A chegada de Jair Bolsonaro ao governo abriu um novo período na história política do Brasil. Estamos sob ataque. Neste conflito, o governo brasileiro se encontra instalado nas trincheiras dos nossos inimigos. A defesa do Brasil tem sido assumida pelo povo, pela classe trabalhadora e pelas juventudes. Este fato está cada vez mais evidente ao observar a agenda do governo e do Congresso e a resistência que tem se formado nas ruas nos últimos 5 meses.
As mobilizações de rua em defesa da educação pública e contra a reforma da previdência, a greve geral, as mobilizações estudantis, indígenas, a Marcha das Margaridas e a Marcha das Mulheres Indígenas são exemplos que “os debaixo” se movimentam e procuram criar oportunidades diante dos desmandos do andar “de cima”. A unidade das diferentes correntes políticas e movimentos está sendo forjada nas lutas, lugar daqueles e daquelas que realmente defendem os direitos e a soberania nacional.
Porém, é preciso compreender que ainda temos uma correlação de forças desfavorável e que nos encontramos em um momento muito difícil. Se por um lado às manifestações de rua da extrema-direita arrefeceram, por outro lado, a agenda antipopular, antidemocrática e anti-nacional ainda encontra vantagem importante no cenário parlamentar. As grandes mobilizações, sobretudo no primeiro semestre, foram importantes, porém insuficientes. Em síntese, temos tido importantes mobilizações no cenário das ruas, mas continuamos em desvantagem no cenário institucional. Ainda não foi possível converter a força acumulada junto ao povo em pressão suficiente para condicionar a conduta dos parlamentares.
É preciso levar em conta que a situação brasileira não é anômala, e sim parte do avanço das forças reacionárias que se verifica em nível mundial e que coloca em questão as instituições da democracia liberal até mesmo nos países centrais, como se tem visto nos EUA de Trump e agora, mais recentemente, na manobra de fechamento do parlamento britânico pelo populista de direita Boris Johnson. Por outro lado, essa via que combina autoritarismo político e desregulamentação do Estado e da economia já dá sinais de esgotamento mesmo na América Latina. Na Argentina, a mesma fórmula econômica defendida no Brasil pelos golpistas, e aplicada de forma extremada por Paulo Guedes, levou à destruição acelerada da economia e à rejeição massiva do governo Macri, expressa na vitória da chapa de Alberto Fernandéz / Cristina Kirchner nas prévias eleitorais.
Outro elemento novo que surge é a comoção internacional gerada pelo aumento do desmatamento da Amazônia e a violação de reservas indígenas demarcadas, com assassinatos de suas lideranças. Neste ponto, é fundamental compreender que a postura do governo em motivar a destruição de povos e da biodiversidade amazônica em resposta às demandas do agronegócio, é também pretexto para o questionamento, de uma parte das corporações empresariais e nações desenvolvidas, da legitimidade da soberania brasileira sobre a Região Amazônica, área cobiçada historicamente por diversos interesses capitalistas. A título de exemplo, tivemos a transferência de parte das operações da Base de Alcântara (MA) para os EUA, neste mês, o que indica, entre outras coisas, o avanço do imperialismo e a perda da soberania.
É preciso portanto separar a legítima indignação e solidariedade internacional acerca da questão ambiental na Amazônia das manobras de grupos econômicos que vêm na pauta ambiental uma oportunidade para ampliar sua presença no território brasileiro e ampliar o saque de nossa biodiversidade, recursos minerais, água e solo. Defender a floresta amazônica significa ampliar nossa soberania sobre ela, ou seja, fortalecer a autoridade pública sobre a região, fazendo cumprir a legislação ambiental e as demarcações dos territórios das comunidades indígenas. O desmatamento e a destruição das comunidades estão contra a soberania nacional pois alimentam uma cadeia econômica que além de ser insustentável no tempo, responde a interesses privados e está relacionada à satisfação das demandas geradas no exterior, como madeira, minérios, água e commodities agrícolas.
Na dimensão econômica, o governo patrocina a recessão e o desemprego. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) trimestral, divulgada em agosto deste ano, a taxa de subutilização é de 24,6 % da População Economicamente Ativa (PEA). Somos 13 milhões de desempregados, 6,5 milhões de subocupados, 4,8 milhões de desalentados e outros 3,3 milhões que não conseguem trabalhar por algum tipo de impedimento do cotidiano. Somando estes números, falta trabalho para aproximadamente 28 milhões de brasileiros e brasileiras. Também causa preocupação o fato de que mesmo a diminuta redução da desocupação (-0,7%), alardeada como sinal de “recuperação” pelo governo, se baseie na verdade no crescimento do emprego informal. O número de empregados sem carteira assinada atingiu o recorde da série histórica, alcançando 11,7 milhões de pessoas. Hoje, o trabalho informal já representa 41,3% da população ocupada, incluindo empregados sem carteira assinada, trabalhadores domésticos e trabalhadores “por conta própria” sem CNPJ. Além destes números, a divulgação da PNAD também demonstrou queda de mais 1% na renda média dos trabalhadores. Como se vê, eram absolutamente falsas as promessas de que a reforma trabalhista levaria à melhora do mercado de trabalho.
E a situação não irá melhorar, a expectativa de crescimento do PIB brasileiro foi novamente recalculada e encontra-se na casa de 0,8%, ou seja, um desempenho econômico completamente insuficiente para criar vagas de trabalho. Em franca desindustrialização, o PIB brasileiro, mas sobretudo a balança comercial, se apoia no setor extrativista. O agronegócio representa 25% do PIB brasileiro e é o principal responsável pelo saldo na balança comercial brasileira. Isso demonstra que corremos o risco de reafirmar a tendência que marca nossa formação histórica e retornarmos às primeiras décadas do século 20, nos tornando apenas área de extração de matérias-primas.
O governo, diante do atual cenário econômico desolador, acelera a locomotiva rumo ao precipício. A agenda de privatizações e retiradas de direitos, em especial a aposentadoria, produzirá efeitos ainda mais catastróficos. Aumentar a vida laboral da população como pretende a Reforma da Previdência, e desmontar o setor público da economia, em qualquer sociedade e tempo, é uma alavancagem para o desemprego e uma redução dramática da massa salarial, que afeta toda a economia. Soma-se a isso a desregulamentação da proteção do trabalho, desde o desmonte da fiscalização do trabalho até os mais recentes ataques às Normas Regulamentadoras (NR’s), que irão gerar o crescimento do contingente de vítimas de acidentes e doenças do trabalho.
Merece destaque o pequeno e médio negócio, que empregam de 1 a 5 funcionários, por serem completamente associadas ao consumo interno e corresponderem a 50% das vagas de trabalho formal no país. Sem massa salarial estas empresas irão quebrar.
Quando somamos o péssimo patamar de crescimento, a relevância que assume o agronegócio, tanto na econômica quanto no congresso nacional (bancada ruralista), e ainda o processo de privatização das estatais que aceleram a desindustrialização, corremos o risco de nos tornarmos uma “grande fazenda do imperialismo” durante o governo do fascista Bolsonaro.
Na educação, o governo Bolsonaro tem apostado na desidratação do setor. Cortes de verbas e perseguições ideológicas têm dado a tônica da política. Na educação técnica e superior, o estrangulamento causado pelo “contingenciamento” de recursos ameaça até mesmo a conclusão do semestre em algumas instituições. É necessária a liberação dos recursos contingenciados e a recomposição do orçamento do CNPq para a oferta de bolsas de pesquisa e contratação de professores, o fim das intervenções do MEC nas instituições de ensino públicas, especialmente no que se refere à nomeação de dirigentes.
O FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais em Educação), responde à redistribuição de recursos do Ensino Básico para Estados e Municípios. Pelo menos 60% deve ser utilizado com pagamento de professores. Precisamos fortalecer a luta no Congresso e na sociedade para que este fundo se torne uma política de estado permanente. O prazo de vigência do fundo atual é dezembro de 2020. Precisamos organizar uma proposta que solucione o problema da desigualdade entre as regiões mais pobres. O debate está colocado!
A estratégia do Governo Bolsonaro é nitidamente de saturação das forças organizadas do povo, seja partidos, sindicatos ou movimentos. É um ataque massivo aos direitos, ao patrimônio público e à soberania nacional, o que lhe permite condições de iniciativa uma vez que possui apoio no Congresso Nacional para este tipo de agenda. Como tática de defesa em relação ao caráter antipopular das medidas, o governo utiliza o diversionismo, ou seja, desvia o foco de atenção para outros assuntos, com menor valor estratégico mas com forte apelo; as declarações escandalosas de Bolsonaro são uma das ferramentas desta tática. Os operadores do diversionismo estão no núcleo ideológico do governo, formado por familiares e pelo próprio presidente. Não obstante eles pensem as barbaridades que dizem e gostariam de ter um mundo à imagem e semelhança do que falam, estes disparates cumprem também a função de controlar o fluxo do debate na sociedade.
O Governo se apoia principalmente em três cenários principais para desenvolver sua estratégia: as redes sociais, a mídia convencional e o Congresso Nacional. As redes sociais, por meio do diversionismo, criam uma avalanche de situações que saturam e dispersam as atenções além de, de forma direta e indireta, pautar a mídia convencional, que o ataca no aspectos secundários enquanto preserva a agenda econômica de interesse do grande capital e do imperialismo.
O cenário do Congresso é um tabuleiro de disputas compartilhado entre o Governo e outros atores, sob a liderança de Rodrigo Maia (DEM), que subordinou o Senado e tenta transmitir a ideia de uma liderança ponderada frente ao Presidente da República, mas no fundamental é o principal operador da agenda do Palácio do Planalto. As tensões existentes entre o presidente da Câmara dos Deputados e o Executivo são parte da luta pela sucessão no governo nos próximos anos, ao passo que Maia já vai se consolidando como uma espécie informal de primeiro ministro. O governo articula-se no Congresso por meio do seu núcleo econômico, sob a liderança de Paulo Guedes, que está em sintonia com o presidente da Câmara.
Do ponto de vista prático, é o núcleo jurídico-policial, sob a liderança de Sérgio Moro
que procura bloquear os setores populares mobilizados no cenário das ruas. Utilizando do aparato policial e a intensificação do direito penal sobre lideranças e movimentos, tenta comprimir a margem de manobra das entidades populares e sindicais, as criminalizando. O pacote anticrime, elaborado no Ministério da Justiça, é uma iniciativa de criar uma retaguarda legal para esta estratégia. Além disso, reforça e aprofunda o processo de criminalização da pobreza e o genocídio da juventude negra e periférica.
Sérgio Moro e a operação Lava Jato são os maiores expoentes da politização conservadora de parte expressiva do judiciário que disputa para tutelar as instituições e reduzir a democracia. As revelações da Vaza Jato deixam explícitas as motivações políticas e as ilegalidades cometidas na operação, inclusive na prisão de Lula. Nesse sentido, segue legítima a campanha pela liberdade de Lula, pela anulação das arbitrariedades e ilegalidades da Lava Jato e pela saída de Moro do Ministério da Justiça, assim como a necessidade de combater a interferência do judiciário na política brasileira.
Neste sentido, a correlação de forças é desfavorável no cenário principal dos acontecimentos, o Congresso Nacional, onde ocorre a tramitação de uma agenda lesiva ao povo e à soberania nacional. No entanto, um embrionário sentido de resistência tem tomado forma, em especial na juventude. O isolamento internacional do governo é um ponto que merece destaque, sendo este chacota internacional, o governo se fragiliza, o que pode gerar oportunidades futuras para seu condicionamento e obstrução. No entanto, o risco é sempre o dia seguinte, quando parte do governo pode se deslocar retoricamente para uma posição mais moderada na perspectiva de assumir o controle de fato do governo, como parece ser uma aposta do núcleo militar do executivo, coordenado pelo vice-presidente Mourão.
O momento é oportuno para se fazer o debate de horizonte estratégico com a classe trabalhadora e com todo o povo oprimido. O ciclo de governos progressistas na América Latina demonstraram que o projeto nacional que não avança na direção de criar as bases de uma sociedade nova, que tenha no povo o seu protagonista, está fadado a não reunir condições de resistência contra o imperialismo e as elites domésticas que lhe são associadas. Os projetos que resistem, como na Venezuela e Bolívia, foi porque avançaram na direção de criar as bases de um novo poder.
O capitalismo é cada vez mais contraditório com regimes democráticos, mesmo que limitados, restrito ao processo eleitoral. Esta contradição se expressou em conflito aberto contra governos progressistas em nosso continente. No caso brasileiro, contra o governo do Partido dos Trabalhadores, que por não ter um projeto que se orientasse para além da ordem estabelecida, não estabeleceu uma linha de resistência e demarcação à Lava-Jato, fragilidade que cobrou seu preço. O golpe de 2016 retirou Dilma, a mídia em conjunto com a gangue do judiciário de Curitiba prendeu Lula e criou as condições para a vitória eleitoral da extrema direita no Legislativo e no Executivo. Logo, as ilusões devem ser abandonadas, o imperialismo e a Casa Grande brasileira não tem nenhuma disposição em conviver com as liberdades democráticas e o combate às desigualdades no país. Esta lição deve ser entendida.
Agora começa a diminuir a crença popular na capacidade do governo da direita em resolver problemas do país, até porque as teses deles eram todas falsas. É necessário reafirmar e defender um programa de reformas estruturais no qual o povo trabalhador e as massas populares sejam de fato os protagonistas.
Diante da situação, é necessário estabelecer um eixo de resistência do povo brasileiro que considere o desgaste da tática do governo e faça o combate à agenda parlamentar regressiva.
Neste sentido, carecemos de reforçar a tática anti-diversionista, que concentre forças e denuncie os aspectos principais do projeto de Bolsonaro. Não basta a crítica moral ao presidente e ao governo, é necessário fazê-la de forma a denunciar o centro da estratégia, a redução de direitos e da soberania.
No Congresso, cabe a pressão parlamentar insistente e organizada, mas que deve se transformar em uma pedagogia de massas. Ou seja, a pressão física e nas redes sobre os parlamentares deve ser uma tarefa a ser ensinada ao povo, mas só em escala massiva será possível algum resultado efetivo.
Continuar o processo de mobilização é fundamental, fazendo o combate nas ruas como forma de pautar o debate nacional. É necessário que nossa atuação nos atos não seja apenas demarcatória, é preciso enviar uma mensagem prática para as pessoas que participam. Não basta que nossos materiais e nossas falas esclareçam sobre o conteúdo da agenda bolsonarista, é preciso uma atitude pedagógica que aponte para o que deve ser feito, ou seja, o desgaste da capacidade de movimentação do Executivo e do Congresso Nacional. A luta agora deve ser jogada em diferentes cenários, para que tenha efetividade e tenha condições de ganhar uma escala de massas.
– Contra o fim da aposentadoria (PEC 06/2019);
– Contra a PEC 06/2019 e o fim da aposentadoria;
– Pelo fim do contingenciamento das verbas da Educação, em defesa do FUNDEB e contra a farsa representada pelo Future-se;
– Contra o ataque às Normas Regulamentadoras de Saúde e Segurança do Trabalho (NRs).
São Paulo, 01 de setembro de 2019
Direção Nacional da Intersindical Central da Classe Trabalhadora
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