O auditório Domingos Galante, do Sindicato dos Químicos, no bairro da Liberdade, em São Paulo, foi tomado na última quinta-feira (11) por trabalhadores e trabalhadoras, representantes sindicais e de movimentos sociais, auditores do trabalho, procuradores e juízes, assustados com a artilharia pesada dos inúmeros projetos de lei que tentam dizimar os direitos sociais dos brasileiros conquistados nos últimos 30 anos. Cerca de 500 pessoas marcaram presença na audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, que se iniciou às 13h e terminou às 18h.
Duas mesas de debates, presididas pelo senador Paulo Paim (PT), foram formadas. A primeira mesa discutiu a tentativa de alterar o conceito de trabalho escravo e a segunda, formada por representantes das centrais sindicais, tratou de temas como a reforma trabalhista e previdenciária, o negociado sobre o legislado, e a terceirização.
A primeira ofensiva que quase obteve sucesso para acabar com a definição de trabalho escravo no Brasil veio por meio do PLS 432/13 – barrado após a forte mobilização popular. O projeto tramitava em regime de urgência no Senado e foi retirado de pauta em fevereiro.
Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, o grande capital insiste, acelerando a tramitação do Projeto de Lei 3842/12, que redefine o conceito de trabalho escravo no Brasil e apensando-o ao PL 2464/15, que altera o artigo 149 do Código Penal.
Atualmente, o Código Penal define o crime de trabalho escravo como “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.
A bancada ruralista, porém, tenta retirar a “jornada exaustiva” e a “condição degradante de trabalho” do conceito de trabalho escravo para evitar interpretações que levem à desapropriação de imóveis rurais. E há adendos ao projeto que tentam apenas considerar o cerceamento da liberdade ou a ocorrência de açoites.
“O PLS 432/13 tenta redefinir o trabalho escavo com contornos da Idade Média, mas as faces contemporâneas da escravidão não se limitam a restrição de ir e vir, implicam também em alojamentos sem sanitários, bica de água dividida para pessoas e animais, jornadas de trabalho diárias e exaustivas”, afirma a procuradora Catarina Von Zomer, da Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região.
O artigo 149 do Código Penal tem reconhecimento internacional como o mais avançado do mundo no conceito de trabalho escravo e já é difícil a eficácia desta lei, segundo os magistrados presentes. “Do ponto de vista da aplicação penal é inócuo”, afirmou Adilson Carvalho, coordenador geral da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
Segundo ele, nos últimos 6 anos ocorreram 2500 ações preliminares, destas, 300 se tornaram ações penais e apenas 10 implicaram em condenações por trabalho escravo. “Esse PLS 432/13 é um passe livre para a escravidão em sua face contemporânea”, afirma Carvalho.
Leo Sakamoto, presidente da ONG Repórter Brasil, fez uma breve provocação aos presentes: “Por que se usam escravos? Para obter lucro e facilitar a competitividade do sistema capitalista. Se o crescimento econômico das empresas é mais importante do que a dignidade do trabalhador, que tal rever a Lei Áurea? Até hoje a sociedade brasileira ainda tenta condenar negros e descendentes a receberem menos que os brancos”.
Edson Carneiro índio, secretário geral da Intersindical Central da Classe Trabalhadora, participou da mesa com as centrais sindicais, mas abriu sua fala levando a plateia a se emocionar: “Quatro anos antes do meu nascimento o meu pai, o senhor Bruno, era submetido à escravidão por dívida em Promissão, interior de São Paulo. Ele não podia sair da fazenda e meus tios, não ele, contavam que eles eram açoitados. O triste é que, 50 anos depois, essa realidade ainda persista”.
Índio fez questão de ressaltar a importância da unidade do movimento sindical. “Na visão da Intersindical trata-se de um golpe para transferir, para um punhado de bilionários, mais renda do trabalho, renda pública e os recursos da natureza. Não apoiamos os governos do PT e o programa de conciliação de classes e nem o ajuste fiscal da presidente Dilma, mas não vacilamos em construir a unidade com todos os setores da classe trabalhadora para barrar a ofensiva da direita”.
“É fundamental a unidade da classe trabalhadora, em nome da defesa dos direitos, para barrar a terceirização, o trabalho escravo, o legislado sobre o negociado, a reforma da previdência, o ataque aos serviços públicos, retirar o Cunha chefe da quadrilha e o Temer mordomo do diabo! Greve geral para derrubar a agenda do golpe!”, conclamou Índio, ovacionado pela plateia.
Ao final, o senador Paulo Paim, bastante emocionado, não conteve as lágrimas ao ler o ‘Manifesto aos Militantes’ que ele mesmo redigiu e finalizou: “A luta pelos direitos é a razão da minha existência”.
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