“#SOMOS70PORCENTO” – entrevista exclusiva com Eduardo Moreira

Imagem: Comunicação da Intersindical
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O economista Eduardo Moreira concedeu entrevista para o secretário-geral da Intersindical, Edson Carneiro Índio, na qual  analisa a atual crise brasileira e expõe as base da campanha #Somos70porcento. 

Índio: Temos um quadro econômico e sanitário grave no país, além do desempenho econômico e já vinha mal, agora temos uma onda de desemprego agravado pela pandemia. Qual é a sua avaliação sobre este quadro? Quais são os possíveis caminhos para a economia brasileira superar esta situação?

Eduardo Moreira: O Brasil não estava decolando, como dizia Paulo Guedes, o Brasil estava tendo a chamada retomada Econômica desde 2016, como é bom  lembrar que em  2015/2016 o PIB brasileiro caiu mais 7%, e se você for olhar todas as últimas retomadas econômicas que a gente teve depois da crise de 2008, esta é menos de ⅓  das outras duas retomadas. Ou seja, uma retomada econômica pífia,o crescimento estava se dando em torno de 1%, se você imaginar que a população cresce também mais ou menos isso, você ia ver que não tinha crescimento nenhum. Só que além de não estar crescendo, o governo está lapidando tudo que é público, as empresas, os recursos naturais, nossas reservas estão sendo vendidas; ou seja, tudo aquilo que é de todo mundo está sendo dilapidado. Isso coloca as pessoas no desemprego, a renda média do trabalhador diminuiu. Aqui está o dado mais impressionante deste período, entre 2012 até 2019, o PIB brasileiro é negativo, se descontarmos a inflação, e os bilionários passam a ter juntos 250, 300 bilhões de reais para ter um trilhão e 250 milhões de reais, ou seja eles enriqueceram um trilhão de reais no período onde o PIB diminuiu e o pobre ficou mais pobre. Como é possível isso? É possível porque a concentração de renda aumentou muito no Brasil. É como se a gente tivesse dividindo uma torta,  a torta ficou menor, as fatias destinadas aos pobres ficou menor de uma torta menor, e os ricos, mesmo com o bolo menor, ficaram com um fatia quatro vezes maior. 

Eu divulguei um relatório no começo desta crise, no dia 13 de março, no qual constava uma análise muito criteriosa sobre o risco da pandemia, que colocava a possibilidade de um número enorme de contágio e um número sem precedentes de pessoas que iriam morrer caso os governos não adotasse medidas drásticas de isolamento social. Isso porque os sistemas de saúde entrariam em colapso, caso nada fosse feito. Aconteceu exatamente o que o relatório concluiu. Países como a Nova Zelândia e a China, que acreditaram na ciência, conseguiram proteger suas populações. No Brasil virou uma conspiração da esquerda, disseram que “esse negócio da crise é uma gripezinha”,  “tão querendo se aproveitar da crise para gerar instabilidade”.  O Brasil é o lugar no mundo com maior proporção de contágio e de óbitos. Um dado importante, as pessoas que estão morrendo por síndrome respiratória grave no Brasil, que não é considerado Covid-19, aumentou em 20 vezes, mas a gente sabe que é por causa do Covid-19, porém não estão sendo registrados.  Aí o que que esse governo faz? O governo, no primeiro dia, vem com um pacote trilionário  para os bancos. Eu te pergunto: você ouviu falar de algum banco ou corretora que abriu a boca para reclamar desde o começo dessa crise? Eu nunca vi isso, não teve. Enquanto isso as pessoas estão fazendo fila na porta da Caixa Econômica. 

As pequenas empresas, que o governo falou  que iria liberar um pacote  de 40 bilhões,  não deu certo, não chega nas empresas, porque o banco pede uma garantia que o dono da empresa não tem como oferecer. Não abriu uma linha de crédito de fato, e com isso as pessoas estão perdendo um patrimônio que demoraram 30 anos para construir. E aí, de repente, tudo jogado fora,  toda uma história de trabalho sendo perdida porque um governo, que não tem essa sensibilidade  com as pessoas, não fez o mínimo, criar condições de uma linha de crédito que realmente funcione. 

Nessa crise, não era para a gente ter exigido mais dos bancos? Quando os  bancos pediram aquele  trilhão, não era o momento de ter exigido contrapartida? O sistema bancário poderia ser nacionalizado durante algum tempo, para que o dinheiro fosse entregue para quem precisa. Poderia ter aumentado os impostos sobre os banqueiros, já que não são produtivos, poderia proibir o empréstimo de dinheiro acima de 10% ao ano, já que a taxa de juros é de 3%. Seria mais do que justo cobrar contrapartida sobre este  trilhão liberado pelo governo. Mas o que foi cobrado? Nada. Enquanto isso o Bradesco anunciou o lucro de 3 bilhões de reais este ano, isso porque ele fez uma provisão, dizendo que iria perder 3 bilhões mas a frente, não irá perder nada, na verdade ele lucrou 6 bilhões, mas fica chato dizer isso nos tempos atuais. 

Índio: Qual é papel do Estado diante da pandemia e da crise econômica? Qual e a importante colocar dinheiro na mão das famílias? 

Eduardo Moreira: As pessoas têm que entender o que que o estado; se pensam geralmente que o estado é uma pessoa, eles personificam o estado, é corrupto, o estado perdeu dinheiro ou ganhou dinheiro, etc. O estado não é isso, o estado é um realocador das riquezas geradas por um grupo social, é um definidor de regras de redistribuição de recurso presentes em uma terminado coletivo de pessoas, no caso o país. Neste sentido o estado é a parcela de paz na sociedade e a iniciativa privada é a parcela de guerra, porque no sistema capitalista, os agentes econômicos disputam o tempo todo, entre si, partes da riqueza que é produzida. 

No Brasil, a carga tributária é de ⅓ do PIB, ou seja, um terço da riqueza produzida em um ano no país e destinada para realocação. Esta carga tributária é alta ou baixa? Depende, o número por si não diz nada, é preciso saber para onde este dinheiro está sendo realocado. No caso do Brasil, temos dois problemas, os tributos incidem majoritariamente sobre o consumo, então atinge mais os pobres e a classe média, que gastam praticamente tudo que recebem imediatamente, já os ricos, por receberem muito, acabam por não consumir, eles guardam isso, concentram, e este dinheiro deixa de circular na economia real. Por outro lado, a parte recolhida pelo estado é distribuída de maneira desigual também, pois boa parte do que é arrecadado vai parar nas mãos dos banqueiros. Este é o sistema desigual que nós temos no país, e que acaba por gerar mais injustiça. 

Então quem é pobre, quem é classe média, quem ganha R$ 1000 até 10 mil por mês paga mais imposto do que o bilionário, justamente porque consome o que ganha, enquanto o bilionário concentra o que ganha, porque pode concentrar, porque ganha mais do que é possível consumir. No Brasil, quem ganha menos paga mais imposto, por causa do imposto sobre consumo, mas também por causa do imposto de renda descontado na fonte, que no caso é cobrado em especial na folha de pagamento do assalariado. O Imposto para você pegar de verdade é sobre a renda, você entra no site do Ministério da Economia hoje e vai ver a lista dos países do mundo que mais cobra Imposto de Renda,  o Brasil está lá nos últimos lugares, então acontece que o pobre paga muito imposto e por isso ele tem raiva de imposto, com razão,  o milionário praticamente não paga imposto nenhum,  porque ele é o dono do poder político, paga muito pouco. Se fala o seguinte, “no Brasil se paga muitos impostos colocando todos os impostos no saco só numa sexta só que fazem vamos baixar os impostos”, balela. Nesta Reforma tributária que foi apresentada pelos grupos econômicos, os maiores do Brasil, não prevê alterar nada deste sistema.

Nos Estados Unidos, depois da segunda guerra mundial, a cota máxima de Imposto de Renda  era de 94%, na Inglaterra 98%, e aqui no Brasil se acha absurdo pagar 27,5% de valor máximo. Veja bem, em países capitalistas, se tinha um ação do estado para limitar a concentração de riqueza de pessoas milionárias. Isso foi importantíssimo para o desenvolvimento destes países. Foi justamente nesta época que se avançou os direitos civis nos EUA, as mulheres passaram a votar, etc. Isso é uma lição importante.

Índio: Alguns economistas estão defendendo que é necessário imprimir moeda para fazer com que o fluxo econômico volte a acontecer. O que você acha desta proposta?

Eduardo Moreira: Este procedimento tem um efeito técnico.  Ou seja,  a economia pode ser entendida como se fosse uma máquina, se ela está funcionando mal, se pode usar o dinheiro para fazer ela voltar a funcionar. Mas é preciso ter cuidado, hoje em dia o dinheiro não exatamente aqui que era a décadas atrás, com o padrão-ouro, hoje ele é um direito proporcional ao que se tem de excedente de produção. Se a economia está no talo, e as pessoas consomem exatamente o que se produz, imprimir dinheiro não alteraria absolutamente nada.  Porém se há margem, pode funcionar, no sentido de criar uma margem para os fluxos econômicos voltarem a acontecer, poderia dinamizar as relações de troca e com isso criar condições para mudar a proporção de direito de cada um sobre o excedente econômico, porém é preciso ter cuidado, justamente pelo que falamos anteriormente, não adianta imprimir dinheiro se ele for parar nas mãos dos que já tem muito dinheiro. 

Índio: Lembrando que a taxação da renda dos 27,5 % recai igualmente sobre quem ganha R$4.700,00 até o diretor do banco que eu trabalho que ganha mais de um milhão de reais. 

Eduardo Moreira: Às vezes o diretor do banco que você trabalha ele consegue ficar sócio do banco e aí, na verdade para ele é zero, porque ele recebe como dividendo. Mais de 70% do dinheiro dos 10% de pessoas mais ricas do Brasil é recebido como dividendo. Só Brasil e na Estônia é que a alíquota de imposto sobre dividendo é zero. Então se você acha que o mundo está injusto com você e quando você souber que o cara mais rico do Brasil paga zero sobre o que ele põe de dinheiro no bolso, daí você terá ainda mais razão para se sentir injustiçado.

Índio: Nos vemos nas pesquisas que o governo tem o apoio de 30% da população, os outros 70% estão, mesmo que ainda de maneira pouco articulada, em oposição a este governo. Você teve a sensibilidade de propor então esta campanha #Somos70porcento. Gostaria que você falasse um pouco mais sobre isso.

Eduardo Moreira: De todos que estão discutindo comigo até agora por você foi o cara que definiu  melhor a história. Você fez uma constatação, olhou para as pesquisas do Datafolha e percebeu que 70% é a favor do isolamento, 67% é contra essa negociação com o centrão,  72% é contra estas frases que incentivam o armamento da população. Eu também fiz isso,  fiz a hashtag falando para gente parar de agir como se a gente fosse 30%, como se a gente fosse o que eles são. Nós somos 70%, precisamos demonstrar essa força e esta opinião. A gente não se posiciona mais politicamente. Não precisa ter medo não, somos a maioria, somos 70%. Foi daí que veio a ideia. Vamos resgatar esse nosso lugar, a maioria deve ser ouvida, a minoria também, mas é absurdo a minoria calar a maioria. Isso significa juntar todo mundo? De jeito nenhum, eu quero ter o direito de brigar dentro destes 70% que pensam diferentes sobre muitas coisas, mas que neste momento é contra o que o governo está fazendo. Eu quero, dentro das regras democráticas, disputar dentro dos 70%, com aqueles que pensam diferente sobre a questão dos impostos, dos direitos trabalhistas, e tudo mais. Eu quero ter o direito de discutir, os 30% não querem discutir, eles querem impor a visão deles, eles querem a loucura, eles querem a Terra plana, ele querem o medo. Mas gente não pode deixar isso acontecer, os 70% precisam resgatar a percepção real que somos a maioria. É nisso que consiste a campanha. 

Índio: No momento em que ele avança sobre as instituições, sobre a democracia é preciso retomar a percepção de que a sociedade brasileira não apoio este tipo de prática. Muitos analistas estão apresentando análise em relação ao método do governo, que é o método de difundir o medo. Eles não estão improvisando, tem uma tática sustentando o que o governo está fazendo. 

Eduardo Moreira: Eles estão amparados por um esquema forte nas redes sociais, eles tem muito dinheiro para fazer isso, então eles criam a falsa percepção de maioria através do medo e através dos milhões de robôs que ele tem. Só que é o seguinte, quando a gente começou a fazer esta campanha dos 70%, todo mundo começou a falar, daí começou a faltar robô. É isso, o que a gente precisa fazer é começar a falar, fazer faltar robô. Por que você não vê robô andando na rua, robô não te liga para bater um papo contigo no telefone e os  70% te liga, você vê, se expõe. 

Índio:  Queria que você, nas considerações finais, falasse um pouco sobre a quela famosa reunião ministerial. Nos parece que é gravíssima, pelo que foi dito e mais grave ainda pelo que não foi dito. Não se falou nada sobre a pandemia, sobre a morte de pessoas, sobre o desemprego, sobre planos para enfrentar a crise econômica e política. Queria que você falasse da sua avaliação, em especial acerca do Paulo Guedes, que no meio da reunião desmoralizou até mesmo os generais.

Eduardo Moreira: O Paulo Guedes é tão vaidoso, tão prepotente, ele se acha tão melhor do que os outros, que ele vive no mundo de Paulo Guedes. Então ele não mede as coisas que ele fala, ele acha que está acima da Lei, bem e do mal. Então a gente consegue saber exatamente como ele pensa e ao entender como ele pensa a gente acaba sabendo como é que boa parte da elite pensa. Falo de parte da elite, porque eu sou um cara que também viveu uma vida inteira numa bolha e em um dado momento eu acordei para ver que eu era o vilão. Eu defendia tudo aquilo que eu critico agora, mas na época eu não conseguia enxergar. Eu não julgo que me critica por este passado, porque eu também critico, eu só consigo lidar com quem eu sou hoje. Agora o Paulo Guedes mostra como essa turma que tá do lado de lá enxerga as coisas. Não foi ele que disse que tinha de acabar com este negócio de  empregada doméstica ir para  Disney? É isso que eles pensam.  Ele falou que tem de colocar tem de abraçar e colocar uma granada no bolso das empresas públicas. Olha só Índio, quando você abraça uma pessoa e põe uma granada no bolso, o que  vocês está falando sobre você mesmo nesta frase? Uma pessoa abraça e coloca uma grana no bolso de outra é um covarde, um traidor, um mentiroso, um dissimulado. Não é uma pessoa que enfrenta com coragem a outra pessoa, que encara a briga justa, é alguém que pede o outro para baixar a guarda e com um gesto de afeto o expõe a um traição, uma granada no bolso. Me perdoe, mas quem faz um negócio desse não vale nada.

ASSISTA À ENTREVISTA COMPLETA AQUI:

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