Os povos indígenas e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) ocuparam, nesta quarta-feira (13), ao menos 22 sedes regionais do órgão em 16 estados e no Distrito Federal durante o ato “Ocupa Funai”. Promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), os índios com seus cocares, colares e cartazes nas mãos foram às ruas em protesto contra o atual desmonte da política indigenista praticado pelo governo interino de Michel Temer (PMDB). Segundo a Apib, povos de 82 etnias participaram do protesto, mas o número total de pessoas que ocuparam os prédios públicos não foi informado. Entre as coordenações regionais ocupadas estão as das cidades Macapá (AP), Rio Branco (AC), Manaus, Lábrea e Humaitá (AM), Fortaleza (CE), Campo Grande (MS), Florianópolis (SC) e Passo Fundo (RS).
Em Manaus, cerca de 600 indígenas participaram do ato na sede da fundação, no bairro Nossa Senhora da Graça, zona Centro-Sul. Os dados são da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). A mobilização é contrária aos projetos em tramitação no Congresso Nacional que fragilizam os direitos dos povos indígenas e o processo de demarcações das terras no país. No “Ocupa Funai”, os servidores do órgão protestaram contra os cortes de verbas no orçamento da fundação, a indicação de militares para a presidência e os ataques de pistoleiros, contratados por fazendeiros, contra os índios Guarani-Kaiowá, em Mato Grosso do Sul.
Sem poder participar do ato “Ocupa Funai” em Campo Grande (MS), devido a falta de segurança na região de Caarapó, onde ocorreu mais um ataque de pistoleiros na segunda-feira (11), um dos líderes da terra indígena Dourados Amambaipeguá 1, Otoniel Guarani-Kaiowá, disse por telefone à Amazônia Real que o protesto nacional das lideranças é uma forma de pressionar as autoridades brasileiras contra a impunidade. “Nós estamos sendo atacados, estão nos matando e cadê a Justiça? Esse movimento [Ocupa Funai] é importante para garantir nossos direitos. Queremos Justiça!”, disse.
Em Brasília, o ato começou às 8h com o protesto na sede nacional da Funai e reuniu cerca de 130 indígenas. Lideranças foram barradas pelos seguranças na entrada do Ministério da Justiça, entre elas Sônia Guajajara, da coordenação da Apib.
“Não aguentamos ver nossos parentes morrer. Não aguentamos mais ver nossos parentes sendo presos. Não aguentamos mais nossos parentes sendo criminalizados simplesmente por lutar por seus direitos territoriais, pelo direito à sua terra, sua casa e sua vida”, disse Sônia Guajajara em entrevista ao site do Instituto Socioambiental (ISA).
Com faixas e cartazes, os índios em Manaus caminharam da concentração na Praça Chile, pela rua Maceió, para ocupar a sede da Funai. Participaram do evento caciques, crianças, jovens e simpatizantes da causa indígena. O ato na capital amazonense foi organizado pelo Fórum de Educação Escolar Indígena do Amazonas (FOREEIA), pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e pelo Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (IAJA).
Além das críticas ao desmonte da política indigenista pelo atual governo federal, o protesto teve como alvo a bancada do Amazonas no Congresso Nacional. Na terça-feira (5), os parlamentares se reuniram com o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, para pedir o fim da demarcação de terras indígenas no Amazonas. Citando o nome de cada um dos deputados, as lideranças em Manaus afirmaram que eles não representam o povo amazonense. A PEC 215 –que retira do Executivo e passa para o Congresso a demarcação de terras indígenas– também foi criticada, além da CPI da Funai. Para os indígenas, a CPI tem como objetivo desmoralizar a principal instituição pública de defesa dos direitos indígenas.
Outro ponto levantado durante o protesto em Manaus foi a tentativa de aliados do Palácio do Planalto de emplacar um militar para a presidência da Funai. Apesar de o governo Temer ter recuado na indicação do general Roberto Peternelli, os indígenas temem que outro militar venha a ser indicado. Para as lideranças que participaram do “Ocupa Funai”, é inadmissível membros de instituições que tiveram um passado de repressão aos indígenas presidir a fundação.
“Este é um ato nacional e é uma forma de dizer que nós não aceitamos este tipo de golpe, que nos respeitem como povos originários que somos. Nós não queremos a terra dos brancos, mas nós queremos que as nossas que estão demarcadas, que estão em processo de demarcação, que sejam respeitadas. Eles [parlamentares] não têm compromisso com o povo do Amazonas”, diz Yawara-t Marulanda, presidente da União por Moradia Popular do Amazonas. “Índio para eles [políticos] só serve na época de eleição, quando eles vão mentir, porque eles são mentirosos. São uns parlamentares irresponsáveis pedindo vista das terras que já estão homologadas, ou seja, tiram nossos direitos. Isso é vergonhoso”, completa ela.
Em Lábrea, no sul do Amazonas, a mobilização “Ocupa Funai” reuniu cerca de 150 lideranças indígenas na sede da Coordenação Regional do Purus (CR Purus). O ato foi liderado pela Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp), com apoio dos servidores da Funai. A jurisdição da CR Purus abrange os municípios de Tapauá, Canutama, Lábrea e Pauini, onde vivem indígenas das etnias Apurinã, Paumari, Jarawara, Jamadi, Kanamati, Zuruahá, Deni, Mamori, Hi-Merimã, Juma, Katauxi e Kaxarari.
O presidente da Focimp, Zé Bajaga Apurinã, disse à Amazônia Real que a mobilização é para protestar contra o retrocesso na política indigenista. “As lideranças apresentaram seu apoio à necessidade de se fortalecer a Funai, que está fraca, sem funcionários e pouco recursos aos direitos indígenas”, disse ele.
Os indígenas também se manifestaram contra propostas discutidas atualmente no Congresso Nacional, como a PEC 215. Zé Bajaga afirmou ainda que está acompanhando as discussões sobre a escolha do novo presidente da Funai e disse que as perspectivas são preocupantes.
“Esperamos que seja uma pessoa que realmente olhe para a sociedade indígena e faça um bom trabalho. Não tenho preferência se o novo presidente será indígena ou não. O importante é que seja feito um trabalho direito, que olhe pela demarcação das terras indígenas e a proteção das terras, e que olhe pelo fortalecimento das Coordenações Regionais e Coordenações Técnicas da Funai”, defendeu ele.
No município de Humaitá, também no sul do estado, um grupo de 30 indígenas ocupou a sede da Coordenação Regional da Funai. A Organização dos Povos Indígenas do Alto Madeira (Opiam) e entidades de base -tais como Organizações do Povo Indígena Parintintin do Amazonas (Opipam), Associação do Povo Indígena Pirahã (Apihã), Organização do Povo Indígena Urbanos de Humaitá (Apirahum), Associação do Povo Indígena Jiahui (Apij) e Associação do Povo Indígena do Igarapé Preto (Apetipre) – foram as responsáveis por realizar o protesto.
O secretário-geral da Opiam, Angélisson Tenharim, disse que os participantes se manifestaram contra os ataques e a fragilização dos direitos indígenas. “Isso acontece por meio do atual governo interino e pelo Ministério da Justiça. Os povos indígenas do Alto Madeira repudiam esses ataques. Somos contra a redução dos servidores e os cortes orçamentários da Funai e a revisão das terras indígenas. Também repudiamos a proposta de municipalização da saúde indígena”, afirmou.
A região do Alto Madeira abrange os municípios de Humaitá e Manicoré, onde habitam indígenas das etnias Mura, Tenharim, Parintintin, Jiahui, Pirahã, Apurinã, Juma, Munduruku e Torá.
A área sofre forte pressão de desmatamento ilegal, invasão dos territórios indígenas por madeireiros e preconceito de não indígenas. O território Tenharim foi fortemente impactado durante a ditadura militar, com a construção da BR-230 (Transamazônica), que atravessou seu território.
De acordo com Délio Alves, organizador do “Ocupa Funai” pela Coiab em Manaus, o ato reuniu 600 pessoas de 41 diferentes etnias e terminou por volta das 15h no Largo de São Sebastião, no centro da cidade. Entre as etnias presentes em maior número estavam os Kokama, Apurinã, Sateré-Mawé, Tukano e Baré. O ex-presidente da Funai, João Pedro Gonçalves, também participou do protesto.
“O movimento de hoje veio para dar uma mobilização da unidade de todas as organizações, de todos os povos, para dar uma visibilidade dos direitos dos povos indígenas do Amazonas. Nós demos o recado de que os povos indígenas estão organizados, estão mobilizados contra todo tipo de retrocesso, principalmente em relação à questão das terras aqui no estado”, diz Délio Alves.
De acordo ele, o movimento continuará a mobilização nas próximas semanas de forma articulada. Ele afirma que o foco estará no combate às políticas de enfraquecimento das demarcações das terras indígenas, mais a indicação de militares para presidir a Funai. “Qualquer movimentação do governo interino na questão da presidência da Funai e da demarcação de terras, nós estaremos juntos nas ruas. Não temos data nem hora. Pintou alguma questão de retrocesso, nós vamos voltar para a rua”, afirma Alves, da etnia Dessana, e membro do Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia.
Fonte: Amazônia Real
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