A falta de experiência e a pouca idade fizeram com que Beatriz Pinheiro, de 20 anos, ficasse um ano procurando emprego quando saiu de um programa de jovem aprendiz ao terminar o ensino médio. Moradora de Planaltina, cidade-satélite de Brasília, ela demorou, mas conseguiu um trabalho em 2020: operadora de caixa em um supermercado na capital federal. O pagamento? Um salário mínimo.
Os R$ 1.212 que recebe por mês vão para bancar as contas da casa que divide com o namorado. As maiores despesas são as fixas — aluguel, água e luz — que ela não tem como deixar de pagar, para não correr o risco de ter os serviços cortados. Mas o salário rende cada vez menos, e trabalhando em um supermercado ela sente a pressão dos preços diariamente:
— Um dia você repara num produto que custa R$ 10, mas na semana seguinte já está R$ 20 ou R$ 25. Tem mês que o salário dá para bancar tudo, mas tem meses que preciso correr para o cartão de crédito.
Casos como o de Beatriz não são isolados: o Brasil é, cada vez mais, o país do salário mínimo. O total de profissionais brasileiros que ganham até o piso era de 27,6% dos trabalhadores no último trimestre de 2015 e foi a 30,09% no mesmo período de 2018, no fim do governo Temer.
Já em 2022, no primeiro trimestre, mesmo considerando os efeitos da sazonalidade no mercado, a quantidade de trabalhadores, formais e informais, que recebia até um salário mínimo chegou a 38,22% do total da força ocupada, segundo levantamento feito pelo economista Lucas Assis, da Tendências Consultoria, a pedido do GLOBO.
Apenas no governo Bolsonaro esta participação dos trabalhadores que ganham até o salário mínimo cresceu 8,2 pontos percentuais. Em números absolutos, são 36,415 milhões de pessoas, 8,3 milhões a mais que no fim do governo Temer.
Isso ocorreu tanto no emprego formal como no informal. Entre os que têm carteira assinada, o total de pessoas que ganham o piso passou de 14,06% no fim do governo Temer para 22,48% no primeiro trimestre deste ano. Entre os informais, o salto foi de 53,46% para 61,73%. No grupo de trabalhadores sem carteira assinada, há, inclusive, um grande contingente que ganha menos que o piso.
Isso ocorreu tanto no emprego formal como no informal. Entre os que têm carteira assinada, o total de pessoas que ganham o piso passou de 14,06% no fim do governo Temer para 22,48% no primeiro trimestre deste ano. Entre os informais, o salto foi de 53,46% para 61,73%. No grupo de trabalhadores sem carteira assinada, há, inclusive, um grande contingente que ganha menos que o piso.
O economista aponta que entre o primeiro trimestre de 2016 e o mesmo período de 2022, o Brasil registrou um saldo de criação de 4,6 milhões de postos de trabalho (considerando admissões e demissões), sendo 76% no mercado informal.
Assis, da Tendências, destaca, nesta comparação, que o quadro é grave, pois o mercado de trabalho já tinha sofrido muito com a recessão do biênio 2015-2016, especialmente com a pressão da taxa de desemprego, que ultrapassou no período a barreira dos 12%. Mais recentemente, em abril, houve movimento de recuperação, e a taxa ficou em 10,5%.
O problema é que essa geração de postos ocorreu majoritariamente pelo achatamento salarial: foram criadas, no período, 7 milhões de vagas com rendimento de até um salário mínimo. Em contrapartida, foram destruídos 2,4 milhões de postos de trabalho com rendimento superior a esse patamar.
— Na pandemia, a gente observou que todo o cenário econômico e sanitário contribuiu para a queda de massa de renda, especialmente na população de menor escolaridade. Desde o fim de 2020, houve recuperação do contingente de ocupados, mas a renda média permaneceu bastante fragilizada e permanece abaixo do que havia antes da pandemia — diz Assis.
Para Juliana Inhasz, professora do Insper, a deterioração do mercado de trabalho vem em linha com a dificuldade de o Brasil voltar a crescer. E o mercado de trabalho acaba sendo mais sacrificado:
— As crises econômicas e a redução do produto acabam fazendo com que o empregador pense duas vezes antes de contratar e, quando contratam, sabe que não é o ideal, mas opta pelo mais barato, o informal, que não tem segurança e carece de assistência.
Yago Magalhães Machado, de 20 anos, está no segundo emprego com carteira assinada, novamente por salário mínimo. Como está se preparando para fazer faculdade — quer estudar TI — e mora com a mãe, ajudando nas despesas da casa, o rendimento não é o foco principal na busca por trabalho. Ele aceitou a vaga, em uma loja de sorvetes, porque se adaptaria à rotina:
— Passei por três entrevistas com outras empresas até aceitar a vaga. A maior parte dos trabalhos que aparece agora paga salário mínimo.
A criação da maioria das vagas apenas com salário mínimo ajuda a derrubar a renda do trabalho no país, segundo dados da Pnad. Em janeiro de 2015, a renda média do trabalhador era de R$ 2.764, em valores corrigidos pela inflação. Em julho de 2020, turbinado com o Auxílio Emergencial, que aqueceu a economia, chegou ao recorde recente de R$ 2.967. Mas desde então teve diversas quedas e agora está em R$ 2.569.
— Com o mercado ocioso, em crise, o poder de barganha do trabalhador diminui. E tem casos de pessoas que aceitam trabalhos com qualificação menor, o que vale para o formal. Tem exemplos mais extremos, como o cara que faz doutorado e trabalha como Uber, mas também tem o trabalhador CLT que foi demitido e volta para outra empresa ganhando menos — pontua Bruno Imaizumi, da LCA Consultores.
Para ele, essa perda de poder de compra tem diversos fatores. O mais óbvio é a inflação. Atualmente, no patamar de dois dígitos — em 12,13% na taxa acumulada em 12 meses — corrói a renda. Imaizumi cita questões estruturais, como a substituição de mão de obra humana por capital tecnológico, impactando nas opções de emprego e trabalho:
— Além disso, há um movimento de pejotização e precarização que já acontecia antes. Muitas pessoas vão trabalhar na informalidade, que em média já paga menos, tem renda mais variável e não tem tanta segurança
Como mostrou O GLOBO, Bolsonaro vai terminar o mandato em dezembro deste ano como o primeiro presidente, desde o Plano Real, a deixar o salário mínimo valendo menos do que quando entrou. Nenhum governante neste período, seja no primeiro ou no segundo mandato, entregou um mínimo que tivesse perdido poder de compra.
E como fazer para os salários subirem? A resposta, para Juliana Inhasz, está na melhoria consistente da economia e na queda vigorosa do desemprego. Para ela, mudança, de fato, só daqui um ano ou um ano e meio:
— O que a gente tem hoje, uma taxa de desemprego que deve cair lentamente e produto que cresce pouco, não cria para o trabalhador espaço para barganhar. Há muita gente desempregada ou trabalhando menos do que gostaria, em contratos temporários ou intermitentes, que gostaria de estar empregada por um salário mínimo. O desenho desse mercado de trabalho não favorece o crescimento de renda, e a condição econômica do país corrobora com essa estagnação.
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