazer, não liberam crédito para fazer oxigenação na economia. O Brasil, a muito tempo, tem juros muito altos, inaugurou este modelo desde Fernando Henrique, essa ideia do capitalismo sem risco, então nós somos capitalistas, importante é o indivíduo, essa coisa da meritocracia que vale muito para os trabalhadores, agora quando vamos para o mundo empresarial eles são muito socialistas.
As pessoas falam sobre a questão de como as pessoas na periferia estão lidando com isso, dizendo “poxa nas periferias as pessoas estão fazendo churrasquinhos”, mas a classe média não entendem que na periferia, para você conseguir fazer um churrasquinho, você precisa juntar quatro, cinco pessoas para conseguirem comprar a carne, não e como alguém de classe média que vai no açougue, compra o que quiser, e se limita com sua família em casa, na periferia as pessoas estão com muito medo da pandemia sim – principalmente as pessoas mais velhas que sabem que elas ficarem doentes são elas que vão morrer – então não é verdade que na periferia está brincando, não é bem assim, temos que entender como funciona a vida na periferia e por isso nossa briga pela renda mínima. As pessoas estão precisando sair de casa para enfrentar filas em banco, as pessoas têm medo da doença e precisam ir ao banco buscar esse dinheiro, esse movimento acho que estamos entendendo pouco, agora temos de olhar a PEC 10 com bastante cuidado.
Fausto: Quando falamos que a doença tem raça e cor ela está marcada pela desigualdade social que sempre existiu, o projeto é bom, porém, não só para ter essa medida para três meses, e sim ser um projeto para o Brasil. As pessoas também morrem ainda por doenças como sarampo, malária, temos muitas doenças que poderiam ser eliminadas com o saneamento básico por exemplo. No caso da indústria, estamos pagando o preço pelas escolhas de achar que tudo pode ser mais barato no lugar mais barato. Como, por exemplo as máscaras, que é algo mais simples, como é que pode a gente não conseguir produzir máscaras, como nossas indústrias não conseguem produzir o básico. O Brasil é o maior produtor de etanol do mundo e ficamos em falta de álcool gel, hoje um litro de álcool é um absurdo, é comercializado por até 17 reais.
Na outra ponta temos que debater do que é estratégico, não é só fazer o Brasil voltar a produzir máscaras, não é só isso, mas temos que priorizar manutenção de produtos essenciais, para melhorar a vida média da população. O SUS é um dos maiores compradores de produtos fármacos do mundo, podendo incentivar, começar a comprar esses produtos do mercado nacional, muitas coisas podem ser produzidas aqui, a indústria química farmacêutica, quantas pessoas morrem todos os anos com malária e indústria química não pesquisa, não tem grandes investimentos de uma vacina contra a malária.
Se a gente tomar uma decisão, por exemplo, que vamos mudar o padrão de consumo de produtos elétricos, nós vamos mudar para um sistema de energia solar, estaremos incentivando uma indústria a produzir esse tipo de produto, isso e a reconversão industrial, precisamos ter claro que nesse momento também não podemos correr riscos de fazer a mesma coisa que o outro lado está fazendo, que é jogar para cima dos trabalhadores. Não podemos fazer o país ser moldado de forma ideal, temos de procurar construir com base na realidade, fazermos boas escolhas, que incentivem o desenvolvimento, precisamos sair desta situação com uma economia mais justa e igualitária.
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