Na Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, a situação de recorrentes invasões madeireiras vem se agravando “mais a cada dia”, conforme relata Tainaky Tenetehar, um dos coordenadores dos Guardiões da Floresta daquela terra indígena. O grupo foi criado pelos Guajajara para fazer a fiscalização e o monitoramento autônomos do território, em função da insuficiência do Estado em coibir as invasões.
Além das incursões ilegais para retirada de madeira, já identificadas em 2019, os indígenas também denunciam a tentativa de estabelecimento de lotes dentro da terra indígena, que vêm ocorrendo desde meados do ano passado.
Na primeira semana de 2019, Tainaky relata que os Guardiões já fizeram uma ação de retirada de madeireiros do interior da terra indígena, próximo à região das aldeias Arariboia, Formosa e Buritiana. Os indígenas encontraram pedaços de madeira serrada, árvores cortadas, caminhões, tratores e pessoas trabalhando na limpeza das estacas de madeira para transportá-las.
Em um áudio gravado pelos Guajajara, uma das pessoas encontradas no interior da terra indígena reconhece receber alimentação e sete reais por cada estaca de madeira que limpa para madeireiros do município de Grajaú, que faz limite com a terra indígena. A limpeza das estacas é a retirada da casca das toras derrubadas, para evitar que se decomponham.
“Além de estar infringindo a lei, vocês estão destruindo a nossa vida. E estão destruindo a vida de vocês também. Se não fosse essa terra aqui, essas árvores, não estava chovendo para ninguém, não estava tendo caça para ninguém”, afirma o indígena ao invasor.
Segundo Tainaky Tenetehar, os invasores chegaram a deixar o território depois da ação no início do ano, mas já retornaram e continuam retirando madeira.
“Falamos que era proibido, que nós não queremos destruição na nossa terra. Dissemos para eles saírem. Eles foram embora, só que agora já voltaram, dá para ouvir aqui da aldeia o barulho dos caminhões”, explica o indígena.
“A situação é muito complicada, porque nosso território é rodeado por municípios e cortado pela estrada. Então fica fácil para eles levarem a madeira”, reflete Tainaky.
As invasões ao território e o monitoramento feito pelos Guardiões da Floresta também acabam acirrando as situações de conflito e levando, com isso, a um grande número de assassinatos de indígenas na região.
Somente no ano de 2016, ao menos cinco Guajajara foram assassinados na TI Arariboia. Dois deles eram integrantes dos Guardiões da Floresta: Afonso Guajajara e Assis Guajajara. Os indígenas também afirmam que um outro Guardião, Cantídio Guajajara, morto num acidente de moto entre o município de Amarante do Maranhão e a terra indígena, foi assassinado, vítima de uma emboscada.
Há mais de cem aldeias do povo Guajajara espalhadas pelos 413 mil hectares da TI Arariboia, onde também vivem no território grupos de indígenas isolados do povo Awá Guajá. A presença de madeireiros no interior da terra indígena representa para esses grupos um risco ainda mais grave.
Para Gilderlan Rodrigues da Silva, coordenador do Cimi Regional Maranhão, a dependência que os municípios no entorno da terra indígena têm da exploração madeireira agrava ainda mais a situação.
“Logicamente, esses madeireiros também estão aliados com o poder político dos municípios, fato que faz com que muitas vezes eles não sejam responsabilizados por suas ações. Acaba que as apreensões feitas não surtem os efeitos necessários e logo os caminhões estão de volta para explorar a terra indígena”, avalia.
Lotes na terra indígena
Além do roubo de madeira e da constante violência contra os indígenas, os Guajajara identificaram, na segunda metade do ano passado, invasores que estão buscando estabelecer lotes dentro dos limites da TI Arariboia.
Segundo informações dos indígenas, a invasão está ocorrendo numa região próxima ao povoado de Santa Luzia, no município de Arame. O povoado fica colado à terra indígena, separado dela apenas pela rodovia MA-006.
“Ali, na verdade, já foram assassinados quatro indígenas. Inclusive o índio mais velho da região, que era o Domingos Guariba, isso uns quatro ou cinco anos atrás. Ele incomodava os não índios que querem se apossar dali”, relata Izael Guajajara, morador da aldeia Zutiwa, distante 28 quilômetros da área loteada.
“No ano passado, eles atearam fogo na casa da viúva de Domingos, e ela quase foi queimada junto. Depois disso, eles lotearam, dividiram a área entre eles”, prossegue o indígena.
Os Guardiões Guajajara chegaram a fazer duas ações, ainda no ano passado, nas proximidades da área loteada. Numa delas, em outubro, gravaram um vídeo mostrando os “variantes” – que é como chamam as pequenas picadas abertas para marcar a divisão dos lotes – no interior da terra indígena.
Cerca de um mês depois, em outra ação nas proximidades da ocupação ilegal, encontraram mais invasores retirando madeira de dentro da terra indígena.
“Os invasores estão lá fazendo os variantes, demarcando o lugar para ocuparem a área. Faz quase um mês que vim de lá, estava essa situação. Essa invasão começou no ano passado, do meio do ano para cá. E continua. Eles saem por um tempo, dizem que vão embora, mas retornam”, relata Tainaky Tenetehar.
Segundo ele, os Guardiões não vão até o local onde os invasores estão, pois temem um confronto. A situação, entretanto, já foi denunciada para a Fundação Nacional do Índio (Funai).
Sílvio Santana, também Guajajara e Coordenador Regional da Funai em Imperatriz, no Maranhão, confirma que recebeu a denúncia de lideranças indígenas e da Coordenação Técnica Local da Funai em Arame, município que compreende parte da TI Arariboia.
“Segundo as lideranças, a invasão havia parado, depois de uma ação dos Guardiões naquela região. Mas nós estamos mandando uma equipe para averiguar e confirmar essas informações”, afirma Santana.
“Quem está loteando a terra continua lá, esperando para ver o que acontece. Se alguém tomar providência, eles saem. Senão, eles vão permanecer. O Estado precisa fazer alguma coisa, porque senão eles vão acabar tomando toda a área”, afirma Izael Guajajara. “Estamos preocupados, porque nesse governo não sabemos o que vai acontecer”.
Fonte: Tiago Miotto / CIMI
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