Clemente Ganz Lúcio: “Esta mudança na organização econômica exige mudanças na organização do sindicato”

Esta mudança na organização econômica exige mudanças na organização do sindicato
Imagem: Comunicação da Intersindical
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Saiba mais sobre o seminário:
→ Rossano Sczip: O debate da estrutura sindical precisa ser retomado pelos trabalhadores


“Há uma profunda mudança na organização econômica que exigirá de nós uma mudança na organização do sindicato”, alerta Clemente Ganz Lúcio, do Dieese. Assista ao debate na íntegra no final desta matéria.

“Precisamos entender que há uma profunda mudança na organização econômica que exigirá de nós uma mudança na organização do que chamamos de sindicato. Aquela empresa que gerou este sindicato está desaparecendo e aquele sindicato que surgiu não responde a essa empresa que está surgindo”, diz o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio. “Temos menos de um mês para nos preparamos para um jogo que continua com novas regras e entra em vigor no dia 11 de novembro”.

Nem a ditadura militar mexeu na legislação trabalhista e sindical. “O que a ditadura fez foi intervir nos sindicatos. Agora temos uma reforma que altera simultaneamente o direito do trabalho, a organização sindical e o papel do Estado (por meio da alteração na Justiça do Trabalho)”, lembra o diretor do Dieese.

“O que vem pela frente é mudança na propriedade e na tecnologia. Essa legislação trabalhista está em sintonia com a quarta revolução industrial, por isso temos que repensar a organização sindical, olhar para frente, se não fizermos isso nossas instituições sindicais acabarão legalizando e legitimando essas mudanças sob o argumento de que alguém tem que fazer”, alerta Clemente.

A reorganização das empresas na forma de contrato e atribuições está mudando, hoje já não se sabe se, por exemplo, uma empresa fabricante de elevadores, é industrial ou de serviços, visto que ela vive da prestação dos serviços de manutenção.  “O sindicato é uma construção histórica de disputa política na base industrial onde os trabalhadores disseram ‘vamos nos juntar, criar uma força para disputar as condições da produção’, mas muda tudo a partir de agora”.

Além disso, segundo ele, “uma parte considerável da força de trabalho que está entrando no mercado está fundamentada numa visão individualista classicamente antisindical a ser contratada em formas de contrato que impedem a identificação sindical”. Progressivamente os sindicatos ficarão sem base e irão minguando gradativamente.

Durante o Seminário “Reforma Trabalhista: Resistência e Impactos sobre a Organização da Classe Trabalhadora“, que a Intersindical Central da Classe Trabalhadora promoveu no último dia 14 de outubro em SP, houve uma longa exposição de Clemente Gans Lúcio sobre todo o contexto histórico para se compreender os motivos desta reforma trabalhista no Brasil.  

Confira os principais pontos aqui:

Reformas trabalhistas pelo mundo

Há diversos países promovendo reformas trabalhistas. Entre 2008 e 2014 foram feitas 642 mudanças e reformas trabalhistas em 110 países do mundo depois da crise internacional.

“No início deste ano, o México fez uma que limita a justiça do trabalho, para facilitar a demissão do trabalhador mexicano. A Espanha fez uma reforma que teria inspirado Temer. De 2014 para cá novas estão sendo feitas”, explica. “Esta reforma trabalhista é inúmeras vezes mais importante do que a reforma da Previdência, pois altera toda a dinâmica da sociedade brasileira”.

Entenda a dinâmica do neoliberalismo

 “O neoliberalismo é a expansão da riqueza financeira controlando o sistema produtivo. E o que o sistema produtivo tem que entregar para a riqueza financeira? O máximo retorno no menor prazo possível”. Isso muda a lógica de produção das empresas. “Aquela empresa industrial do final do século 19 que estrutura no século20 a organização do processo industrial do planeta passa a ser alterada porque o comando dessas empresas (que são as empresas que dão origem ao sindicato que nós conhecemos) passa a se transformar. O capitalista que organizava um empreendimento econômico, aquela ideia do Ford que diz ‘eu preciso elevar os salários para criar capacidade de consumo do meu produto’, este empresário passa a ser substituído pelo preposto. Quem passou a ser o dono da empresa? São milhares de investidores e acionistas que investem em fundos que investem e compram empresas, designam diretores para realizar os resultados e entregar os lucros”.

Sem a reforma trabalhista, diz o diretor do Dieese, “este retorno rápido não é possível de ser realizado por isso há tantas reformas sendo realizadas pelo mundo”.

A desculpa da crise para a reorganização das relações de trabalho

Até 2008 observamos o capital financeiro crescer e se estruturar, fundos passam a comprar empresas. Há o ápice de um processo de reorganização da produção econômica do ponto de vista da concentração da renda e da riqueza. A crise de 2008 veio por causa do descolamento da riqueza existente no mundo e da riqueza no mundo real produtiva. “Alguns diziam mais ou menos 10 vezes, 20 vezes. A riqueza material, real do mundo, medida em dólares era de US$ 70 a US$ 75 trilhões. Afirmava-se que existiriam riquezas financeiras circulando no mundo na ordem de US$ 600, 700 trilhões, segundo estatísticas oficiais do FMI”, informa o diretor do Dieese.

“Os caras perceberam que o jogo do jeito que está não pode continuar. E organizam estratégia de intervenção e controle da economia, que significa o controle econômico pelas grandes corporações multinacionais estruturadas pelo setor financeiro. O que fizeram: imputaram aos Estados a responsabilidade para criar as condições para sair da crise, ajustar o Estado e as políticas sociais para cobrir o rombo das contas públicas que eles mesmos criaram”.

Isto porque, segundo Clemente, uma das formas de reduzir o volume de riqueza financeira é achar ativos reais, que em boa parte estão na mão do Estado. “Por isso eles dizem: vamos alterar a  legislação nos Estados para passar esses ativos estatais para a iniciativa privada”.

Desta forma, há o retorno de uma nova onda de privatizações no mundo – para que esses ativos financeiros encontrem correspondente material – e de ações para o controle das democracias. “As democracias não geram, a esta ordem econômica, a segurança que elas precisam para dar garantia aos investidores. Surgem uma série de iniciativas para gerar o controle sobre as democracias. Neste processo que reorganiza a economia, a  política e a propriedade, para que essas coisas aconteçam, várias mudanças de regras são produzidas. É importante a gente entender, do ponto de vista político, que o impeachment da Dilma não é um resultado interno. É parte de uma estratégia muito mais sofisticada do controle e limite das democracias reais e no caso brasileiro abriu-se uma oportunidade inimaginável para retirar um presidenta que não era de confiança para esta estratégia”.

Estrangeiros de olho no Brasil

O Brasil é a maior reserva de ativos reais presentes no planeta hoje. “Temos a maior reserva de recursos naturais, minérios, não é só o pré-sal. Uma grama de árvore da Amazônia vale mais que um barril de petróleo (que acaba em 50 anos se continuarmos a usar como hoje). Abaixo dessa floresta tem água e minério. O Brasil é hoje a maior reserva de água potável do planeta. As guerras do futuro serão por falta de água. Nós temos a sétima a oitava estrutura industrial do mundo, muito forte, apesar das privatizações do FHC, temos uma estrutura estatal forte, uma população grande, um território enorme, vasta área de costa marítima. Não há nenhum país que reúna tantos ativos em condições de transferência para o setor privado”, diz Clemente.

“ Agora está em debate a privatização de dezenas de empresas e da propriedade da terra. Estamos alterando as regras de propriedade das riquezas do país para que elas sejam transferidas para as multinacionais estrangeiras. Esse Congresso está mudando todas as regras do jogo, vamos sofrer a consequência de todas elas, e nós não participamos das regras do jogo”.

Empresas ajustam custo do trabalho

Essas mudanças no mundo exigem para a reorganização do capitalismo uma alta capacidade para ajustar o custo do trabalho. E essas regras visam flexibilizar formas de contrato de trabalho, jornada e salário. Do outro lado limitam o poder de negociação dos sindicatos, da lei e do Estado sobre os mercados e colocam limites claros na justiça trabalhista para evitar passivos trabalhistas.

“A reforma no caso brasileiro flexibiliza contratos de trabalho, que antes eram ilegais e agora passam a ser legais. Há um menu  de possibilidades de contratação altamente flexível. Pode terceirizar qualquer atividade, contratar intermitente, autônomo exclusivo… essas formas recepcionam jornadas de trabalho reduzidas e flexíveis”.

Hoje a terceirização sem limites já tá valendo e existem prefeituras contratando serviços educacionais por pregão, ou seja, professores. “Um professor recebe R$ 2400, piso conquistado em décadas de luta, o valor do prestador  professor está entre R$ 1200 e R$ 1800. Logo mais existirá o sindicato dos trabalhadores de serviços educacionais”, exemplifica.

“Se você for ao banco hoje e perguntar ao atendente: você é bancário? Ele diz, não. A área de processamento de dados não é formada por bancários. Ano passado os bancários fizeram grande greve, uma das melhores, e os bancos ficaram felizes. Como pode um instrumento que tem que criar prejuízo ao capital não gerar desconforto ao capital? Nossa estrutura sindical provavelmente legitimará essa terceirização maluca pois criaremos sindicatos para legalizar essa fraude trabalhista”, alerta.

“Essa estrutura já não dá conta da situação presente e nós não conseguimos fazer uma reforma sindical séria. Nós não impedimos a fragmentação sindical, nosso sindicato não representa o bancário pois lá dentro tem um monte de trabalhador que trabalha em banco e não é bancário. A nova empresa, que se reorganiza com essa nova lógica de melhor resultado no menor prazo possível, vai fazer ajuste estrutural do custo do trabalho, o risco é que os sindicatos legalizarão e legitimarão esta mudança que vai gerar inúmeras formas diferentes de contrato de trabalho desqualificando a relação clássica de trabalhador e categoria e sindicato, eu não saberei mais a qual categoria pertenço e qual sindicato pertenço.

Poder dos sindicatos

“A partir de novembro, vocês dos sindicatos estarão empoderados para diminuir o poder dos trabalhadores, à exceção do que está na Constituição Federal e algumas normas associadas à saúde e segurança. A legislação passa a ser um teto que poder ser rebaixado pelo poder da negociação. O sindicato está autorizado a reduzir o custo do trabalho”, explica.

ASSISTA AO DEBATE NA ÍNTEGRA


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