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Berna Menezes: “Para construir uma nova saída, temos que retornar às ruas, mobilizados. Não só uma saída eleitoral, porque o Estado está amarrado”

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Integrante da Direção Nacional do PSOL, líder sindical, Coordenadora da ASSUFRGS/Sindicato, FASUBRA e da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora e do Conselho Político do Front – Instituto de Estudos Contemporâneos, a historiadora Berna Menezes é a terceira entrevistada da série sobre a crise do Rio Grande do Sul.

O Rio Grande do Sul foi um dos primeiros estados a construir um caminho próprio voltado para o desenvolvimento econômico e social, na primeira República. Em que momento este projeto foi abandonado e por quê?

De fato com o fim da escravidão o Rio Grande do Sul, por uma conjugação de fatores seguiu um caminho diverso do restante do país. A indústria em Porto Alegre, expansão da fronteira agrícola ao noroeste do estado, a pequena propriedade somada a pecuária tradicional transformou o RS em um pólo exportador. Através de uma economia mais diversificada e descentralizada gerando superávits e auto suficiência econômica. Esse projeto não foi abandonado. Ele foi substituído, ou melhor, perdeu para a concorrência. Contraditoriamente pela política de um gaúcho. Com a ascensão de Vargas em 30, se inicia um projeto de industrialização centrada no sudeste brasileiro, que se torna muito mais competitivo pela maior produtividade e menor custo de produção. Na década de 20 por exemplo, mais de 50% dos grandes estabelecimentos industriais(mais de 100 trabalhadores) eram gaúchos. Em 1940, passou a 1/3.

Nos últimos anos, a economia gaúcha organizou-se quase que definitiva e exclusivamente para a produção do agronegócio exportador que, por um lado, tem pouco valor agregado e, por outro, é isento de tributação pela Lei Kandir, logo não compartilha crescimento com o restante do Estado. Ainda, há um Estado dilapidado por privatizações e endividado nacionalmente, portanto, sem condições ideais de intervir como agente de desenvolvimento. Como e qual modelo de desenvolvimento construir nestas condições? Ou como superar este círculo vicioso?

Se quisermos encarar com seriedade a saída econômica para o Rio Grande do Sul, temos que discutir dois temas: o primeiro é o falso endividamento e segundo a questão da lei Kandir. No caso da dívida, começa pelo debate sobre o índice, que em 2014 quando ocorreu a substituição do IGPDI pelo IPCA, não se alterou desde o início da dívida e sim a partir de 2014. Só para se ter uma idéia do prejuízo ao estado, de 99 a 2014 GPDI teve uma variação de 275% e pelo IPCA seria de 178%. Além disso, há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, acolhida pelo Supremo, mas que Gilmar Mendes deu um prazo para a União fazer a correção a favor dos Estados, de mais doze meses e depois disso não se toca mais no assunto. Se fosse aplicada a correção a União estaria devendo ao RS 5 bilhões e não seríamos devedores e sim credores. O mesmo passa em relação a Lei Kandir. Pois ela isenta as exportações, mas a União deveria garantir uma compensação, que não é feita. Esse conjunto de medidas mantém o Estado refém do rentismo ao qual o Estado brasileiro está atrelado.

Porto Alegre foi um berço de think thanks liberais desde a década de 80, influenciando muitos dos novos movimentos liberais de hoje. Também já foi a vitrine do projeto petista, cujo auge foi o Fórum Social Mundial. Considerando ainda que a tendência político-eleitoral do estado não adere a extremos alterando-se, ora a esquerda, ora a direita. Quais seriam os projetos e respectivas forças políticas em disputa hoje no RS?

Isso não é bem assim. Porque a Tradição Gaúcha que vem do positivismo, do Estado como estimulador da economia, está presente na própria história, na cultura do Estado do Rio Grande do Sul que ainda sobrevive até hoje. Foi o que gerou movimentos como o tenentismo, o trabalhismo, a Coluna Prestes e o próprio nacionalismo do período Vargas, tem muito peso dessa cultura da política gaúcha. Eu vejo que sobrevive inclusive em parte da Elite gaúcha, mas principalmente em setores médios esta cultura, essa visão de Estado.

Esses setores estão aguardando uma coisa diferente porque os projetos que já tiveram aí nesse quadro de crise econômica internacional não dão conta da nova realidade. Existe um arcabouço legal que impede qualquer medida que rompa com o modelo neoliberal. Nós já falamos da lei Kandir, mas ainda temos a lei de responsabilidade fiscal, a PEC do teto que impede qualquer visão que esteja por fora da cartilha neoliberal ou agora neoliberalismo radical. Não dá para construir uma frente Ampla que envolva setores progressistas e de esquerda que não enfrente os bancos, e essas legislações.

Para construir uma nova saída, temos que retornar às ruas, mobilizados. Não só uma saída eleitoral. Porque o Estado está amarrado. Para governar de modo diferente, construir um programa transicional, um programa que se aplique a realidade apoiado na mobilização de massas. O que fez o Chávez, que mesmo que o processo venezuelano tenha parado na porta do banco, ele manteve o povo fortemente mobilizado. O Lula comentou em uma de suas entrevistas, que tentou aconselhar o Chaves a não ser tão radical. Sinceramente, faltou humildade em Lula. Pois ele está na prisão e Maduro, com todos os seus problemas, está no Palácio governando.

Em 2018 a China foi responsável por mais de 29% das exportações gaúchas, caracterizando-se como o principal parceiro comercial do RS. Sendo a China um país disposto a fazer investimentos em infraestrutura, indústria de transformação e tecnologia, tratados de cooperação nesse sentido não seriam uma saída de curto e médio prazo para combater a crise estabelecida no Estado?

Sinceramente, hoje há uma crise de liquidez no mundo. Sobra dinheiro para todo lado, aqui eles dizem que falta. Mas nós mesmo temos um trilhão nos Estados Unidos parado a juro zero e nós podemos aproveitar essa oportunidade e fazer pesados investimentos. Podemos atravessar o país com uma moderna Rede Ferroviária. O Brasil é um país rico mas com enorme demanda reprimida. Um povo carente dos serviços mais básicos. De serviços públicos. Podíamos fazer uma revolução na educação. Isso pode ser feito com a China é verdade, mas com transferência de tecnologia. Também não podemos ficar dependentes como ficamos primeiro do capital inglês, depois norte-americano. Temos que diversificar nossas relações internacionais não ficar dependente. Olhe o exemplo de Candiota. O capital é chinês e os empregos também são dos chineses. Isso é um exemplo do que não devemos fazer. Investimentos sim, mas com transferência de tecnologia e que gere empregos e mova nossa economia.

Fonte: FRONT

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