O mar de lama tóxica despejado pela mineradora Samarco/Vale/BHP fez mais que matar gente, rio, toda uma biodiversidade e deixar centenas de milhares de pessoas sem água. Ele desnuda o caráter privatista e transnacionalizado do Estado brasileiro, dada sua omissão e conivência diante do maior crime ambiental do país e a insistência dos governos em aprofundar nossa dependência a partir da radicalização do padrão exportador de especialização produtiva de nossa economia.
No dia após a tragédia, o governador de Minas, Fernando Pimentel, deu a primeira coletiva de imprensa dentro da Samarco (!). Dilma, que se manifestou perante os atentados na França em duas horas, levou seis dias para dar uma declaração e dizer que estava esperando a apuração dos responsáveis (!). O Governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, levou quatro dias para se manifestar e assumiu um clima de “campanha do agasalho”, apelando para a solidariedade do povo capixaba para doar água como se fosse uma catástrofe natural, sem sequer citar o nome da empresa Samarco (!).
No dia 25 de novembro, 20 dias após a tragédia, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou, por 57 votos contra 9, em turno único e com regime de urgência o PL 2946 que flexibiliza os licenciamentos ambientais. No mesmo dia, a Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado aprovou o PL 654/2015 de Romero Jucá que segue para o plenário do Senado e que “Dispõe sobre o procedimento de licenciamento ambiental especial para empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos e de interesse nacional”, ou seja, destacadamente empreendimentos de grande porte. Além do Novo Código da mineração, relatado por Leonardo Quintão, deputadofinanciado pela mineração e que se movimenta para acelerar sua aprovação em favor das grandes mineradoras.
Enquanto isso, os moradores de Bento Rodrigues e Paracatu seguem reféns da Samarco e a tentativa de se estabelecer uma mesa de negociação (!) instituída pelo Estado de Minas por meio do decreto 203/2015 para um fim absolutamente diverso (a mesa foi instituída para tratar de conflitos fundiários). No mesmo sentido, seguem os moradores de Mariana e os trabalhadores da Samarco, pois a empresa chegou a afirmar por meio denota que não pagaria os salários, sendo essa uma chantagem constante que paira no município (!). Tudo isso num jogo de empurra entre empresas, governos, judiciário e grande mídia com a finalidade de, ao fim e ao cabo, “só restar” a alternativa da empresa voltar com a extração nos mesmos termos, sob o argumento que a região precisa da atividade, a despeito de qualquer coisa.
O “azar” do povo de Bento Rodrigues, Paracatu, Mariana e da Bacia do Rio Doce é que eles são “apenas”… um povo. Porque se fossem uma família ricassa, o Estado estaria a postos, a exemplo da agilidade do Banco do Brasil em comprar o banco Votorantim de Antônio Ermínio no ano de 2009 pela bagatela de 4,2 bilhões (!) e salvar a família ricassa da quebra no contexto da crise mundial.
Por essa razão, resumir o debate a estatizar ou não o setor mineral é limitado, pois o que está por trás é um Estado que organiza e executa a perpetuação da dependência, seja sob o manto do público ou do privado.
É verdade que a Petrobras não poderia lançar um mar de lama tóxica, mas ela comete crimes que também lesam a pátria, a exemplo de constantes denúncias de despejo de lixos radioativos gerados pelo Pré-Sal. Não se trata de negar que há interesses ainda mais privatistas em seu controle capitaneados pela mídia gringa do Brasil, mas é inegável também que a Petrobras integra as engrenagens do subdesenvolvimento sob um modelo econômico que há 515 anos está voltado para fora, alheio aos interesses da maioria da nossa gente.
O que está em questão é a nossa capacidade de construir um projeto soberano que desmonte a supremacia das multinacionais e dos monopólios, que lucram na saúde ou na doença, na riqueza ou na pobreza. E a tragédia de Mariana é emblemática, pois se antes a Samarco seguia realizando bilhões impunemente, em meio à tragédia não faltará Nestlé ou Coca-Cola para nos vender água engarrafada a dois ou três reais, nem faltará business ambiental para os tais projetos de revitalização, nem grandes construtoras para lucrar nas reconstruções, nem nada para lucrar neste grande negócio chamado Brasil.
Que a lama de morte nos gere mais do que perdas e devastação. Que ela sirva para nos lançarmos a um grande movimento social e político que realize a vocação de liberdade dessa nossa pátria mãe gentil, a pátria amada e historicamente saqueada, Brasil (!).
*Sammer Siman é militante das Brigadas Populares, economista e mestrando em Política Social (UFES)
Fonte: Brasil em 5
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