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Povos e comunidades tradicionais denunciam destruição do Cerrado pelo Matopiba

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Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais do Cerrado, unidos a movimentos sociais e sindicais e organizações de apoio divulgaram, no último dia 25, uma carta aberta sobre a destruição do Cerrado pelo Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (PDA Matopiba).

A carta é fruto é do I Encontro Regional dos Povos e Comunidades do Cerrado, ocorrido entre os dias 23, 24 e 25 de novembro. No documento, os povos e comunidades tradicionais do Cerrado afirmam que o PDA Matopiba “nada mais é que a velha e contínua política desenvolvimentista do período militar e atual, maior promotora de violências, de degradação ambiental, trabalho escravo e desigualdades sociais e econômicas do campo brasileiro”.

Segundo dados da Embrapa, o Matopiba deve compreender 73 milhões de hectares dentro do bioma cerrado, numa delimitação territorial dentro da qual existem 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação, 865 assentamentos e 34 quilombos.

O projeto, que foi criado por meio do Decreto Presidencial nº 8447, de maio de 2015, prevê a expansão da fronteira agrícola em parte dos territórios dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA).

Um estudo da Embrapa prevê que 73% dos cerrados da região abrangida pelo Matopiba seriam passíveis de ocupação pela agricultura, mas que 24% desses territórios seriam “potencialmente” preservados dentro das propriedades rurais, devido à determinação, no Código Florestal, de preservação de 20% das matas nativas nas áreas de cerrado e de 35% nas áreas abrangidas pela Amazônia Legal, que correspondem a 60% de todo o Matopiba.

Os povos indígenas, quilombolas e as comunidades tradicionais que assinam a carta aberta afirmam que o PDA Matopiba impactará agressivamente o bioma Cerrado, além de desconsiderar e invisibilizar dezenas de povos que, há anos, buscam a regularização de suas terras, aumentando a grilagem das terras e a violência física e psicológica já existentes contra as populações do Cerrado.

A carta afirma que o Matopiba “não é um projeto de desenvolvimento sustentável, pois ‘mata’ a água, a terra, o bem viver dos povos indígenas, quilombolas e camponeses” e denuncia a estratégia politica e pessoal da atual ministra da Agricultura e Pecuária, Kátia Abreu, “através da busca de maiores investimentos de recursos do governo federal, via Matopiba, para o estado do Tocantins, visando a viabilização de seu projeto político eleitoral”.

Leia, abaixo, a carta na íntegra:

Carta aberta à Sociedade Brasileira e à Presidência da República e ao Congresso Nacional sobre a destruição do Cerrado pelo MATOPIBA

Araguaína – Tocantins, 25 de Novembro de 2015

Nós, Camponeses(as), Agricultores(as) Familiares, Povos Indígenas, Quilombolas, Geraizeiros(as), Fundos e Fechos de Pasto, Pescadores(as), Quebradeiras de Coco, reunidos(as) no I ENCONTRO REGIONAL DOS POVOS E COMUNIDADES DO CERRADO, em Araguaína – Tocantins, nos dias 23, 24 e 25 de Novembro de 2015 , para debater sobre o PDA MATOPIBA e as consequências para os Povos do Cerrado, viemos INFORMAR e MANIFESTAR à Sociedade Brasileira:

– Que a política nacional de desenvolvimento agropecuário, através do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA (PDA MATOPIBA), instituída através do Decreto n. 8447, nada mais é que a velha e contínua política desenvolvimentista do período militar e atual, maior promotora de violências, de degradação ambiental, trabalho escravo e desigualdades sociais e econômicas do campo brasileiro.

– Que a delimitação territorial do MATOPIBA, abrangendo os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, impactará, agressivamente, o Bioma Cerrado, “berço das águas”, onde encontram-se os maiores aquíferos do planeta, as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Araguaia-Tocantins, São Francisco e Prata), a mais rica biodiversidade brasileira.

– Que a desconsideração desta diversidade biológica, cultural e de povos, por parte dos sucessivos governos, das elites econômicas, políticas e até mesmo acadêmicas, autorizou que nos últimos anos, estas áreas fossem griladas e ocupadas pela expansão de um modelo agrário/agrícola com base na monocultura devastadora implantada pelos latifúndios empresariais – o agronegócio.

– Com caráter de manipulação política, estão sendo desconsiderados e invisibilisados dezenas de povos que, há diversos anos, buscam a regularização de suas terras. Com isso, numa região de graves conflitos, aumentarão ainda mais os problemas socioambientais.

Por isso, nós, povos e comunidades do Cerrado, movimentos sociais e sindicais, organizações de apoio e assessoria, signatários desta carta, a partir de nossas reflexões e debates, viemos manifestar o nosso posicionamento CONTRA o PDA MATOPIBA pois,

Promoverá ainda maior destruição da vida e exclusão de povos do Cerrado, vindo reforçar o crescimento do êxodo rural, o aumento da pobreza e a invisibilidade das populações existentes no território. O PDA MATOPIBA não representa desenvolvimento, pois atinge os modos de vida das comunidades do Cerrado;

– Não é um projeto de desenvolvimento sustentável, pois “mata” a água, a terra, o bem viver dos povos indígenas, quilombolas e camponeses;

– Aumentará a grilagem das terras e a violência física e psicológica contra as populações do Cerrado;

– Aumentará a degradação ambiental, agravando ainda mais os problemas hídricos: rios estão secando, águas estão sendo envenenadas, matas ciliares estão desaparecendo e áreas de recarga, ocupadas pelas monoculturas, perdendo sua capacidade de recarga;

– Irá beneficiar apenas as grandes empresas nacionais e multinacionais, os latifundiários do agronegócio visando somente o seu crescimento econômico;

– Trará mais impactos negativos ao meio ambiente e às populações tradicionais do entorno, com destruição das matas e solos pelo uso intensivo de tratores e correntões e pelo abusivo uso de agrotóxicos com pulverização aérea intensiva;

– Aumentará apenas o poder econômico do agronegócio e o politico dos atuais parlamentares comprometidos com o mesmo;

– Fortalecerá uma estratégia politica e pessoal da senadora, ex-presidente da CNA e atual ministra da Agricultura e Pecuária – Katia Abreu, através da busca de maiores investimentos de recursos do governo federal, via MATOPIBA, para o estado do Tocantins, visando a viabilização de seu projeto político eleitoral.

Diante desta situação repudiamos e denunciamos:

– A Violência contra as comunidades camponesas, perpetrada pelo agronegócio aliado ao Estado e ao poder judiciário, que tem imposto uma situação de barbárie, com aumento dos conflitos, ameaças de morte e assassinatos no campo. Como lamentável exemplo citamos a situação de Campos Lindos e a expulsão da Agricultora Dona Raimunda e sua comunidade, moradores há 62 anos na sua terra, no município de Barra do Ouro. O Juiz Luatom Bezerra, da Comarca de Goiatins (TO), emitiu ordem judicial de despejo a pedido do grileiro e sojicultor Emilio Binotto.

– A crescente compra de terra por grupos estrangeiros nas áreas do MATOPIBA e demais regiões dos biomas Amazônia e Cerrado.

– A Transposição do Rio São Francisco que tem provocado a morte dos diversos rios e igarapés existentes no cerrado e semiárido; e a iminente ameaça da implementação do projeto de transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco;

– O aumento das autorizações para desmatamento e outorga de água para monoculturas irrigadas no oeste da Bahia, tendo como modelo a ser implantado os piscinões da Fazenda SUDOTEX em Correntina- BA;

– A Construção da Hidrovia Araguaia-Tocantins e das barragens de Marabá, Serra-quebrada, Santa Isabel, Perdida Dois e Rio do Sono; além dos projetos de asfaltamento de estradas em terras indígenas, como as TO-126, TO-010, TO-500 e de abertura da Transbananal, que como a construção da Ferrovia de Integração Leste-Oeste FIOL (MT-TO-BA), da ferrovia Norte Sul e do Porto de Itaquí, MA, causarão danos irreparáveis ao meio ambiente e às populações locais;

– A paralisação das ações discriminatórias por pressão do agronegócio no oeste da Bahia;

– A desconstrução dos direitos dos povos indígenas e comunidades quilombolas através da PEC 215, que transfere para o poder legislativo a demarcação das terras; da Portaria 303 (que quer estender as 19 condicionantes da área Indígena Raposa Serra do Sol para todas as terras indígenas); da PEC 237 (que facilita o arrendamento de terras indígenas) e o PL 1610 ( mineração).

O Cerrado merece cuidado e respeito. Por isso, apelamos à consciência nacional, à presidência da República e ao Congresso Nacional para que se ponha um fim à veloz destruição deste bioma, o mais antigo do planeta, se não quisermos passar para a posteridade o estigma de termos destruído, em poucas décadas, o que a Natureza levou milhões de anos a construir.

Araguaína, 25 de novembro de 2015.

Subscrevem a presente carta:

  1. CPT – Comissão Pastoral da Terra
  2. CIMI – Conselho Indigenista Missionário
  3. Articulação Camponesa – Tocantins
  4. APA-TO – Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins
  5. Escola Família de Campos Lindos
  6. MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu
  7. AMIQCB – Associação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu
  8. ASMUBIP – Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio
  9. Escola Família Agrícola Pe. Josimo
  10. Agência 10ENVOLVIMENTO
  11. Rede Cerrado
  12. Associação Pro-Cultura de Formoso do Rio Preto
  13. Colônia Z-64 Riachão das Neves-BA
  14. STR de São Desiderio – BA
  15. STR Santa Rita de Cassia – BA
  16. MAB – Movimento dos Atingidos Por Barragens
  17. Coletivo de Fundo e Fecho de Pasto do Oeste da Bahia
  18. ACEFARCA – Associação Comunitária da Escola Família Agrícola Rural de Correntina e Arredores
  19. MAISVERDE – Movimento Ambientalista Grande Sertão Veredas
  20. CONVALE – Conselho Ambiental do Vale do Rio de Ondas –
  21. AMB – Associação de Mulheres de Buriti do Tocantins
  22. TEIA – Organização dos Povos Tradicionais do Maranhão
  23. MOQUIBOM – Movimento Quilombola do Maranhão
  24. COEQTO – Coordenação Estadual dos Quilombolas do Tocantins
  25. CRB – Conferência dos Religiosos(as) do Brasil – MA
  26. CRB – Núcleo Miracema Tocantins
  27. Pastoral Indigenista da Diocese de Grajaú – MA
  28. Associação União das Aldeias Apinajé Pempxa
  29. Associação Mãkra-re do povo Krahô
  30. CNS – Conselho Nacional das Populações extrativistas
  31. Associação Comunitária Nova Santana – PI
  32. Assentamento Rio Preto – PI
  33. Assentamento Taboca, PA Flores – PI
  34. Assentamento Barra do Correntinho – PI
  35. Associação dos moradores das Melancias – PI
  36. Movimento das Comunidades populares (MCP) – MA
  37. Diocese de Brejo – MA
  38. Assoxiação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Buriti – TO
  39. Associação da Comunidade Remanecente de Quilombo Grotão (ACOREG) – TO
  40. STR de Campos Lindos – TO

Fonte: CIMI
Foto: Mobilização Nacional Indígena 2013 – Laila Menezes

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