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O ajuste fiscal é um mero pretexto para que esse acordo financeiro com os rentistas seja levado às últimas consequências, explica a professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Lobato Gentil. “Toda vez que o governo diz que vai mexer na Previdência as carteiras de previdência privada dos bancos aumentam e o mesmo acontece com o sistema público de saúde e os planos de saúde”, afirma.
Conhecida por sua tese de doutorado que desmistifica haver prejuízo no sistema previdenciário e de seguridade social – tão alardeados pelo governo e pela mídia – Denise Gentil explica a lógica de mercado que está por trás desse discurso.
“O governo e a mídia alardeiam o caos no sistema público, o governo fragiliza, subfinancia o sistema de saúde e o discurso é: ‘se puder, faça um plano privado de saúde porque você não vai conseguir ser atendido’. As pessoas vivem nessa incerteza e acabam sacrificando suas rendas e salários para fazer um plano privado de saúde e previdência, muitas vezes feitas em bancos”, afirma.
Denise Gentil também chama a atenção para outros pontos perigosos desta anunciada reforma da Previdência: não haverá mais vínculo entre o abono salarial, o auxílio doença e o salário mínimo.
Além disso, a perícia que antes era feita por médicos do INSS, agora pode ser feita porque qualquer um , inclusive o SUS ou instituição privada. “Dificilmente os trabalhadores vão conseguir comprovar o se for exigido para aposentadorias e pensões se a deliberação depender de uma empresa privada”, alerta a pesquisadora.
Nosso país enfrenta hoje uma recessão brutal e o governo encontrou no ajuste fiscal a grande, senão a única a saída, como resposta para a crise. Só que isso se torna um pesadelo para todos nós. Porque haverá corte de direitos sociais e é nesse contexto que se insere na reforma da Previdência, proposta de forma draconiana.
O governo quer prorrogar a Desvinculação de Receitas da União (DRU). Significa que o governo poder usar as receitas que hoje cobrem a saúde, a assistência social, o seguro desemprego e ele pode usar independente de qualquer vinculo com a área social. Pode usar como quiser. Hoje, 20% do que se arrecada é tirado da área social. A proposta é que passe de 20% para 30%, sobretudo para gastar com juros de dívida pública. Isso significa avançar, retirar, recursos destinados à área social, ao Bolsa Família, ao auxílio acidente, etc.
Querem unificar contribuições de servidores públicos e privados, mulheres e homens, trabalhadores rurais (55 anos para mulheres e 60 para homens subiria para 60 anos mulheres e 65 anos os homens).
Hoje, mulheres que trabalham por 30 anos e homens que trabalham por 35 anos têm o direito a se aposentarem, mas o governo estabeleceu o fator previdenciário de FHC que diminui em até 40% – principalmente a aposentadoria das mulheres ,porque um dos itens que entra na base de calculo é a expectativa de vida e a expectativa de vida das mulheres, que é maior do que a expectativa de vida dos homens.
Quem tiver a soma da idade com o tempo de contribuição batendo em 85 e homens que tiverem na soma da idade mais o tempo de contribuição em 95 poderão se aposentar integralmente. Só que essa formula é progressiva. Até 2017, a conta será 90/100. Somar idade das mulheres mais tempo de contribuição formando 90. Um dos pontos da reforma era eliminar essas formulas e instituir idade mínima que provavelmente será 60 para mulheres e 65 para homens.
A proposta mais grave é a que desvincula o salário mínimo do piso previdenciário porque vai atingir principalmente os trabalhadores rurais e todas as aposentadorias rurais são feitas pelo piso, o mínimo. Se houver essa desvinculação a gente não sabe como seria esse valor e o quanto ele foi dilapidado no passado.
O governo entende que a previdência pública é um peso, um fardo que equivale a 8% do PIB e que precisa ser cortado para diminuir os gastos. É a justificativa oficial, além do ajuste que o sistema financeiro está impondo ao governo.
Não haverá mais vínculo entre o abono salarial e o salário mínimo. O mesmo vai acontecer com o auxílio doença. Antes, a perícia era feita por médicos do INSS, agora a perícia pode ser feita porque qualquer um , inclusive do SUS ou instituição privada. E assim dificilmente os trabalhadores vão conseguir comprovar seus anos de contribuição se for exigida que a deliberação seja conseguida por uma empresa privada.
A mesma ameaça há para a aposentadoria especial. Em 2011, o INSS tentou no Supremo Tribunal Federal uma mudança que já recebeu voto favorável de 2 ministros.
De acordo com o Artigo 57 da Lei 8.213/91, trabalhadores celetistas podem pedir aposentadoria especial se tiverem trabalhado em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, durante 15, 20 ou 25 anos. O trabalhador deve comprovar, por meio de laudos, a exposição a substâncias perigosas e a situações perigosas.
A mudança em curso é que se o trabalhador usou equipamento especial ele não vai mais ter direito à aposentadoria especial e para isso basta que a empresa diga que forneceu o equipamento!
O direito adquirido não será prejudicado, mas os futuros trabalhadores serão. Não haverá impacto nessa mudança nem para os próximos 10 anos, então por que a reforma da Previdência é vendida como solução de curto prazo para a crise? Eu respondo: para contemplar os bancos, o sistema financeiro.
Toda vez que os direitos sociais são precarizados e nos dizem que a Previdência vai quebrar, as pessoas ficam inseguras e vão para um fundo de previdência complementar. Correm pra lá para que no futuro recebam a aposentadoria do INSS mais uma aposentadoria privada. É assim toda vez que o governo diz que vai mexer na Previdência. As carteiras de previdência dos bancos aumentam. O mesmo acontece com o sistema público de saúde. O governo e a mídia alardeiam o caos no sistema público. Cada vez que o governo fragiliza, subfinancia o sistema de saúde e diz “se puder faça um plano privado de saúde porque você não vai conseguir ser atendido”, as pessoas acabam sacrificando suas rendas e salários para fazer um plano privado de saúde, muitas vezes feitas em bancos.
Nós sabemos que a previdência privada é insegura porque os bancos vão pagar o que eles conseguirem ganhar com o que eles capitalizarem. Muitos bancos entram em falência, são atingidos por crises internacionais.
O cálculo do déficit previdenciário divulgado pelo governo não está correto porque não se baseia nos preceitos da Constituição Federal de 1988, que estabelece o arcabouço jurídico do sistema de Seguridade Social. Leva em consideração apenas a receita de contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) que incide sobre a folha de pagamento, diminuindo dessa receita o valor dos benefícios pagos aos trabalhadores. O resultado dá em déficit. Essa, no entanto, é uma equação simplificadora da questão. De acordo com a Constituição Federal, há outras fontes de receita da Previdência – e que não são computadas nesse cálculo, como a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), a extinta CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e a receita de concursos de prognósticos. Isso está expressamente garantido no artigo 195 da Constituição e acintosamente não é levado em consideração.
É parte fundamental do sistema de proteção social erguido pela Constituição de 1988, um dos maiores avanços na conquista da cidadania, ao dar à população acesso a serviços públicos essenciais. Esse conjunto de políticas sociais se transformou no mais importante esforço de construção de uma sociedade menos desigual, associado à política de elevação do salário mínimo.
Esse déficit não existe, contabilmente é uma farsa ou, no mínimo, um erro de interpretação dos dispositivos constitucionais.
E, ainda que tal déficit existisse, a sociedade, através do Estado, decidiu amparar as pessoas na velhice, no desemprego, na doença, na invalidez por acidente de trabalho, na maternidade, enfim, cabe ao Estado proteger aqueles que estão inviabilizados, definitiva ou temporariamente, para o trabalho e que perdem a possibilidade de obter renda. São direitos conferidos aos cidadãos de uma sociedade mais evoluída, que entendeu que o mercado excluirá a todos nessas circunstâncias.
De acordo com o fluxo de caixa do INSS, há superávit operacional ao longo de vários anos. Em 2006, para citar o ano mais recente, esse superávit foi de R$ 1,2 bilhões. O superávit da Seguridade Social, que abrange o conjunto da Saúde, da Assistência Social e da Previdência, é muito maior. Em 2006, alcançou R$ 72,2 bilhões. Uma parte desses recursos, cerca de R$ 38 bilhões, foi desvinculada da Seguridade para além do limite de 20% permitido pela DRU (Desvinculação das Receitas da União).
Em 2013, o superávit da Previdência foi de R$ 67 bilhões e em 2014 de R$ 35 bilhões. As receitas superam o total de gastos da seguridade social, incluindo bolsa família e a área da saúde , como o SUS, e incluindo o custeio dos ministérios da Saúde e da Previdência. Todo esse complexo sistêmico que forma a seguridade social ainda tem um gasto que ainda é inferior à arrecadação
A queda brutal do superávit da seguridade social está ocorrendo porque depende de variáveis do nível de desempenho da economia, massa de salários e as desonerações tributárias. O cálculo preliminar desse superávit para 2015 é de R$ 16 bilhões.
Temos que entender a Previdência dentro de uma estratégia de Estado. A partir de 2011 houve radicalização dos processos de privatização e isso a partir da queda de investimento do setor público, quando o governo decide que vai se retirar, que vai deixar o carro chefe da economia. O governo reduz a taxa de juros, mas dá credito, faz desonerações tributárias em grande escala em impostos que iriam para a seguridade social. Faz amplos leilões de privatização, parcerias público-privadas, concessões, que são expressões disfarçadas de privatização. Estão entregando à iniciativa privada serviços que deveriam ser feitos pelo Estado, diminuindo o peso do Estado na economia e enfraquecendo a seguridade social.
O ajuste fiscal é um mero pretexto para que esse acordo financeiro seja levado às últimas consequências.
INTERSINDICAL – Central da Classe Trabalhadora
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