A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que tem como tema “Cerrado, Berço das Águas: Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”, foi lançada durante coletiva de imprensa, nesta terça-feira (27), na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),em Brasília. A atividade serviu para apresentar a campanha e debater os riscos que o avanço de grandes projetos e setores econômicos agressivos, como o agronegócio e a mineração, causam aos povos e comunidades tradicionais deste bioma e ao meio ambiente.
Na ocasião do lançamento, foi apresentado também o site da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que pode ser acessado no endereço www.semcerrado.org.br. No endereço, será possível acessar os materiais e assinar um boletim para acompanhar as novidades da articulação e apoiar a campanha.
Particular por sua riqueza e sua diversidade e conhecido como “Berço das Águas”, a importância do Cerrado permanece desconhecida por grande parte das pessoas no restante do Brasil. Abrangendo 22% do território nacional, é no Cerrado que se situam os aquíferos do Guarani, Bambuí e Urucuia, responsáveis pelo abastecimento de grandes bacias hidrográficas, como a do Araguaia-Tocantins, São Francisco e Paraná.
O bioma que incide sobre os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, São Paulo eDistrito Federal, além de faixas nos estados do Amapá, Paraná e Pará, abriga mais de 12 mil espécies de plantas catalogadas, quase a metade das quais exclusivas da região.
Além da riqueza de flora e fauna, o Cerrado é a casa de pelo menos 80 povos indígenas, além de dezenas de outros povos e comunidades tradicionais, que mantêm uma relação especial de integração e pertencimento com seus territórios ao longo deste bioma.
A pressão do agronegócio sobre o Cerrado, entretanto, coloca sob ataque os territórios dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, ameaça diversas espécies animais e vegetais e põe seu papel de “caixa d’água do Brasil” em risco, sendo esta uma das motivações para a ênfase da campanha na questão hídrica.
“A água está sendo cada vez mais transformada numa mercadoria. A água não tem valor econômico, para as comunidades, para os povos e para nós, humanos, ela é um recurso que a gente utiliza. Mas sabemos muito bem que no Brasil, e não só nele, a disputa pelos território é também a disputa pela água”, afirmou Isolete Wichinieski, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma das 36 entidades, entre movimentos sociais, organizações e entidades religiosas, que participam da Campanha, inclusive o Cimi.
Ainda que a pressão sobre as comunidades e povos do Cerrado advenha de um mesmo modelo de desenvolvimento econômico, ela é sentida e vivenciada de formas diferentes ao longo de seu extenso e diverso cenário.
Elson Canteiro Guarani Kaiowa (foto acima), liderança do tekoa – lugar onde se é – Kunumi Vera, no Mato Grosso do Sul, falou durante o evento sobre a realidade enfrentada pelos Guarani e Kaiowá naquele estado, marcada por ataques paramilitares e mesmo ataques químicos com agrotóxicos contra as comunidades indígenas.
“O nosso cerrado, no Mato Grosso do Sul, está totalmente destruído, devido ao avanço dos invasores do agronegócio sobre as terras indígenas. Temos sofrido muitos ataques e, além de termos pouca mata que ainda resta, ela continua sendo destruída, e isso nos prejudica muito, porque muitas comunidades indígenas ficam impedidas de utilizar os remédios tradicionais”, afirmou Elson, que vive na retomada onde, em junho de 2016, um indígena foi morto e pelo menos outros seis foram feridos a tiros durante o Massacre de Caarapó.
“Nós respeitamos a natureza porque para nós, indígenas, não é a natureza que faz parte da nossa vida, nós é que fazemos parte da vida da natureza”, sintetizou o Kaiowá.
Pedro Piauí, camponês do município de Campos Lindos, no Tocantins, ressaltou o fato de que as investidas sobre o Cerrado e os territórios dos povos e comunidades tradicionais serão sentidas também nas cidades. “Além da comida com veneno, vai faltar água. Nós sabemos que o governo quer lucro, ele não quer vida. Ele quer privatizar todas as coisas que são bens de todos. Aí falam em desenvolvimento, mas eu pergunto: que desenvolvimento é esse, que acaba com a família, com a caça, com a água, com a sua vegetação natural?”, questionou.A antropóloga Mônica Nogueira, da Faculdade UnB Planaltina, ressalta a força que têm tido os povos indígenas e as comunidades tradicionais na defesa do Cerrado.
“Infelizmente, essa é uma região ainda bastante desconhecida, quando não inferiorizada, e por consequência os seus povos também. Há uma dificuldades de reconhecer a identidade desses povos. Há quem diga que isso pode ser um eco, ainda, da nossa história de colonização, em que os interiores do país sempre foram vistos como um ‘sertão’, em oposição ao litoral, que seria o espaço da nova civilização brasileira emergente, enquanto o sertão seria um lugar de bárbaros, selvagem, que deveria ser dominado e colonizado”, problematiza a antropóloga.
O desmatamento e o desaparecimento cada vez mais intenso de rios e nascentes – uma média de dez por ano, conforme destacam os materiais da Campanha – são algumas das consequências já sentidas no Cerrado em função da recente expansão do agronegócio na região. Estas situações podem ser agravadas ainda mais pelo programa Matopiba, um plano de expansão da fronteira agrícola sobre o Cerrado, capitaneado pelo governo federal e criado ainda sob a gestão de Kátia Abreu no Ministério da Agricultura.
Na área de 73 milhões de hectares abrangidos pelo programa nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, existem 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação ambiental, 865 assentamentos rurais e 34 territórios quilombolas – sem contar os territórios dos povos indígenas e quilombolas que ainda estão em processo de demarcação, titulação ou que poderiam servir para a reforma agrária, os quais o Matopiba pretende ceder para o agronegócio.
Definido pelos povos indígenas e comunidades tradicionais como um projeto de destruição, o Matopiba tem como um de seus principais atrativos aos investidores internacionais, justamente, a abundância de água para a irrigação de monoculturas voltadas à exportação.
“Sem água não tem vida pra nós, não tem vida pros animais, não tem vida pros orixás, porque eles também vivem da água”, afirma a quilombola Zilmar Pinto Mendes, do quilombo Charco, no município de São Vicente Férrer, integrante do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom). “Nós temos que lutar, para defender a água, a vida e o nosso território”.
Fonte: CIMI
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