Breves considerações sobre IR e a distribuição de renda no Brasil

Imagem: Comunicação da Intersindical
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A desconcentração de renda dos últimos anos foi, segundo dados revelados recentemente, menor do que se supunha. Fica claro que mexer na distribuição de renda exige ir além das políticas compensatórias. Há que se tocar no centro nevrálgico das decisões econômicas

Confesso uma certa surpresa. Eu concebia, teoricamente, que os dados de distribuição de renda disponíveis no Brasil introduziam um viés. Baseados numa pesquisa domiciliar e declaratória – a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), eles traziam a seguinte distorção, não fundamentada em precisos dados estatísticos, mas na mera intuição lapidada pela experiência: os mais ricos não atendem os pesquisadores e quando atendem subestimam a renda declarada. Então, a pesquisa concluía que a desconcentração, limitada embora, da renda ocorrida no Brasil no período Lula e parte de Dilma e capturada pela PNAD era, na verdade, ainda menor, porque não alcançava o que havia ocorrido de fato nas camadas mais superiores do espectro da renda familiar ou pessoal. Entretanto, jamais imaginei o grau em que isso ocorria. Recentes dados divulgados em matérias do Valor Econômico, a partir de informações fornecidas por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que tiveram acesso aos dados da Receita Federal, indicam que o processo de melhoria dos de baixo não se deu às custas dos de cima, ao menos quanto aos efeitos distributivos do imposto de renda.

Na verdade os “super-ricos” (como denominam os pesquisadores os que ganham mais de 160 SMs, R$ 162 mil/mês) só têm visto sua situação melhorar. O gráfico 1 mostra que enquanto o PIB cresceu 19% entre 2007 e 2013, a renda dos “super ricos”(0,3 % dos declarantes) subiu 39 %.

E, na mesma direção das pesquisas de Piketty, que observara os resultados para os Estados Unidos e Europa, o crescimento ainda maior da riqueza que da renda, o patrimônio dessa turma de poucos brasileiros cresceu ainda mais: 56%.

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O Brasil não escapou dos ventos do capitalismo internacional que vem assistindo desde a virada dos 1980 a um intenso processo de concentração nos extremos superiores de renda e riqueza. O Brasil não escapou, afinal, da mesma sina, como se nadasse contra a correnteza mas fosse afinal arrastado por ela.

O nado – o Bolsa Família, que distribuiu renda para os de baixo, os aumentos reais do salário mínimo, as políticas educacionais e de saúde – foi vigoroso, mas insuficiente diante da correnteza promovida pela predominância da lógica e estrutura da Finança e da política econômica que a ela se interliga – a política macro de juros altos e câmbio apreciado e a política fiscal que manteve a iniquidade tributária que vai além da regressividade do IRPF, mas abrange a carga tributária como um todo (gráfico 3).

Na verdade, o Brasil  pratica uma iniquidade tributária absurda. Para dar um exemplo, na Austrália, o cidadão que receba lá o equivalente a 10 salários mínimos (daqui) pagaria lá 19 % de seus rendimentos em imposto de renda. Aquele que recebe 60 SMs (daqui) pagaria 57 %.

No Brasil, o contribuinte que mais paga, situado na faixa entre 20 e 40 SMs é  tributado em menos de 12 % de seus rendimentos. Esse é o ponto máximo de contribuição, decrescendo daí por diante (gráfico 2). E os “super ricos”, os que estão entre os 0,3 % dos declarantes, atingem a marca de 6,5% apenas.

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Esses dados, só agora autorizados pela Receita Federal ainda precários e parciais, evidenciam a necessidade de mudanças profundas na forma de tratamento da questão tributária no Brasil para que a questão distributiva ganhe fôlego maior. Os “happy fews” continuam, para persistir na analogia aquática, a nadar de braçada.

Fica claro que mexer na distribuição de renda exige ir além das políticas compensatórias. Há que se tocar no centro nevrálgico das decisões econômicas. Esse processo de concentração de renda à medida do desenvolvimento capitalista rebate a velha lei que lá nos idos do século 19 Marx anunciou como um processo de concentração e centralização do capital inerente a esse sistema.

Os dados até agora dados a público pelo jornal Valor Econômico, que servidores públicos do IPEA vazaram, inclusive sob a forma de artigo, antes de publicá-los, como creio que deveriam tê-lo feito institucionalmente, em sua inteireza analítica e factual, não nos permitem avançar ainda mais nessa seara que, ademais, requer entrar em complicada discussão teórica, exposta, por exemplo, na crítica que Varoufakis (2014) faz a Piketty (2014) sobre a confusão entre os conceitos de riqueza e capital, dentre outras.

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É inadmissível, política, social e economicamente, que essa discussão não tenha ganhado intensidade até agora. Esforços realizados no IPEA no passado ficaram restritos até agora a relativamente poucos trabalhos e quase nenhum debate público. E a discussão permaneceu muito restrita.

Ela não conquistou ainda os corações e mentes, já não diria da mídia, uma vez que seus proprietários pertencem aos “happy few”, e pouco interesse teriam, assim como os que, em última instância, lhe fazem ser a(s) voz(es) do dono, mas nem mesmo no PT e no governo federal. E tampouco no meio acadêmico isso tem sido tratado com a devida atenção. Ela está ausente, por exemplo, de qualquer discussão sobre o ajuste fiscal, inclusive na versão Renan vinda agora a público.

A importância do tema é central para as discussões sobre o futuro do país e da correção da injustiça que acorrenta a iniquidade histórica da separação social ao futuro. O lastros desse passado sobrevivem nas entranhas da sociedade, na diferenciação social e na discriminação econômica ainda hoje observados, herdados do sistema escravocrata e sua divisão entre escravos, homens livres/agregados e senhores.

Os “anos dourados” vividos nos Estados Unidos e na Europa mostraram que a possibilidade de juntar crescimento com redução da desigualdade existe. Houve viabilidade histórica. Esse potencial tem se esvaído nos anos posteriores ao reaganismo/tatcherismo, lá pelos idos dos 80 e acentuou-se após a crise de 2008. Sua reversão depende da capacidade política e social em gerar ações contrarrestantes, o que não tem sido fácil.

Mas, enfim, é a luta!

Referências bibliográficas:

Piketty, T. (2014). Capital in the Twenty-First Century, Cambridge, MA: Belknap Press.

Varoufakis, Y. (2014) Egalitarianism’s latest foe: a critical review of Thomas Piketty’s Capital in the Twenty-Frist Century, In Real World Economic Review, 69, oct.2014.

IPEA (2009). Receita pública: quem gasta e como se paga no Brasil. Comunicado 22. IPEA.Brasília.

Fonte: Brasil Debate

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