Na atualidade a energia elétrica é tão presente na vida das pessoas que seria inimaginável o mundo moderno sem ela. A eletricidade cumpre papel indispensável e insubstituível tanto no bem-estar da população quanto como insumo à grande maioria das atividades econômicas. Se há muitas dúvidas sobre quais serão as fontes de energia primária preponderantes no futuro, não se vislumbra a substituição do sistema elétrico por outro qualquer. Pelo contrário, a tendência atual é que o próprio setor de transportes, hoje majoritariamente baseado em combustíveis fósseis, torne-se cada vez mais dependente da energia elétrica, seja nos transportes coletivos (metrôs, trens e ônibus elétricos) ou no transporte individual com o uso crescente de automóveis elétricos.
Justamente por ser tão essencial ao desenvolvimento, à qualidade de vida das pessoas e à segurança nacional, o setor elétrico não pode ser tratado como um setor econômico qualquer.
O Brasil se caracteriza por possuir abundância em recursos energéticos. Possuímos uma das maiores jazidas de petróleo descobertas nas últimas décadas, no Pré-sal, a quinta maior reserva comprovada de urânio do mundo e enorme potencial em energias renováveis, seja solar, eólica, biomassa ou hidráulica. Ao longo de décadas os brasileiros foram capazes de construir um dos maiores sistemas elétricos interligados do mundo e uma das matrizes energéticas mais renováveis do planeta, utilizando a energia barata proveniente de nosso potencial hidrelétrico como base.
Apesar de todas as vantagens comparativas, a partir dos anos 90, e no rastro das políticas neoliberais o setor elétrico brasileiro passou a ser laboratório de experimentação de fórmulas importadas de outras nações, que guardam pouca semelhança conosco. A reforma neoliberal implantada, principalmente nos governos FHC, promoveu uma mudança de paradigma e nosso setor elétrico deixou de ser guiado por uma estratégia de desenvolvimento nacional, passando a ser, na prática, apenas mais uma fronteira para a reprodução do capital.
A mercantilização e a privatização prometiam atrair recursos da iniciativa privada para a expansão do sistema, aumentar os recursos para programas sociais por conta da diminuição do papel do estado em atividades econômicas, melhorar a eficiência das empresas e a concorrência levaria ao barateamento da energia para a população.
Não tardou para que as ilusões mercadológicas se despedaçassem ante a realidade e, já em 2001, o Brasil sofre os efeitos do chamado “apagão”. O capital privado não se interessou por investir em novos empreendimentos de geração e transmissão, preferindo ganhar dinheiro sem riscos nos processos de privatização, e como as empresas estatais estavam em processo de desestatização e impedidas de investir, o resultado não poderia ter sido outro: o maior racionamento de energia elétrica de um país em tempos de paz já registrado.
Com a chegada do presidente Lula ao governo, o Setor Elétrico Brasileiro passou por mudanças que corrigiram alguns dos mais flagrantes absurdos do fracassado modelo herdado de FHC. O estado voltou ao planejamento, o processo de privatização foi suspenso e as empresas estatais voltaram a investir.
É inegável que a reformulação implantada no governo Lula teve êxitos. Ao contrário do que ocorria no passado, com a volta do estado ao planejamento do setor e das empresas estatais na expansão do sistema, principalmente nas obras estruturantes, o Brasil se livrou do fantasma do “apagão”. Com a participação decisiva da Eletrobras e o financiamento do BNDES, importantes empreendimentos em geração e transmissão foram concretizados, como as usinas do Rio Madeira, a UHE Belo Monte, dentre outras.
Outro grande êxito foi a universalização da energia elétrica no Brasil. Em 13 anos de governos Lula e Dilma, mais de 15 milhões de Brasileiros saíram da escuridão e mais uma vez as empresas do grupo Eletrobrás tiveram papel decisivo, sobretudo no Nordeste e na Amazônia.
A reforma neoliberal da era FHC teve por base dois processos gêmeos, a privatização e a mercantilização. A privatização pretendia acabar com monopólios estatais no setor, elevar a eficiência das empresas e incentivar os investimentos privados. Já a mercantilização era complementar à privatização e, com a energia sendo tratada como uma mercadoria qualquer, os novos agentes privados concorreriam entre si, levando ao barateamento do preço da energia para os consumidores.
Se os governos Lula/Dilma tiveram êxito em garantir a expansão do sistema e a universalização do acesso, o mesmo não ocorreu no quesito modicidade tarifária, pois a manutenção da lógica mercantil demonstrou sua completa disfuncionalidade, tendo o Brasil passado da condição de um país com energia barata e abundante para uma das tarifas mais caras do mundo, mesmo tendo como base a hidroeletricidade, fonte barata e renovável.
Cerca de 70% da energia elétrica consumida no Brasil é de origem hidráulica, com hidrelétricas em cascata compartilhando um bem comum que é a água que, aliás, é também compartilhada para muitos outros usos, como o abastecimento humano, abastecimento animal, irrigação, transportes, lazer e turismo. Além disso, a diversidade climática de um território continental como o Brasil levou o país a construir um gigantesco sistema interligado que transporta a energia excedente para regiões onde haja escassez, a depender das condições hidrológicas.
Um sistema como esse é basicamente um monopólio natural, pois administra um bem público e insubstituível que é a água. A tentativa de emular um mercado competitivo em um sistema com claras características cooperativas, como é o caso do Sistema Interligado Nacional (SIN), acabou por gerar uma série de desequilíbrios com inadimplências generalizadas, insegurança jurídica e outras distorções que, por fim, acabam sempre sendo repassadas aos consumidores via aumentos de tarifas.
Mesmo contando com a redução tarifária de cerca de 20% por conta da MP 579/2012, a tarifa de energia elétrica residencial brasileira já subiu em média quase 60% acima da inflação e a tarifa industrial subiu mais de 150% acima da inflação desde 1995. Essa contínua elevação do custo da energia tem provocado o deslocamento de importantes indústrias eletrointensivas do território nacional e ameaça jogar de volta às trevas milhões de brasileiros mais pobres pela simples incapacidade de pagar a conta de energia.
Diante desse cenário de insegurança, desorganização e carestia, a solução apontada pelo governo Temer é mais privatização, mais mercantilização, incremento da geração termoelétrica a combustíveis fósseis e a descotização das usinas já amortizadas, o que penalizará mais uma vez o consumidor brasileiro. A insensatez das medidas apontadas é tão flagrante que até mesmo a FIESP se pronunciou contra, por perceber claramente que essas propostas acarretariam ainda maiores aumentos de custos para o setor produtivo.
Diante da ameaça de radicalização da mercantilização do setor elétrico brasileiro, com a consequente transformação deste em um oligopólio privado, o movimento sindical eletricitário apresenta suas propostas de diretrizes básicas para um novo modelo para o Setor Elétrico Brasileiro.
Estamos trazendo esse manifesto para ser apresentado aos candidatos à Presidência da República por ter a convicção de que algo tão importante, tão presente e tão essencial à vida das pessoas e ao desenvolvimento nacional, como o setor elétrico, não pode ser discutido e debatido apenas pelo mercado, ou por agentes do setor, interessados, sobretudo em aumento de seus lucros. Um novo modelo para o Setor Elétrico Brasileiro democrático, popular e que sirva como instrumento ao bem-estar do povo e ao desenvolvimento da nação deve contar com a contribuição dos trabalhadores do setor, da academia e da sociedade organizada como um todo.
Fonte: ILUMINA (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético)
INTERSINDICAL – Central da Classe Trabalhadora
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