Governo adia demarcações de terras anunciadas e frustra expectativa dos povos indígenas

Imagem: Comunicação da Intersindical
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Na tarde desta sexta-feira (29), durante a primeira reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), instalado na última quarta (27), o Ministro da Justiça, Eugênio Aragão, divulgou que as demarcações de terras indígenas que estavam previstas para serem oficializadas nesta tarde ficarão para a semana que vem, frustrando muitas lideranças indígenas presentes no evento. Também não foi divulgado quais serão as áreas que terão decretos de homologação e portarias declaratórias publicadas nos próximos dias.

Inicialmente, o evento desta sexta deveria contar com a presença da presidenta da República, Dilma Rousseff, e estava incluído na agenda do Palácio do Planalto, depois de já ter sido adiado uma vez, de quarta para sexta-feira. Já pela tarde, os indígenas e indigenistas presentes à primeira reunião do CNPI foram informados de que a atividade seria no Ministério da Justiça, sem a presença de Dilma e sem a certeza sobre os anúncios de novas homologações e portarias declaratórias.

No evento, o ministro Eugênio Aragão pediu desculpas em nome da presidenta Dilma, justificando sua ausência pelo fato de que ela estaria acompanhando sua defesa na Comissão Especial do Senado que analisa seu pedido de impeachment. O ministro também se desculpou pelo adiamento das demarcações, que não ocorreram nesta sexta, segundo Aragão, porque houve dúvidas sobre “aspectos técnicos” de algumas dessas terras, que voltaram para estudos mais detalhados.

“Só posso lhes dizer, sim, que estamos trabalhando em cima disso e semana que vem, já na segunda-feira, serão publicados alguns decretos e algumas portarias. Peço a compreensão de vocês, um pouquinho mais de paciência, mas eu sei que semana que vem a curiosidade de todos vai ser atendida. Essa é uma questão de honra para nós”, afirmou o ministro em seu breve pronunciamento, antes de se despedir dos indígenas e partir para uma coletiva de imprensa numa sala anexa.

No fim da tarde, duas homologações e uma portaria

Ao final do dia, após a saída do ministro, foram anunciadas na reunião do CNPI a publicação da portaria declaratória da Terra Indígena (TI) Tanay/Ipegue, do povo Terena, no Mato Grosso do Sul; a homologação das TIs Piaçaguera, do povo Guarani Ñandeva, em São Paulo, e Pequizal do Naruvôtu, do povo Naruvôtu, no Mato Grosso; e o decreto de criação da reserva indígena Aldeia Kondá, em Santa Catarina.

Após o tímido anúncio, o CNPI – composto por 15 representantes do Poder Executivo, 28 representantes indígenas (sendo apenas 13 com direito a voto) e dois representantes de entidades indigenistas – aprovou uma resolução instando o governo federal a dar andamento a todos os procedimentos de demarcação que estão em curso na Funai, no Ministério da Justiça e na Casa Civil, referentes a áreas.

A publicação dos decretos, relatórios e portarias das demais terras ainda gera grande expectativa entre os povos indígenas de todo o país, especialmente entre aqueles que tiveram seus processos demarcatórios paralisados, vivem em situação de vulnerabilidade e sofrem com a pressão de não-indígenas.

Os números do governo, os números reais

Antes do anúncio dos decretos e da portaria assinados no fim da tarde, o ministro Eugênio Aragão informou que, no âmbito do Ministério da Justiça, havia pelo menos três processos “na gaveta” e outras sete terras “em estudo”. Além disso, outras 15 terras estariam sendo avaliadas para homologação pela presidenta Dilma.

Na entrevista coletiva que concedeu logo após seu pronunciamento, Aragão afirmou, equivocadamente, que “em torno de 92 ou 93%” das terras indígenas já haviam sido demarcadas no Brasil, faltando poucas terras para que a obrigação constitucional de garantir aos povos indígenas o usufruto exclusivo e efetivo de seus territórios tradicionais fosse totalmente cumprida pelo Estado brasileiro.

“Nós começamos demarcando o filé, depois foi o contrafilé, depois foi o acém, agora estamos com a carne de pescoço. Isso impõe ao governo um cuidado redobrado na análise e na escolha de eventuais áreas que possam ser ainda objeto de declaração ou de demarcação. Mas nosso compromisso continua com os povos indígenas de declarar e de homologar o máximo possível de terras nesse tempo que nós teremos aqui no ministério antes da votação no Senado Federal”, afirmou o ministro.

Segundo os dados reunidos pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), contudo, a estimativa do ministro quanto ao número de terras que aguardam demarcação e providências não condiz com a realidade da demanda territorial dos povos indígenas no país.

Atualmente, além das 398 terras indígenas já registradas e outras 14 homologadas no Brasil, há pelo menos 180 terras a serem identificadas, 43 aguardando portaria declaratória e outras 62 já declaradas, aguardando homologação. Além destas, há pelo menos 357 territórios reivindicados pelos povos indígenas e ainda sem nenhuma providência por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Nas últimas semanas, o ministro Aragão declarou, via portaria, cinco Terras Indígenas, e outras quatro tiveram seus relatórios de identificação e delimitação publicados pela Funai. O governo Dilma, contudo, ainda é o governo que contabiliza o menor número de demarcações desde o fim da Ditadura Civil-Militar: foram apenas 18 homologações em cinco anos e quatro meses, mesmo número atingido por Itamar Franco em pouco mais de dois anos.

Questionado na coletiva de imprensa sobre as pressões sofridas pelo governo neste momento que antecede a votação da admissibilidade do impeachment no Senado, o ministro Eugênio Aragão afirmou que “a questão indígena é uma questão essencial de justiça social no Brasil” e que o governo não poderia “fazer acordos às custas dos direitos tradicionais dos povos indígenas”.

A expectativa, agora, é de que as demarcações esperadas pelos indígenas sejam anunciadas ao longo da próxima semana e o governo federal não recue da proposta de dar andamento a todos os processos demarcatórios atualmente paralisados, sob risco de perpetuar a vulnerabilidade de diversas populações, em todo o país, perante um cenário político arriscado e incerto. 

Fonte: CIMI
Texto e fotos: Tiago Miotto

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