INTERSINDICAL – Central da Classe Trabalhadora
Na manhã do último sábado a Direção Nacional da Intersindical Central da Classe Trabalhadora recebeu Reginaldo Nasser, professor e Chefe do Departamento de Relações Internacionais na PUC-SP, para debater a atual conjuntura do Oriente Médio, EUA e os conflitos envolvidos nesse processo.
O mestre em Ciência Política (UNICAMP) e doutor em Ciências Sociais (PUC-SP) explica que as revoltas urbanas estão espalhadas por diversos países do mundo, em decorrência da crise do modelo neoliberal. É esta mesma crise que tem levado milhares de pessoas a deixarem seus locais de origem, seja dentro de seus próprios territórios como também rumo a outros países – caso do drama dos refugiados na Europa.
Em 2014, o número de refugiados, requerentes de asilo e de pessoas forçadas a fugir dentro de seus próprios países chegou a 60 milhões de pessoas. Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) mostram que no ano passado atingiu-se o recorde de pessoas deslocadas por guerras e incapacidade econômica no mundo: 59,5 milhões de pessoas, sendo 19,5 milhões de refugiados, 38,2 milhões de deslocados internos e 1,8 milhão de solicitantes de refúgio.
A ONU classifica o fenômeno como “uma nação dos deslocados”. Mas, afinal, o que está acontecendo por trás de toda essa movimentação de pessoas, que pela primeira vez ultrapassou os 50 milhões da2ª Guerra Mundial?
Nasser diz que o fenômeno tem origem na falência do modelo econômico neoliberal, que tem produzido cada vez mais desigualdades sociais e engrossado as revoltas populares, sobretudo urbanas. A justificativa para os levantes populares, segundo o professor, é que os sistemas financeiros estão nas grandes concentrações urbanas. “Nas cidades há recursos, fluxo de ideias, de tecnologia e os problemas de espaço e fluxos de armas”, explica Nasser.
É por isso que muitos levantes populares, a exemplo do MTST no Brasil, ocorrem majoritariamente e com mais força em territórios urbanos, como por exemplo, no Cairo e nas principais cidades da Líbia, Trípoli e Benghazi. “O que se pode concluir a partir dos inúmeros protestos árabes são as características desses movimentos sociais, movimentos literalmente de novas classes, localizados nas cidades, com perfil de jovens, e uma maioria que tem conhecimento e participação nos sistemas de comunicação mundial, de telefonia e internet. A questão urbana é hoje o lugar de combate”, observa.
A população Urbana da Líbia, diz ele, é maior que a do Brasil, o grande Cairo tem 18 milhões de habitantes, no caso da Síria, há uma diferença, pois a população urbana é uma das menores do Oriente Médio, mas 60% já estão deslocados. A situação dos sírios de 2003 para cá foi de abertura geral para as reformas neoliberais e de miséria geral. Vemos que o pensamento liberal conservador carrega a tinta sobre cair as barreiras, mas isso é só para as mercadorias, as finanças e não para as pessoas. Uma contradição muito forte quando vemos a Europa barrando os imigrantes”, destaca.
Responsabilidade do Brasil
Segundo o Nasser, o Brasil tem se posicionado de forma muito ambígua em relação à questão dos conflitos internacionais. O professor destaca que enquanto o país tenta se destacar como mediador de conflitos, ele também é o quarto maior exportados de armas leves no mundo (pistolas e fuzis automáticos), vendendo inclusive para os Estados Unidos. Apenas para conhecimento, a maior fábrica de armas em Angola é da brasileira Taurus.
Outro ponto levantado é o projeto iniciado em 2004 de ampliação da chamada “indústria de defesa” no país. “Antigamente se chamava indústria bélica, mas agora é de defesa, aí parece que as armas só defendem e não matam”, ressalta.
De acordo com o professor, esses são dados importantes porque revela o papel do governo brasileiro tanto na repressão interna quanto na sua responsabilidade internacional dos conflitos.
Um exemplo concreto dessa responsabilidade são as tropas da MINUSTAH, que há mais de dez anos ocupam militarmente o Haiti, sendo destinadas a este país também boa parte das armas fabricadas por aqui.
No campo das armas “não letais” (entre aspas, já que diversas mortes são registradas por estes instrumentos), como gás lacrimogêneo e balas de borracha, usadas comumente para combater manifestações populares, o Brasil também está se destacando exponencialmente nos últimos anos, tendo este setor recebido financiamentos do BNDES.
Segundo Nasser, o Brasil é um dos países que menos tem transparência sobre o controle internacional de armas.
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Crise Síria e papel da Europa
Nos últimos dias, questões envolvendo migrações de trabalhadores fugidos da Síria, por conta do acirramento dos conflitos na região, têm pautado governos da Europa, do Brasil e de outros lugares.
Segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), na América Latina, o Brasil é o país que mais recebe refugiados. Aqui, boa parte dos refugiados são Palestinos que já eram refugiados dos ataques de Israel e que, agora, tem de fugir novamente.
No entanto, em um mundo dito globalizado, o que temos é a intenção de queda das barreira apenas para o mercado, e não para as pessoas. “Se fala em livre circulação, em queda de fronteiras, mas isso vale para as mercadorias e não para as pessoas”, analisa Nasser.
Por conta da proximidade entre Oriente Médio e Europa, esta tem sido a região que mais recebe refugiados vindos da Síria, atualmente. Infelizmente, diversos países têm tratado essa questão com muita violência, como é o caso da Hungria. Para o professor essa ações se assemelham a “regimes totalitários dos mais perversos”.
O Brasil também faz parte deste triste capítulo quando, nesta última semana, o Deputado Federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) afirmou que quem está vindo para o Brasil é “a escória do mundo”.
Entre os países europeus, o que tem tido destaque importante neste processo é a Alemanha. Porém, há de se compreender as questões econômicas que perpassam este fato. Para o professor, por trás disso está, por exemplo, a carência de mão de obra barata pelo qual este país está passando, devido ao envelhecimento de boa parte de sua população. “Para além da questão política e cultural, há uma questão econômica muito forte”, enfatiza o professor.
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