Na Holanda e Inglaterra trabalhadores da “economia das plataformas”, os aplicativos de entrega e transporte, já são reconhecidos como empregados e têm seus direitos garantidos; no Brasil existe uma luta a ser travada.
No Brasil, a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, lei que determina as normas de boa parte das relações de trabalho, no seus artigos 2º e 3º, indica que os requisitos para o reconhecimento de vínculo empregatício em uma relação de trabalho são: subordinação, onerosidade, pessoalidade, não eventualidade e alteridade. O que isso significa e como é possível aplicá-la.
A subordinação é entendida como a relação de autoridade existente do empregador sobre o empregado, que deve orientar seu trabalho de acordo com a orientação do seu patrão.
Quanto à onerosidade, nada mais é que o pagamento feito pelo patrão em troca do serviço prestado pelo empregado.
A pessoalidade dos serviços prestados significa que o empregado deve fazer o trabalho ele mesmo, não podendo usar outra pessoa para fazê-lo, ou seja, deve ser pessoa física. No entanto, a chamada “pejotização” tenta burlar juridicamente a pessoalidade, transformando o trabalhador que é uma pessoa física em uma pessoa jurídica, com CNPJ, e evitar a caracterização de vínculo empregatício.
Outro requisito é a não eventualidade, implica que o serviço do empregado é prestado de maneira periódica, seja diariamente, semanalmente ou mensalmente, não importa necessariamente o tipo de periodicidade mas que ela exista de alguma forma.
Por fim, a alteridade, que é o que menos tem relevância para boa parte dos juristas, significa que o risco do negócio é do empregador, não importando se o negócio vai bem ou mal, os salários e direitos devem ser mantidos. Na prática, a situação dos negócios interferem na remuneração e nos direitos dos trabalhadores, e o risco do desemprego força os últimos a aceitarem redução de direitos. Mas, em teoria, o risco do negócio seria a contrapartida do patrão no contrato de trabalho, dando a ele o direito de explorar os trabalhadores por ele contratados.
São estes os requisitos para verificar a existência da relação empregatícia, e boa parte das plataforma de aplicativos, quando bem analisadas, oferecem condições em seus contratos de adesão que inclui alguns ou todos os requisitos expostos aqui.
A justiça holandesa reconheceu o vínculo empregatício entre entregadores e a empresa proprietária do aplicativo Deliveroo em decisão de uma ação ajuizada pela Federação dos Sindicatos Holandeses.
A decisão da Corte de Amsterdã compreendeu que não existia autonomia dos entregadores e que a Deliveroo gerenciava o trabalho dos entregadores e exercia autoridade sobre os mesmos, portanto não eram de fato trabalhadores autônomos.
Na decisão a justiça holandesa indicou os seguintes pontos para reconhecer a relação de autoridade da Deliveroo sobre os entregadores e com isso reconhecer o vínculo empregatício:
Devido a baixa remuneração, os entregadores não conseguem arcar com o seguro por acidente de trabalho e são colocados em uma situação precária, como verificou a decisão da justiça holandesa. Sobre o argumento da empresa, que alega que os entregadores são empreendedores e decidem se desejam trabalhar ou não, foi rebatida com a seguinte expressão na sentença: “a liberdade concedida aos distribuidores quanto à execução do trabalho não é incompatível com a qualificação do contrato como de emprego”.
A decisão não cabe recurso e pode servir de fundamento para a relações entre trabalhadores e as empresas proprietárias de aplicativos de prestação de serviço.
Na Inglaterra foi a vez da Uber perder uma batalha judicial que já durava 5 anos e que teve como origem a petição de dos motoristas vinculados à plataforma, e que pode impactar os 4,7 milhões de trabalhadores da chamada “economia das plataformas”.
A Suprema Corte do Reino Unido, no dia 19 de fevereiro, confirmou a sentença dos tribunais inferiores e reconheceu que os trabalhadores vinculados às plataformas de aplicativos, não funcionários e não trabalhadores autônomos e empreendedores como alegam empresas como Uber, Deliveroo, Rappi, etc.
Tal decisão conferiu a estes trabalhadores o direito a um salário mínimo, férias remuneradas e outras proteções legais.
O principal argumento da decisão judicial foi que o tempo de trabalho dos motoristas do Uber não está restrito ao tempo gasto transportando passageiros, mas inclusive no período que passa conectado ao aplicativo à espera de um chamado, este mediado pela tecnologia do aplicativo, ou seja, por decisão do próprio Uber.
Segundo o GMB Union, Sindicato Nacional que representa parcela dos trabalhadores do ramo de serviços com mais de 600 mil membros, as próximas medidas serão orientadas para estender esta vitória judicial para os trabalhadores das demais plataformas.
Mesmo ainda não sendo uma assunto completamente resolvido pelos tribunais brasileiros, já existem decisões que reconhecem o vínculo empregatício entre trabalhadores de plataformas e as empresas proprietárias dos mesmos.
A maior parte das decisões que reconhecem o vínculo empregatício no trabalho nas plataformas digitais foram proferidas por juízes em primeira e segunda instância, o que cabe recursos à instância superior. Porém, exemplos valem a pena serem mencionados.
Um deles foi a decisão da 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região (TRT-2), do ano de 2020, na qual verificou o vínculo empregatício entre a Rappi e um entregador. Na decisão, o relator, desembargador Francisco Ferreira Jorge Neto, argumentou que:
Outras sentenças na Justiça do Trabalho reforçam o argumento da existência de vínculo empregatício entre entregadores, motoristas e empresas proprietárias de plataforma como o caso da 8° Vara do Trabalho de São Paulo que reconheceu o vínculo entre a Loggi e 15 mil motoboys; e a 2ª Vara do Trabalho de Maceió reconheceu vínculo entre motoboy e a iFood.
Mesmo com estas vitórias pontuais, a maior parte das decisões ainda são contrárias aos trabalhadores do ramo, devido especialmente à pressão exercida pela Associação Brasileira de Online to Offline (ABO2O) que reúne várias empresas de tecnologia como 99, Getninjas, Inter, Cabify, além de iFood e Loggi.
O Projeto de Lei 5069/19 de autoria do deputado Gervásio Maia (PSB/PB) prevê que seja reconhecido o vínculo empregatício entre motoristas e as empresas donas das plataformas 99 e Uber, nos casos em que os trabalhadores exerçam a atividade de maneira pessoal, habitual e subordinada.
A proposta deste PL é garantir os direitos previstos na CLT a estes motoristas, como salário, 13°, férias e jornada de trabalho de oito horas. Para os trabalhadores eventuais das mesmas plataformas, seriam cadastrados como microempreendedores individuais, e assim não seriam reconhecidos como empregados.
O projeto encontra-se parado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados.
Para saber mais sobre a luta dos entregadores vinculados às plataformas de entrega, assista a entrevista na íntegra de Paulo Lima, o Galo, liderança dos entregadores antifascistas no canal da Intersindical no YouTube.
Pedro Otoni
Secretário de Comunicação da Intersindical
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