Um espectro ronda o Brasil: o da terceirização total, não só das atividades-meio, como já existe, mas também das atividades-fim, como propõe o projeto de lei nº 4.330, do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO).
Sua justificativa é singela: “A empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal e na melhoria da qualidade do produto ou da prestação de serviço”. Mas a propositura é eivada de falácias, como vamos indicar neste espaço.
Primeira falácia: a terceirização cria empregos. Como hoje temos aproximadamente 12 milhões de terceirizados no Brasil, ela cumpriria papel de relevo na ampliação do mercado de trabalho.
Mas esse argumento omite que os terceirizados têm jornada de trabalho em média bem maior do que o conjunto dos assalariados contratados sem tempo determinado.
Assim, o que ocorre é que onde três trabalham com direitos e por tempo não determinado, aproximadamente dois terceirizados acabam por realizar o mesmo trabalho, padecendo de maior intensificação e jornadas mais longevas. Desse modo, em vez de efetivamente empregar, a terceirização desemprega.
Segunda falácia: os terceirizados percebem salários, assim devem agradecer pelo emprego que obtêm.
Mas esse argumento “esquece” que os salários dos terceirizados são bem menores do que os dos demais trabalhadores, especialmente os que estão na base da indústria e dos serviços.
O que as pesquisam mostram, quando realizadas com rigor científico, é que os terceirizados trabalham mais e recebem menos.
Terceira falácia: os terceirizados têm direitos. Esse argumento omite que é exatamente neste âmbito das relações de trabalho que a burla e a fraude se expandem como praga. E quanto mais na base da pirâmide estão os assalariados terceirizados, maiores são as subtrações.
Bastaria dizer que, na Justiça do Trabalho, há incontáveis casos de terceirizados que não conseguem nem sequer localizar a empresa contratante, que não poucas vezes desaparece sem deixar rastro.
Muitos terceirizados estão há anos sem usufruir as férias, pois a contingência e a incerteza avassalam o seu cotidiano.
E, vale lembrar, só uma minoria consegue ir à Justiça do Trabalho, pois o terceirizado não tem nem tempo nem recurso e quase sempre carece do apoio de sindicatos para fazê-lo. E sabemos que, nos serviços, setor no qual se expande celeremente a terceirização, viceja também a ampla informalidade e a alta rotatividade.
Quarta falácia: terceirizar é bom, pois “especializa” e “qualifica” a empresa. Mas seria bom explicar por que essas atividades terceirizadas são as que frequentam com mais constância as listas de acidentes de trabalho. E mais: no serviço público, elas não raro aumentam os custos, sendo fonte inimaginável de corrupção.
Bastaria lembrar as empresas terceirizadas que fazem a coleta do lixo urbano. E a brutalidade sem limites que é ver um trabalhador correr como louco atrás dos caminhões para manter as “metas” e a “produtividade” na coleta privada dos lixos nas cidades.
O essencial que o PL 4.330 tenta esconder, em meio a tantas falácias, é que a terceirização, especialmente para os “de baixo” que não dispõem do capital cultural que sobra aos estratos superiores, têm dois objetivos basais. Primeiro, reduzir salários, diminuindo direitos. Segundo, e não menos importante: fragmentar e desorganizar ainda mais a classe trabalhadora, agora convertida em classe “colaboradora”.
Se aprovado esse PL 4.330, ele terá um efeito erosivo ainda maior na nossa já gigantesca falésia social
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RICARDO ANTUNES, 60, é professor titular de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor de “Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil” e “Os Sentidos do Trabalho”
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