“Um governo que gasta na moeda que ele próprio emite não possui, por definição, nenhuma restrição financeira”, afirma Dimitrios Sacute.

Imagem: Comunicação da Intersindical
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Na semana passada, dia 27 de abril, batemos um papo com Dimitrios Sacute, membro do coletivo Política Econômica da Maioria – POEMA, sobre as medidas de política econômica necessárias para fortalecer a saúde pública e fazer frente à crise econômica em parte causada pela pandemia.

Também pedimos ao companheiro, por e-mail, para resumir suas colocações por escrito, de modo a tornar o debate mais acessível para quem não dispuser de 1 hora para ver a entrevista na íntegra. Segue abaixo o que nos foi enviado.

Índio: Diversos estados nacionais estão interferindo na economia para conter a pandemia, mas também para minimizar a crise social. A Argentina é um exemplo. Saiu do governo Macri arrasada, mas mesmo assim tomou medidas de proteção social para conter as crises sanitária e econômica. Já o governo brasileiro alega que não tem dinheiro. Isso é mesmo verdade?

Dimitrios Sacute: Quase todos os países entenderam a necessidade de tomar medidas econômicas emergenciais que vão mais ou menos no mesmo sentido. Era preciso que o estado garantisse renda para os trabalhadores informais e desempregados, sustentasse no todo ou em parte a folha de pagamento dos trabalhadores formais e garantisse crédito barato para o capital de giro das empresas, para pagar com prazo a perder de vista.

No Brasil, foram tomadas medidas mais ou menos nesse sentido, só que com uma grande complicação adicional. Além das crises econômica e sanitária, o Brasil passa por uma grave crise política, que impede que as medidas sejam tomadas na dimensão e na velocidade adequadas. Enquanto o Congresso parece entender a gravidade da situação e tem forçado o governo a aceitar as medidas necessárias, o Executivo tenta se desresponsabilizar.

Em relação às medidas tomadas pelo Congresso, com um papel importante da oposição, existe até certo ponto um consenso. Nossa única divergência é em relação ao valor do auxílio emergencial, que poderia ser de um salário mínimo, como o proposto inicialmente pela oposição, e a compensação da folha de pagamento dos trabalhadores formais do setor privado poderia garantir a integralidade dos salários. Também os recursos injetados pelo Banco Central para garantir a manutenção dos empréstimos bancários não têm chegado à ponta sob a forma de crédito barato, sobretudo para as pequenas e médias empresas, que são as que mais precisam e as que mais empregam mão de obra. Pelo contrário, os bancos comerciais privados têm aumentado as taxas de juros, sob a alegação de maior risco de inadimplência, e têm empoçado a liquidez fornecida pelo Banco Central.

Nesse ponto entra a discussão sobre o dinheiro. O governo Bolsonaro alega que não tem dinheiro para tomar as medidas necessárias da maneira mais desejável. Porém, é preciso que fique claro que um governo que gasta na moeda que ele próprio emite não possui, por definição, nenhuma restrição financeira.

O Banco Central, que é a autoridade responsável pela emissão da moeda, da noite para o dia resolveu injetar R$ 1,2 trilhão no sistema financeiro. Ninguém no governo perguntou de onde viria esse dinheiro, como fizeram em relação a outras medidas. E é preciso que fique claro que esse dinheiro veio do mesmo lugar que todo o dinheiro existente, a saber, do nada. O estado pode e deve, em uma situação como a que vivemos, gastar todo o dinheiro necessário que ele mesmo cria.

Índio: Quais mecanismos o nosso país dispõe para não entrar numa depressão econômica?

Dimitrios Sacute: O único mecanismo que dispomos é o aumento do investimento público. E não é de hoje que isso é necessário. Desde de 2015, a política de austeridade fiscal primeiro precipitou uma recessão e depois puxou um freio de mão na retomada da atividade econômica, de modo que crescemos apenas 1% ao ano entre 2017 e 2019, puxados pelo consumo das famílias com a liberação de fundos parafiscais e pelos preços mais favoráveis das commodities que exportamos.

Mas, se antes já faltava investimento público para dinamizar a economia, agora é quase uma questão de vida ou morte. Ao que tudo indica, será a maior crise da história estatística do Brasil, com um baque muito forte na nossa demanda externa. Então, sem focar no mercado interno, não há saída, será catastrófico.

Avaliamos que, no curto prazo, o Congresso acertou o rumo. Num primeiro momento sugeriu a decretação do estado de calamidade, que suspende algumas restrições autoimpostas ao gasto público pela Lei de Responsabilidade Fiscal, permitindo ao governo não cumprir a meta fiscal estabelecida na LDO e solicitar quantos créditos orçamentários extraordinários forem necessários para fazer frente aos gastos emergenciais. Com isso, o Congresso começou a ligar a “impressora de dinheiro” para o governo.

Depois, o Congresso teve uma iniciativa muito importante que foi a discussão sobre o “orçamento de guerra”. Nós não criticamos esse projeto no todo, criticamos aspectos pontuais. A PEC do orçamento de guerra propõe mecanismo fundamentais nesse momento, que são a possibilidade de não cumprir a regra de ouro (CF, art. 167, III) e, o mais importante, a possibilidade de o Banco Central comprar títulos emitidos pelo Tesouro Nacional. Assim, na prática, o governo passa a poder financiar seus déficits com emissão monetária, sem as amarras legais estúpidas de costume. A PEC também possibilita o Banco Central comprar títulos privados e, na prática sanear bancos com papéis podres em seus balanços. Entendemos que esse poder deve ser dado ao Banco Central, para mitigar riscos de crises bancárias, que teriam efeitos catastróficos, ainda mais neste momento; mas também existe um debate sobre as contrapartidas que o governo deveria exigir para salvar bancos. Defendemos que ao socorrer essas instituições o estado se torne sócio-proprietário e que elas fiquem impossibilitadas de aumentar salários de dirigentes e de distribuir dividendos aos acionistas privados.

Enfim, é com emissão monetária que vamos retomar os gastos públicos necessários e evitar uma depressão. Apenas divergimos dos economistas ortodoxos sobre a extensão de tempo em que será necessário aumentar o gasto público. Precisamos turbinar os investimentos públicos não só durante, mas principalmente após a pandemia e para isso será necessário derrubar o teto de gastos.

Índio: E em relação à taxação sobre grandes fortunas, seria uma saída para financiar os gastos necessários para fazer frente a crise?

Dimitrios Sacute: Mais uma vez ressaltamos que é preciso que fique claro o seguinte: um estado que goze de soberania monetária e gaste na mesma moeda que ele mesmo emite não possui nenhuma restrição financeira. Ele não é como uma família, uma empresa, um ente subnacional ou um ente nacional dolarizado, como o Equador. Todo gasto público é emissão de moeda e o estado primeiro gasta e só depois arrecada tributos. Dizemos isso apenas para estabelecer que os tributos não servem para “financiar” o gasto público.

Os tributos servem para 1) obrigar a aceitação pelos agentes privados da moeda de curso forçado emitida pelo estado, já que é nessa moeda primeiramente emitida pelo estado que esses agentes pagam os seus tributos; 2) enxugar excessos de liquidez na economia, evitando assim excessos de demanda e consequentemente inflação; 3) reduzir desigualdades de renda e riqueza; 4) disciplinar a sociedade, por exemplo, taxando produtos que o estado não queira que as pessoas consumam; 5) controlar o comércio exterior, com maior ou menor protecionismo, com base em impostos de importação e 6) controlar entrada e saída de capitais estrangeiros.

Então, no tema do Imposto sobre Grandes Fortunas, vale o terceiro ponto que destacamos. Defendemos maior tributação sobre a renda, o consumo e o patrimônio dos mais ricos, acompanhada da diminuição da tributação da renda e do consumo dos mais pobres.

Isso também seria de grande ajuda para turbinar o processo de retomada da economia no pós-pandemia, pois fortaleceria o nosso mercado interno.

Índio: Com esse auxílio emergencial de R$ 600, ficou um pouco mais forte a discussão sobre uma renda básica de cidadania para toda população. Como vocês avaliam uma política como essa?

Dimitrios Sacute: Temos que separar bem as coisas. Uma coisa é a renda básica emergencial necessária para mitigar os efeitos sociais e econômicos das medidas de isolamento social. Quanto a isso não tem discussão, era preciso fazer algo nesse sentido e isso evita o colapso do mercado interno. Outra discussão, já mais antiga, é a de uma renda básica dada por igual para cada cidadão, rico ou pobre, regularmente. A POEMA não leva o debate por esse caminho. Defendemos, por um lado, que quem não tenha condições de trabalhar possa ter acesso a uma renda para sobreviver com dignidade. Mas, muito além disso, defendemos a extinção do desemprego. Defendemos, por um lado, progressiva redução da jornada de trabalho, pois uma grande parte do desemprego é causada inevitavelmente pelo progresso da automação; por outro, defendemos um Programa de Garantia de Emprego, isto é, todos que tenham condições e disposição de trabalhar tenham acesso a trabalhos decentes. Assim, o estado pode distribuir de modo racional os excedentes de mão de obra para atividades necessárias, mas não levadas adiante pelo mercado, como a transição para uma matriz energética mais limpa e renovável, reflorestamento e preservação ambiental, cuidados de saúde da população, desenvolvimento tecnológico, etc. Se liberarmos a finança pública das suas correntes legais, que só servem para capturar o poder de emissão monetária do estado em benefício da concentração de renda e riqueza, e se nos livrarmos da prisão conceitual da teoria econômica liberal, um Programa de Garantia de Emprego coordenado pelo estado brasileiro é perfeitamente exequível.

ASSISTA AQUI A ENTREVISTA COMPLETA

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