As manifestações de protesto contra o ajuste fiscal, de oposição à direita e pela democracia, marcadas para esta quinta (20) em diversas cidades, está suscitando séria celeuma entre as próprias forças progressistas.
Ela é convocada por entidades, como o MTST, o MST, a CUT, a Intersindical, a CTB, a UNE, a UBES e o PSOL.
Os eventos podem vir a ser um marco e um contraponto importante à escalada reacionária que toma conta da sociedade.
Grupos puristas de ultraesquerda lançam manifestos, declarações à praça e ucasses acusando os movimentos e o PSOL de estarem organizando um ato de apoio ao governo Dilma.
É bom deixar claro que isso não está na pauta da comissão organizadora da manifestação.
CONVOCATÓRIA – A convocatória, aprovada por diversas entidades, deixa explícito o que se pretende:
“Contra o ajuste fiscal! Que os ricos paguem pela crise!
A política econômica do governo joga a conta nas costas do povo. Ao invés de atacar direitos trabalhistas, cortar investimentos sociais e aumentar os juros, defendemos que o governo ajuste as contas em cima dos mais ricos, com taxação das grandes fortunas, dividendos e remessas de lucro, além de uma auditoria da dívida pública. Somos contra o aumento das tarifas de energia, água e outros serviços básicos, que inflacionam o custo de vida dos trabalhadores. Os direitos trabalhistas precisam ser assegurados: defendemos a redução da jornada de trabalho sem redução de salários e a valorização dos aposentados com uma previdência pública, universal e sem progressividade”.
Simples e direto.
É bem verdade que o evento está aberto à participação de quem quer que seja. Inclusive dos partidos que integram a base do governo. Afinal, acontecerá nas ruas e elas são públicas.
CONTAMINAÇÃO – Imaginar que o ato será “contaminado” por algum tipo de governismo demonstra um dois mais nocivos comportamentos para quem faz política, o purismo.
Quem faz política conversa com todos, faz acordos com quem pensa diferente, busca alianças com base em interesses comuns, mesmo que pontuais.
Os puros, não.
Esses não se misturam. Não convivem com a pluralidade. Não estão na vida para convencer e – eventualmente – serem convencidos.
Podem não realizar nada, pois para exercer sua pureza, precisam apenas conviver entre iguais, em ambientes de convertidos, em espaços reiterativos, nos quais nunca terão de muitas vezes colocar a mão nas impurezas do mundo. Mas isso não lhes importa.
Os puros são assépticos, limpinhos e almejam serem cheirosos.
Mas os puros apresentam uma vantagem, uma sacrossanta vantagem sobre todos os demais.
Podem – depois de tudo – erguer o dedo e acusar os que julgam impuros. E podem bradar a frase mágica:
– Eu não disse?? Eu não disse que não ia dar certo?
Sim, as coisas na vida podem dar certo e dar errado.
Mas o ruim não é isso. O ruim é não tentar.
SABEDORIA ORIENTAL – Os puros certamente são personagens como os que Vladimir Lenin (1870-1924) criticava em uma de suas obras mais conhecidas, o “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”, escrito em 1920.
Nesse pequeno livro, o líder da Revolução Russa ataca pesadamente os ativistas de ultraesquerda que, sob o pretexto de manter o purismo de suas organizações, acabam por se distanciar da consciência popular.
A citação é quase um Danoninho teórico. Ou seja, vale por um bifinho político.
Ao comentar a recusa dos comunistas alemães em fazer acordos com facções burguesas no parlamento, Lênin diz:
“Há compromissos e compromissos. É preciso saber analisar a situação e as circunstâncias concretas de cada compromisso, ou de cada variedade de compromisso.
É preciso aprender a distinguir o homem que entregou aos bandidos sua bolsa e suas armas para diminuir o mal causado por eles e facilitar sua captura e execução, daquele que dá aos bandidos sua bolsa e suas armas para participar da divisão do saque.
Em política, isso está muito longe de ser sempre assim tão difícil como nesse pequeno exemplo de simplicidade infantil.
Seria, porém, um simples charlatão quem pretendesse inventar para os operários uma fórmula que, antecipadamente, apresentasse soluções adequadas para todas as circunstâncias da vida, ou aquele que prometesse que na política do proletariado nunca surgirão dificuldades nem situações complicadas”.
GUETO – O purismo é o caminho para o gueto e o isolamento.
Os puros não querem nem saber. A teoria, eles a querem pura, a política querem pura, a sociedade, querem pura e a vida idem ibidem…
Pura, pura.
Pura que o pariu!
TODOS AO ATO DO DIA 20!
(Puros, só os Havana).
Leia também: Tomar as ruas por direitos, liberdade e democracia!
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*Gilberto Maringoni é jornalista, cartunista e professor da Universidade Federal do ABC.
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