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Boletim de conjuntura econômica 4 – O lado mítico do ajuste fiscal

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  • Sammer Siman¹ e Vitor Hugo Tonin²

“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”
Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler na Alemanha Nazista

A afirmação de que a única saída para a crise econômica é o governo fazer ajuste fiscal é tão repetida pela televisão e pelos jornais que para muitos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil se coloca como verdade. Por isso não é exagero relembrar a frase acima, que na Alemanha nazista foi dita pelo ministro de propaganda de Adolf Hitler: Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade.

Além de afirmarem diariamente o mesmo mantra de que a única saída é fazerajuste fiscal a TV e os jornais utilizam de outros exemplos para enganar o povo, e o mais comum deles é comparar a economia do país à economia de uma casa. Quem aqui já não foi surpreendido por algum jornalista afirmando que o certo a se fazer numa crise financeira doméstica é cortar despesas?

Pois é. Mas devemos dizer: A economia de um país não é como a economia de uma casa, pois um país possui diversos dispositivos para contornar suas crises, um deles é trabalhar pelo aumento de sua receita (por exemplo, a partir da maior taxação dos ricos ou de uma fiscalização mais eficiente), ao invés de ter que reduzir despesas, que na prática significa cortar direitos dos trabalhadores.

Mas, vamos supor que a comparação seja correta e a economia do país seja mesmo igual à economia de nossa casa. Imagine você, trabalhador, quando tem seu salário reduzido e se vê forçado a economizar:Se de um lado você gasta com arroz, feijão e o cuidado com os filhos e de outro você gasta com aquele “tapa” no carro, colocando um som ou mesmo trocando de carro de tempos em tempos, a pergunta é: Qual despesa você vai cortar primeiro?

A resposta é muito óbvia. Mas no caso do governo não é, pois bem sabemos que na hora que precisa cobrar a fatura de alguém o governo coloca na conta do trabalhador, e é isso que na prática significa o ajuste fiscal. Significa, no caso concreto, que diante de uma opção por cortar despesas, ou seja, de fazer o tão falado ajuste fiscal, o governo vai cortar no SUS e na educação e vai direcionar os recursos economizados para os ricos, principalmente a partir do sistema da dívida pública que só serve para tirar recursos dos trabalhadores e beneficiar a minoria de privilegiados que vivem do trabalho alheio.

Eis a proposta desse texto, mostrar, em termos resumidos: 1) Quem ganha com o ajuste fiscal? 2) Quem perde com o ajuste fiscal e como ele se verifica na prática? 3) O que significa o ajuste fiscal para a economia, de maneira geral? 4) Demonstrar que existem outras saídas, que não fazer ajuste fiscal.

Mas antes disso faremos uma breve exposição do que se trata esse ajuste fiscal hoje na vida do país e um breve antecedente que nos levou a essa condição.

O QUE É O AJUSTE FISCAL?

O que se chama de ajuste fiscal é, basicamente, uma redução de despesas do governo com os gastos “não-financeiros”, ou seja, com todos aqueles gastos básicos que resultam na oferta de serviços para a sociedade como saúde, educação, investimento em obras públicas e custeio do aparato de Estado, a exemplo do pagamento do funcionalismo público.

O clamor pelo ajuste fiscal se inicia justamente no momento em que o superávit primário passa a cair. O superávit primário é a diferença entre as receitas e as despesas que serve para o pagamento do serviço da dívida pública (juros e amortizações). 

Uma condição básica para o superávit primário é uma arrecadação do Estado mais elevada, que geralmente está associada ao crescimento da economia, pois os governos se dedicam pouco a aumentar a arrecadação do Estado a partir de uma fiscalização mais eficiente e uma tributação mais justa, que onere menos os trabalhadores e mais os ricos.

No período recente do Brasil (de 2003 a 2014) é possível verificar a realização de superávits primários, fruto de um período marcado por um crescimento econômico médio de 2,6% do PIB.

boletim-4-grafico-1-superavit-primarioElaboração própria: Fonte, CEPAL.

O início do ajuste fiscal (datado do começo do segundo governo Dilma, em 2015) coincide com o fim do período de realização do superávit primário. Vemos no gráfico que em 2014 houve um déficit primário (-0,6% em relação ao PIB, o que em termos de valores significou 32 bilhões de reais), ou seja, o governo gastou 32 bilhões a mais do que arrecadou.

E é justamente neste período que os empresários e os banqueiros começam a ecoar, por meio da TV e dos jornais, a reivindicação pelo ajuste fiscal. Uma reivindicação que segue cada vez mais radical e que se expressa nas reformas propostas hoje pelo governo Michel Temer, a exemplo da PEC 241 e da reforma da previdência. Ora, mas porque depois de mais de uma década de superávits, apenas dois aninhos de déficit afetaria tanto a nossa economia? Afinal, onde foi parar toda a poupança feita nos anos anteriores?

QUEM GANHA COM O AJUSTE FISCAL?

A resposta é simples: os ricos. Ou seja, ganham aquela diminuta parcela da população que não vive do trabalho e que se apropria da riqueza por meio de rendas, especialmente a partir do mecanismo da dívida pública. No gráfico abaixo verificamos que, só no ano de 2014, 45,11% do total de toda arrecadação da União foi direcionado para o pagamento da dívida pública, o que significou R$ 948 bilhões de reais.

boletim-4-grafico-2-orcamento-uniao-2014Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida

Conforme dados do Tesouro Nacional, em maio de 2014 28,6% da dívida estava nas mãos de instituições financeiras, 21% de fundos de investimentos, 17,3% de fundos de previdência, 18,2% de estrangeiros, 6,5% de governos, 4,1% de seguradoras e 4,3 de “outros” (pessoas diversas, a exemplo daquelas que compram títulos da dívida direto do tesouro nacional). A rigor, são esses os beneficiários do serviço da dívida pública e são essas as pessoas que se beneficiam com o ajuste fiscal.

QUEM PERDE COM O AJUSTE FISCAL?

A resposta também é simples: Os trabalhadores. Especialmente aqueles que dependem dos serviços públicos como o SUS, a educação, a previdência social. Não existe fórmula mágica, para os ricos ganharem a conta deve ser paga pelos trabalhadores.

A forma de verificar quem perde nessa batalha é explicando a proposta que, na prática, pretende aplicar um novo regime fiscal no Brasil, no que podemos chamar de um mega ajuste fiscal, um ajuste estrutural e permanente. Trata-se da PEC 241, que em resumo pretende congelar os gastos sociais por 20 anos.

A proposta é simples e perversa. A cada ano as despesas sociais só poderão ser reajustadas conforme a inflação, independente se há crescimento econômico, independente se a população vai crescer, independente se aumentar a demanda por serviços públicos, o que é a tendência natural. Abaixo, um quadro retirado da nota técnica do DIEESE que demonstra o quanto teria sido gasto a menos em educação e saúde se a regra da PEC 241 tivesse em vigor desde 2002.

boletim-4-grafico-3-despesas-pec-241

Ou seja, se estivesse vigorando a regra da PEC 241 desde 2002 o Estado teria gasto em 13 anos apenas 424,6 bilhões em educação ao invés do gasto efetivamente realizado de 802,3 milhões de reais e na saúde teria gasto 816,8 bilhões ao invés de 1.112,7 bilhões.  Na prática, seria ferir de morte o sistema de proteção social consagrado pelas lutas populares que resultaram na constituição de 1988 e inaugurar um grave período de instabilidade social, dado o maior empobrecimento que tal proposta tende a gerar.

O que significa o ajuste fiscal para a economia, de maneira geral?

A redução de gastos sociais e investimentos do governo geram consequências diretas na economia, pois a injeção de recursos em serviços básicos é parte constitutiva da dinâmica econômica. No primeiro boletim de conjuntura, em que tratamos de 3 mitos acerca do desemprego, demonstramos que o gasto público é parte constitutiva do PIB.

Esse gráfico abaixo ilustra bem a questão, ele trata da composição da economia brasileira no ano de 2014, em que observamos o papel destacado do gasto público.

boletim-4-grafico-4-composicao-economia-brasileira

Conforme observamos, o poder público cumpre papel destacado na composição da economia brasileira. No ano de 2014 foi responsável por 33,8% da dinâmica econômica, cumprindo o papel de maior destaque, sendo que as intermediações financeiras vieram em segunda com uma responsabilidade de 16,9%. Ou seja, ajuste fiscal significa retração econômica, que significa desemprego, o que vai na contramão do discurso governista de que tudo que está sendo feito na economia é para retomar o crescimento e gerar emprego.

OUTRAS SAÍDAS PARA A ECONOMIA

No texto referido acima sobre o desemprego apontamos também uma série de alternativas para dinamizar a economia em favor dos trabalhadores, que vão desde medidas muito simples (como na melhora da intermediação da mão de obra por parte do governo) até medidas mais vultosas, como a taxação das grandes fortunas e a constituição de programas de emprego garantido por parte do estado.

O que está por trás do mito do ajuste fiscal como saída única para economia é uma insaciável ânsia de acumulação de riqueza por meio da esfera financeira. Para tanto, a política de manutenção de juros altos (como o Vitor Hugo apontou recentemente neste artigo) é a forma mais direta de drenagem destes recursos que são economizados por meio do ajuste fiscal, ou seja, por meio do sacrifício ainda maior do povo que precisa dos serviços públicos, bem como do funcionalismo público que concretiza tais serviços.

Os juros altos são responsáveis não só pela drenagem dos recursos públicos por meio de seu orçamento, mas também penaliza a população diretamente, exemplo são os juros de cartão que ultrapassam 470% ao ano para cada trabalhador que acessa esse sistema de crédito. Sem falar no sistema da dívida, a redução de 1% na taxa básica de juros no Brasil (Selic) significaria uma economia de pelo menos 20 bilhões de reais no orçamento público, o que dispensaria a realização de qualquer tipo de ajuste fiscal, além de uma necessária auditoria da dívida com participação da sociedade, uma reivindicação histórica dos movimentos sociais.

Mais do que lutar, os trabalhadores devem estar cientes dos mecanismos de dominação que aprisionam nossa classe. Um deles, que temos insistido, passa pela linguagem, o “ajuste fiscal” é um forte exemplo, pois a noção passada pela palavra “ajuste” é de que se trata de algo necessário, indispensável, o que na verdade não é, pelas razões que expusemos.

Outro exemplo é quando se fala de Lei de Responsabilidade Fiscal, a ideia vendida é que se trata de uma questão de responsabilidade com as finanças públicas e, portanto, com a sociedade, e não é nada disso, conforme apontou o Sammer Siman no artigo “A quem interessa a lei de responsabilidade fiscal?” tal lei não passa de um mecanismo para limitar o gasto social em detrimento do serviço da dívida pública, trata-se da “lei mãe” de todas as maldades que vem com a PEC 241, a Reforma da Previdência, dentre outras maldades contra o povo trabalhador brasileiro.

Em suma, toda proposta de ajuste fiscal deve ser rejeitada, o que precisamos é de uma maior responsabilidade social por parte de governos que se comprometam com uma vida digna para trabalhadores e trabalhadoras que são os responsáveis pela produção de toda riqueza do país.


¹Sammer Siman é economista, mestrando em Política Social (UFES), assessor econômico do Sindicato dos Químicos Unificados Campinas e Osasco e membro da Direção Nacional da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora.

²Vitor Hugo Tonin é economista, doutorando em Desenvolvimento Econômico (UNICAMP), assessor econômico do Sindicato dos Químicos Unificados Campinas e Osasco e membro da Direção Nacional da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora.

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Comentários

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  1. carmen susana tornqauist disse:

    Parabéns pelo texto, poderoso instrumento de debate e consciencia nos movimentos que estão a pipocar pelo pais.

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