3 mitos sobre o desemprego no Brasil atual

Imagem: Comunicação da Intersindical
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  • Sammer Siman¹ e Vitor Hugo Tonin²

Em todos os espectros políticos e sociais do Brasil existe um consenso: o aumento do desemprego é a principal manifestação da crise econômica e está no pano de fundo da insatisfação social que alimenta a crise política, mesmo que tal crise seja composta por uma teia complexa de fatores.

Ainda que não estejamos no menor patamar de empregabilidade da história do Brasil, é recorde a velocidade da queda do nível de emprego atual (se consideramos o período entre o final de 2014 e o início de 2016), num cenário em que os postos de trabalhos suprimidos são de quem estava empregado há mais de 10 anos, de quem possui um grau de escolaridade mais elevado, bem como está sendo suprimido postos de trabalhos fundamentalmente de “chefes de família”, o que desencadeia um efeito negativo multiplicador ainda maior na economia, ampliando seu quadro recessivo, de informalidade e precarização.

Surge, neste cenário, narrativas simplificadoras por parte da grande mídia que supostamente justifica o quadro do desemprego atribuindo o problema: 1) ao trabalhador e sua baixa qualificação; 2) ao “excesso” de proteção das leis trabalhistas; 3) e a necessidade de se retomar o crescimento econômico, sem qualificar de qual crescimento se trata e se de fato as soluções apresentadas (como o ajuste fiscal) são verdadeiros remédios para o problema do desemprego. São os 3 mitos que pretendemos desvendar.

O presente texto apresenta um quadro atual do cenário de desemprego no Brasil, bem como se propõe a desvendar mitos que falam de supostas saídas para o quadro de uma crise que está sendo paga pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras. Sugerimos também medidas passíveis de superar o grave quadro de desemprego atual.

Brasil: uma breve caracterização estrutural e histórica recente

O Brasil é um país capitalista dependente, sendo que sua inserção é subordinada no regime de acumulação mundial que se organiza a partir de algumas potências econômicas que possuem liderança tecnológica, financeira, militar, ideológica, etc, com uma notável liderança ainda dos EUA.  

Para compreender o mercado de trabalho no Brasil é necessário ir além dos arranjos teóricos que pensam a economia dentro de esquemas microeconômicos que resumem a questão do trabalho a partir da decisão de investimento do empresário e a consequente criação de novos postos de trabalhos. A propósito, uma das características de um país dependente é que sua economia sequer completa o círculo produção-circulação-consumo-, pois, diferente dos países desenvolvidos, a dinâmica de consumo do trabalhador determina em menor grau o dinamismo da economia. Trata-se, portanto, de uma economia com caráter exógeno, voltada para fora e pautada pelas determinações do mercado mundial.

A expansão da economia chinesa e sua alta demanda por commodities explica, em grande medida, o arranjo político e econômico que marcou o Brasil – em especial de 2003 a 2011 – por meio de um governo que promoveu e elevou o acesso ao consumo para amplas massas trabalhadoras, aumentou a presença do Estado no que tange as Políticas Sociais e, de outro lado, promoveu ganhos elevados para a burguesia do país, formando players mundiais que ganharam mercados para além do continente latino-americano, tudo isso a partir de uma melhor inserção da economia brasileira no mercado mundial neste período.  

Em termos de mercado de trabalho, alguns fatores incidiram mais diretamente para sua elevação: Um deles passou pela estratégia de valorização real do salário (que cresceu 72% entre os anos de 2003 e 2013), combinada com a elevação do acesso ao crédito e a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Houve também uma estratégia de formalização de trabalhadores a partir da ampliação das formas jurídicas (a exemplo do MEI – Microempreendedor individual) que assimilou parcela importante dos trabalhadores autônomos. Tudo isso teve papel importante na elevação da arrecadação tributária e as contribuições previdenciárias que ajudaram a elevar a formação do “fundo público” que financiou os investimentos.

O desemprego aberto que atingia 12,4% da População Economicamente Ativa (PEA) no ano de 2003 foi reduzido a 4,8% no ano de 2014 (PME/IBGE). Neste período, foram criados 21,2 milhões de novos postos de trabalho, o que revela certamente o dado mais expressivo deste período em termos econômicos.

Tal período também foi marcado pela crise capitalista mundial de 2008 que teve como resposta do governo brasileiro a adoção das chamadas medidas anticíclicas que garantiram a dinâmica econômica a partir da injeção de recursos em setores como o da construção civil que, por sua vez, trata-se do setor que mais emprega no país ainda hoje.

O primeiro governo Dilma (2011) preservou a “essência” da política econômica, se comparada ao segundo governo Lula. Ainda que com variações, como na tentativa de se estabelecer uma política heterodoxa de juros reduzidos (a taxa Selic chegou a 7,25% em dezembro de 2012), que fora duramente combatida pelo consórcio financeiro-midiático. Outra marca também foram as desonerações fiscais que serviram para ampliar o lucro dos empresários, sem provocar o efeito pretendido de elevação dos investimentos.

No entanto, hoje fica mais evidente que aquele momento foi marcado também por uma redução do crescimento de países como China e Índia, que haviam induzido o crescimento brasileiro por meio da compra de commodities, tornando-se a principal determinação na redução do crescimento, diminuindo a capacidade orçamentária do governo de promover o gasto público sem ter que mexer nos interesses de classes que até então vinham acomodados dentro do pacto político vigente. Ainda no final de 2014 revelou-se um quadro negativo das contas públicas (32,5 bilhões, que corresponde 0,6% do PIB) que forçou o governo a reacomodar os interesses a partir da reeleição de Dilma em seu segundo mandato e resultou, inclusive, nas ditas “pedaladas fiscais” que supostamente justificaram o afastamento atual da presidente Dilma mediante o processo de impeachment ainda em curso.

Desemprego: panorama atual no Brasil

O Brasil conta hoje com uma População Economicamente Ativa (PEA) de aproximadamente 102 milhões pessoas. Dessas, pelo menos 11 milhões estão desempregadas conforme a metodologia da PNAD, ou seja, pelo menos 11 milhões de pessoas procuraram emprego ativamente nos últimos 30 dias, considerando as principais regiões metropolitanas do Brasil. Em termos percentuais, trata-se de 10,9% de desemprego da PEA.

O crescimento do desemprego em menos de 2 anos é brutal. Em 2014 (último trimestre), a taxa de desemprego estava em 6,4%, o que significa que em termos absolutos foram aproximadamente 4,6 milhões de desempregados adicionais tendo como marco o primeiro trimestre de 2016, um quadro que possui variações regionais – a menor taxa verificada é no sul no Brasil e as maiores no Nordeste e no Sudeste. Dentro deste quadro, aproximadamente 2,2 milhões de postos de trabalhos foram destruídos e 2,4 milhões de pessoas chegaram ao mundo do trabalho sem encontrar emprego, com destaque para juventude acima de 14 anos de idade. É, portanto, um desemprego de destruição de antigos postos de trabalho e de não criação de nova demanda por trabalho.

A indústria foi o setor que mais retraiu, perdendo cerca de 1,7 milhão de postos de trabalho, os serviços declinaram em 509 mil, a construção civil 380 mil e na agricultura houve estabilidade. Um crescimento se verificou nos trabalhadores de serviços domésticos, tendo aumentado 293 mil postos.

Verificou-se também uma queda no rendimento médio do trabalhador entre o quarto trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2016, representando uma queda de 2,4%, reduzindo de R$ 2.014 para R$ 1.966. Trata-se de um efeito esperado no quadro de aumento do desemprego, justamente porque a massa demitida aumenta o “exército de reserva” e pressiona para baixo o preço da força de trabalho, promovendo constantes situações de demissões e recontratações por um salário bem abaixo do até então praticado pelas empresas.

Uma das razões do desemprego decorre da própria opção pelo ajuste econômico feito pelo governo. Em 2015 Dilma implementou um corte de 70 bilhões de reais mediante o discurso de que essa seria uma medida indispensável para criar condições para retomada do crescimento.

Ou seja, como cessou o crescimento econômico e a arrecadação do Estado foi reduzida o governo teve que optar entre cortar as contas para o lado do trabalhador – medidas como a alteração nas regras do seguro desemprego desprotegeu pelo menos 1 milhão de trabalhadores entre 2015 e 2016 – ou enfrentar interesses como os do rentismo, que viu intacta a sua parcela do orçamento (45,11% no ano de 2014) para manutenção dos serviços da dívida com juros e amortizações.

Com isso, o governo retraiu o gasto público (como na saúde e educação) implicando na redução dos empregos em termos diretos (quando, por exemplo, se contrata menos ou mesmo cessa a contratação de servidores públicos) e também em termos indiretos, como na redução das Políticas Públicas que servem para atrasar o ingresso dos jovens no mercado de trabalho (a exemplo dos cortes no FIES e no PRONATEC).

Existe também uma alteração no perfil do desemprego se, por exemplo, comparamos com a crise da década de 90 em que postos de trabalhos mais frágeis foram eliminados: trata-se, atualmente, da destruição de postos de empregos mais longos (são empregados de pelo menos 10 anos de ocupação) e de escolaridade mais elevada sendo, portanto, o centro da força de trabalho brasileira. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, o total de desempregados com nível superior elevou de 6,7%, no quarto trimestre de 2013, para 8,1%, considerando o quarto trimestre de 2015. Outro levantamento, feito pelo Dieese e pela Fundação Seade, mostra que os desempregados com experiência anterior representam mais de 80% do total.

3 mitos do desemprego atual no Brasil

Para compreender o quadro atual do desemprego, suas determinações e possibilidades de superação faz-se necessário avançar sobre algumas mistificações que são criadas pela ideologia burguesa e largamente propagandeada pelos grandes meios de comunicação.

  1. O primeiro mito passa pela noção de que a culpa do desemprego é do trabalhador e de sua baixa qualificação. Vimos, na verdade, que a queda no mercado de trabalho é decorrente de grandes variáveis como as decisões da política econômica (como o ajuste fiscal) e a desaceleração da economia em nível mundial. Outro aspecto é que percebe-se o fim de postos de trabalhos relacionados a trabalhadores com maior tempo de formação educacional, o que joga por terra o mito da “baixa qualificação”, considerando que não há demanda, via de regra, por trabalhadores com maior grau de escolarização.
  1. O segundo mito defende que existe uma excessiva carga de proteção trabalhista e que esse seria um impedimento para criação de novos postos de trabalho, sendo, portanto, necessário fazer as “reformas que o Brasil precisa”. Trata-se essa de uma análise parcial que só aponta um tipo de “solução” que visa precarizar e fragilizar ainda mais as relações de trabalho, sem nenhum tipo de comprovação relativa aos custos do trabalho no Brasil. Um levantamento, ainda de 2008 feito pelo DIEESE, demonstrou que o custo da força de trabalho no Brasil é pelo menos 4 vezes menor que nos EUA e 6 vezes que na Alemanha. Outro dado também que não se apresenta é a capacidade de geração de empregos a partir de reformas como a da previdência, pois em outros momentos da história em que a previdência fora reformada não se verificou uma correlação direta com a expansão do emprego e nada assegura que a redução dos custos do empresariado reverte em investimento e não se transforma em lucro. Exemplo disso foram as desonerações fiscais dos últimos anos, concedidas pelo governo federal e revertida em lucro, sem significar expansão do investimento produtivo. Outro aspecto que não se revela é a manutenção de um sistema da dívida que repasse quase metade do orçamento nacional para rentistas, dinheiro esse que poderia (pelo menos em parte, a partir de uma auditoria da dívida que seguramente revelaria que parte expressiva da dívida pública é ilegal ou já foi paga) induzir o investimento público, promovendo uma dinâmica positiva na economia e capaz de elevar postos de trabalho.
  1. Já o terceiro mito passa pela ideia crua de que é preciso “retomar o crescimento econômico”. No entanto, tal crescimento pode existir e não garantir, por si só, a criação de postos de trabalho. A propósito, o PIB possui cinco partes constitutivas: Consumo das famílias, gasto do governo, investimento, exportações e importações. No ano de 2015 todos os fatores reduziram e apenas as exportações cresceram, o que resulta na alta regressão econômica vivida atualmente, resultando numa queda de 3,8% do PIB, se retiramos a inflação. Ou seja, pode se elevar as exportações e haver uma queda da atividade econômica, se os outros fatores não avançam. Ou mesmo pode haver crescimento do PIB com elevação de fatores como o gasto do governo, o consumo das famílias e a redução das exportações e, criar-se, a partir daí, postos de trabalhos, mesmo que o PIB não cresça. Essa nos parece uma regra de ouro do movimento sindical e popular, colocar no centro da disputa política o questionamento do tipo de crescimento que se pretende, pois crescimento econômico não necessariamente significa criação de empregos e muito menos empregos de qualidade.

Por uma saída para a crise em favor dos trabalhadores

As classes dominantes apresentam falsas saídas para crise: retirada de diretos trabalhistas e sociais, ajuste fiscal, crescimento econômico ao custo de aprofundamento do padrão primário exportador, tratados de livre comércio, dentre outros fatores.

Aos trabalhadores e às trabalhadoras, fica a sensação de que não existe outro tipo de saída a não ser aquelas que pregam os capitalistas. De fato, por dentro da ordem subordinada e considerando a manutenção do caráter exógeno da economia o que se espera é apenas o aumento da dependência, flexibilização das relações de trabalho, mais superexploração etc.

Existem saídas para o quadro de desemprego que poderiam se dar de maneira mais simples, com mais vontade política do governo, a partir de ações já delineadas pelo DIEESE (e em alguma medida praticada pelo governo), a exemplo de: melhoria na intermediação da mão de obra; qualificação profissional, seguro-desemprego, economia solidária e microcrédito, políticas públicas para a juventude etc.

Outra saída, mais ampla e contundente, passa pela constituição de um movimento político e social que reoriente os interesses da economia brasileira. Ao invés de voltar-se para fora, ela deve orientar-se para as demandas das classes trabalhadoras, as maiorias sociais que vivem do trabalho, trata-se, portanto, do fortalecimento do mercado interno.

Neste tocante, um programa orientado para a reconstituição do trabalho deve aumentar a capacidade de investimento do Estado, a partir da realização de uma auditoria da dívida pública, da taxação das grandes fortunas e da instituição de um sistema tributário progressivo, que desonere, em especial, o consumo básico. É possível a constituição de programas de emprego garantido que enfrente grandes problemas de cunho nacional, a exemplo da contratação de força de trabalho para combater a Zika Vírus, que segue ampliando e adoecendo parte expressiva da população.

O fortalecimento da Petrobrás e a preservação dos recursos é também parte constitutiva, pois tal empresa é estratégica para a soberania em termos energéticos e em termos de capacidade de inovação tecnológica e de aquecimento do mercado interno, dada sua alta capacidade de empreendimento econômico.

Em suma, trata-se do resgate e da atualização de um amplo programa de reformas populares que reponha o grau de organização da classe trabalhadora e confronte a hegemonia burguesa que segue organizando toda economia para o benefício de uma minoria abastada.


¹Sammer Siman é economista, mestrando em Política Social (UFES), assessor econômico do Sindicato dos Químicos Unificados Campinas e Osasco e membro da Direção Nacional da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora.

²Vitor Hugo Tonin é economista, doutorando em Desenvolvimento Econômico (UNICAMP), assessor econômico do Sindicato dos Químicos Unificados Campinas e Osasco e membro da Direção Nacional da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora.

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