Sexta-feira, 9 horas da manhã. Bairro de Guaianazes, zona leste de São Paulo. Sob o sol forte, Francisca de Jesus e outras moradoras do conjunto habitacional José Bonifácio sobem a estrada de terra que dá acesso aos prédios da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).
Se fosse há um ano atrás, a pernambucana de 34 anos não estaria em casa a essa hora da manhã. Mas, desde março de 2007, quando foi removida da favela Ilha Verde pela Prefeitura, localizada na alça de acesso da Ponte do Anhangüera, bairro da Lapa, zona oeste de São Paulo, a empregada doméstica foi demitida. “Como a casa onde trabalhava era mais perto, dava para ir só com uma condução. Como daqui preciso pegar dois ônibus para ir e dois para voltar, minha patroa não concordou em pagar”, lamenta. Resultado: agora, trabalho para Francisca é só por dia, de faxina, e mesmo assim, o pagamento de uma das conduções sai do seu bolso.
A situação de Francisca não é diferente dos outros novos moradores do conjunto habitacional. Para chegar às estações de metrô Itaquera e Guaianazes, localizadas a 8 e 4 quilômetros dos prédios, respectivamente, os moradores precisam caminhar até um ponto onde passa uma perua, “às vezes, de hora em hora, às vezes demora bem mais”, conta Pedro Vieira, também removido da favela Ilha Verde. “Assim, mesmo acordando às 3 horas da manhã, de tanto eu atrasar, acabei perdendo o emprego”, conta. De acordo com ele, muitos dos moradores dos prédios foram perdendo seus empregos e, hoje, a maioria está com dificuldades de arcar com as prestações mensais de R$ 57 do imóvel, que foi financiado por 25 anos.
O empreendimento da CDHU, no momento, abriga famílias que foram desalojadas de diversas favelas que sofreram reintegração de posse nos últimos dois anos – como a Ilha Verde – e 150 famílias despejadas da ocupação Prestes Maia, que ficava localizada no centro da cidade.
A transferência de famílias de baixa renda que vivem em favelas, cortiços e ocupações em áreas nobres da cidade para bairros periféricos sem oferecer infra-estrutura tem sido prática da gestão municipal de Gilberto Kassab (DEM), seguindo a mesma política de José Serra (PSDB). De acordo com Kazou Nakano, urbanista do Instituto Pólis, com “o boom imobiliário, e o crescimento da indústria da construção civil, o processo de disputa pela terra urbana tornou-se mais acirrado e conflituoso. Essas reintegrações de posse e remoção de famílias estão sendo feitas para valorizar as áreas de interesse do capital imobiliário”, aponta. Assim, explica Nakano, “a política habitacional do município tem sido ineficaz e descomprometida com os direitos sociais, com o direito à cidade. É isso que estamos vendo nesse processo de remoção de favelas que vem acontecendo nos últimos dois anos nas áreas de interesse do capital imobiliário”, critica.
Em dezembro do ano passado, a Prefeitura despejou moradores da favela Real Parque, localizada no bairro do Morumbi, referência de lançamentos imobiliários milionários e considerado um dos bairros mais ricos da cidade. Também há denúncias de que funcionários da subprefeitura de Santo Amaro têm pressionado os moradores da Comunidade Campo Grande/Jurubatuba (localizada em Santo Amaro) a aceitar um pagamento da construtora Gafisa para saírem da região onde moram desde 1987. A construtora estaria oferecendo R$ 15 mil a cada família da favela, localizada ao lado de um empreendimento imobiliário em início de construção. Para 2008, a Prefeitura de São Paulo vai iniciar um processo de remoção das 19 favelas sob alças das marginais Pinheiros e Tietê, de acordo com o prefeito Gilberto Kassab (DEM, ex-PFL).
De acordo com as famílias que estão vivendo em Guaianazes, a Prefeitura garantiu que no bairro para onde foram transferidos, haveria emprego (um frigorífico estaria sendo instalado nas vizinhanças e iria empregar parte dos novos moradores), mercado, escola e posto de saúde próximos. “Nada disso é verdade. As escolas não têm vagas suficientes para nossos filhos, o posto de saúde não tem especialistas e o orelhão mais próximo daqui é a 3 quilômetros”, reclama Francisca, que só consegue garantir o sustento de seus dois filhos graças ao emprego de pedreiro do marido. Outra reclamação dos moradores do empreendimento da CDHU é de que a estrada que dá acesso aos prédios não é asfaltada, e tem apenas um poste de iluminação, conquistado após muita reivindicação. “Quando chove, as pessoas ficam cheias de barro nos pés; quando saem de madrugada para trabalhar, a estrada é tão escura que mal se enxerga o caminho”, afirma a líder comunitária Marli Medeiros Marques, moradora do bairro. A Prefeitura foi procurada para comentar o caso, mas não se pronunciou a respeito.
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