A reforma trabalhista e a crise econômica aprofundaram o desemprego, a informalidade e o trabalho precário, sendo que as novas gerações de trabalhadores e trabalhadoras estão sendo contratadas em condições que não lhes dá acesso a direitos trabalhistas conquistados pelo movimento sindical em muitas décadas de lutas. Temos mais de 14 milhões de desempregados e dezenas de milhões de trabalhadores na economia informal sem qualquer direito trabalhista ou no trabalho precário com direitos trabalhistas mínimos como é o caso dos trabalhadores terceirizados.
Diante dessa situação, entendemos que o movimento sindical deve tomar iniciativas para representação sindical dos trabalhadores terceirizados e criar uma rede de apoio e solidariedade aos trabalhadores da economia informal, em especial aos trabalhadores autônomos como aqueles que trabalham em aplicativos e os vendedores ambulantes.
Para garantir a proteção adequada aos trabalhadores terceirizados e aos trabalhadores autônomos é preciso inclui-los na representação sindical dos sindicatos que atuam nas principais atividades econômicas, pois atualmente esses trabalhadores são invisíveis para o movimento sindical. Os trabalhadores terceirizados em sua maioria são representados por sindicatos fantasmas ou cartoriais sem qualquer tradição de luta na defesa dos seus direitos. E os trabalhadores autônomos em sua ampla maioria não tem nenhuma representação sindical.
Acreditamos que a organização sindical dos trabalhadores terceirizados e dos trabalhadores autônomos deve caminhar junto com um processo de reorganização do movimento sindical em que a defesa dos sindicatos por ramos de atividade seja a base para esse novo modelo de organização sindical que pode ser viabilizado por decisão dos sindicatos sem necessariamente passar por alterações na legislação sindical, que seria pouco provável nessa conjuntura desfavorável aos trabalhadores que estão perdendo direitos desde o golpe parlamentar de 2016, além das iniciativas do governo e do congresso nacional para enfraquecer os sindicatos.
Nesse sentido a Intersindical Central da Classe Trabalhadora com a finalidade de conhecer melhor a situação desses trabalhadores criou o observatório dos trabalhadores terceirizados e já tem uma posição favorável à organização sindical por ramo econômico que represente todos os trabalhadores do ramo, incluindo terceirizados e trabalhadores autônomos e outras formas de contratação. Também tem incentivado e apoiado a organização associativa e sindical de trabalhadores autônomos e orientando os sindicatos filiados a Intersindical no sentido de organizar centros de apoio aos trabalhadores autônomos.
Lembramos que esse debate sobre a organização sindical por ramo de atividade econômica foi objeto de deliberação na primeira plenária nacional da CUT, ocorrida em dezembro de 1985, que chegou a proposta de criação de sete ramos de atividade, sendo eles: a atividade econômica agropecuária; atividade econômica industrial; atividade econômica de comercio e serviços; inativos; atividade dos serviços públicos, atividade econômica dos trabalhadores autônomos urbanos; atividade dos profissionais liberais. Essa plenária também tratou da proposta de ampliação das bases territoriais dos sindicatos para além dos municípios.
No entanto, essa política de organização sindical por ramo de atividade econômica ainda não foi viabilizada e isso ocorreu provavelmente em decorrência da estrutura sindical que mantém até hoje os sindicatos por categorias e a resistência da ampla maioria dos dirigentes sindicais em promoverem a fusão ou incorporação de sindicatos do mesmo ramo de atividade.
Entendemos que esse debate sobre a construção intersindical por ramo de atividade econômica deve levar em consideração as dificuldades para sua implementação e talvez seja o caso de estabelecer medidas de transição que envolva a unidade dos sindicatos do mesmo ramo de atividade em uma espécie de federação intersindical sem exigências de fusão ou incorporação formal de sindicatos.
No Brasil existe uma enorme contradição entre o sistema de unicidade sindical e a existência de mais de 10 mil sindicatos de trabalhadores. Um dos motivos da existência de milhares de sindicatos foi o processo de dissociação, ou seja, cisão e divisão na própria categoria, que teve como consequência a presença de vários sindicatos no mesmo local de trabalho, o que dificulta a unidade sindical para a defesa de direitos e melhores condições de trabalho. E nesse caso a terceirização foi relevante para a divisão da classe trabalhadora com a criação de sindicatos de trabalhadores terceirizados sem representatividade sindical, sustentados basicamente pela contribuição sindical compulsória.
Outro motivo foi a criação de sindicatos por desmembramento com redução da base territorial. É possível dizer que a disputa das centrais sindicais para atingir o critério de representatividade sindical para obter acesso a contribuição sindical também ajudou a aumentar a fragmentação sindical, com apoio do setor de registro sindical do Ministério do Trabalho que facilitou a criação de novos sindicatos sem observar as exigências da legislação trabalhista ou critérios objetivos de representatividade sindical.
Acreditamos que é possível reverter essa situação de fragmentação sindical a partir de iniciativas concretas e um processo de regulação e critérios estabelecidos de comum acordo pelas centrais sindicais, utilizando a estrutura de federações e confederações. Cabe lembrar que apesar da existência do critério de unicidade sindical nas organizações sindicais de base, na prática existe pluralismo sindical na cúpula do movimento sindical como as federações, confederações e centrais sindicais.
Assim, consideramos que as federações e/ou confederações sindicais podem unificar os sindicatos por ramos de atividade econômica sem a necessidade de aprovar alguma legislação para essa finalidade, pois é possível constituir federações e confederações de sindicato por ramo de atividade econômica. A atual unidade de ação das centrais sindicais na defesa dos direitos dos trabalhadores e na resistência dos sindicatos pode abrir caminho para um processo da auto regulação da atividade sindical que garanta a unidade dos trabalhadores e que pode caminhar para uma fusão e incorporação de sindicatos quando a relação intersindical estiver amadurecida e com boa relação de confiança entre os dirigentes e militantes do movimento sindical.
Outro fator que pode ser um incentivo para a fusão e incorporação de sindicatos é o fim da contribuição sindical compulsória, pois sabemos que muitos sindicatos, especialmente os de menor representatividade, sobreviviam basicamente da contribuição sindical. No entanto, essa redução do número de sindicatos ainda não ocorreu, o que com certeza deverá ser um motivo para reflexão. É possível afirmar que um dos motivos da continuidade desses sindicatos com menor representatividade deve-se ao fato da manutenção da contribuição negocial ou assistencial nos acordos coletivos e a possibilidade de liberação de dirigentes sindicais sem custos para o sindicato, sendo que esses dirigentes acabam assumindo o funcionamento, ainda que precário, dos sindicatos sem funcionários. Outro fator da manutenção desses sindicatos de menor representatividade seria a estabilidade no emprego dos dirigentes sindicais.
É preciso encontrar a unidade dentro da pluralidade em que várias entidades sindicais se unam em torno de uma única entidade. Podemos chamar essa situação como unidade sindical que é diferente de unicidade sindical. Consideramos que deve ser superada a ideia de organização sindical por categoria, que serve apenas para dividir a organização sindical. É necessário pensar a organização sindical no mínimo por ramo econômico, pois a militância sindical não precisa ser vinculada a ideia de categoria sindical por atividade ou profissão. É preciso encontrar novas formas de unificar os interesses da classe trabalhadora. Cabe lembrar que a liberdade sindical pressupõe o direito dos trabalhadores escolherem como devem ser suas organizações sindicais ou associativas.
Pesquisas recentes dizem que em torno de 25% dos trabalhadores da economia formal, com registro em carteira de trabalho, são trabalhadores terceirizados. Eles costumam ser tratados como trabalhadores de segunda classe e são invisíveis para o movimento sindical combativo. O trabalho terceirizado é muito mais precário do que o trabalho realizado pelo trabalhador diretamente contratado pela empregadora, sendo necessário a ampliação dos direitos e condições de trabalho dos terceirizados para reduzir a precarização do trabalho. E os sindicatos tornam-se um importante instrumento de solidariedade entre os trabalhadores terceirizados e os diretamente contratados e que tem melhores condições de resistência a precarização do trabalho.
Os trabalhadores terceirizados são considerados uma espécie de categoria diferenciada, sendo que essa situação deveria ser superada na medida em que os sindicatos deveriam representar todos os trabalhadores de determinada empresa. Por exemplo, o sindicato dos trabalhadores nas Indústrias do ramo químico deveria representar todos os trabalhadores desse ramo, independentemente da forma de contratação desses trabalhadores, sejam eles contratados diretamente pelas empresas, ou como terceirizados ou como trabalhadores autônomos. Essa visão de organização sindical por categoria diferenciada acabou promovendo o fracionamento de sindicatos, sendo comum que numa mesma empresa tenham vários sindicatos representando os trabalhadores daquela empresa.
A terceirização total e irrestrita aprovada pelo congresso nacional em 2017 aprofundou ainda mais a fragmentação sindical e impactou na sindicalização e na unidade sindical. Para reverter essa situação torna-se necessário retomar o debate sobre a construção de sindicatos por ramo econômico e a representação sindical de todos os trabalhadores do ramo independentemente da forma de contratação.
O debate que está colocado em termos de organização sindical para incorporar os trabalhadores terceirizados ao movimento sindical seria a construção de organizações sindicais por ramo econômico em que os sindicatos representariam todos os trabalhadores do ramo independentemente da sua forma de contratação, ou seja, os trabalhadores terceirizados seriam representados pelos atuais sindicatos que representam os trabalhadores diretamente contratados pelas empresas.
Nesse caso consideramos que deveria haver um processo de fusão e incorporação de sindicatos do mesmo ramo, sendo que esse processo poderia ser formal ou informal. No caso do processo informal haveria uma unidade entre os sindicatos do ramo formando uma espécie de federação intersindical envolvendo os sindicatos e que teriam uma atuação conjunta nas mobilizações e negociações coletivas do ramo. E quando esses sindicatos acharem necessário poderia haver a formalização da fusão e/ou incorporação dos sindicatos.
A representação sindical dos trabalhadores terceirizados pelos sindicatos que representam os trabalhadores diretamente contratados pelas empresas do ramo de atividade econômica levaria a contratação coletiva diferenciada quando não for possível estender os direitos da convenção coletiva da categoria preponderante aos trabalhadores terceirizados. E nesse caso da contratação coletiva diferenciada deveria haver o objetivo de ampliação dos direitos dos trabalhadores terceirizados até chegarem próximos ou similares aos direitos previstos na convenção coletiva da categoria preponderante. Essa política poderia diminuir a terceirização, pois os direitos e salários entre terceirizados e empregados diretamente contratados pelas empresas seriam parecidos, o que desestimularia a terceirização cuja finalidade principal é a redução de salários e direitos.
A representação sindical dos trabalhadores autônomos também poderia ser feita pelo sindicato preponderante do mesmo ramo econômico, especialmente em relação aos trabalhadores autônomos contratados para fraudar a regra do vínculo de emprego, que na realidade deveriam ser empregados com direitos trabalhistas previstos na legislação e nas convenções e contratos coletivos de trabalho. Temos como exemplo os trabalhadores em aplicativos que deveriam ser empregados com direitos trabalhistas, mas que são considerados trabalhadores autônomos. O número de trabalhadores por conta própria é próximo a 25 milhões de trabalhadores, conforme dados que fazem parte da pesquisa por amostra de domicílios (Pnad) divulgada pelo IBGE em agosto desse ano de 2021.
Em relação aos trabalhadores autônomos que trabalham por conta própria é necessário incentivar a organização sindical e associativa, além da criação de cooperativas populares, democráticas e solidarias. A ideia de organização sindical do ramo dos trabalhadores autônomos urbanos não tem nenhum impedimento na legislação trabalhista e sindical, sendo que sua efetividade depende exclusivamente dos trabalhadores e seus sindicatos, associações ou cooperativas vinculadas a ideia de economia solidária. As centrais sindicais poderiam criar de forma unitária o ramo de atividade dos trabalhadores autônomos urbanos organizados por federações estaduais ou regionais e confederação nacional, Cabe lembrar que a organização sindical dos trabalhadores autônomos está prevista na CLT. No entanto, o número de sindicatos de trabalhadores autônomos ainda é bastante reduzida, o que demonstra que o movimento sindical não tem políticas para incentivar a organização desses trabalhadores em sindicatos, federações e confederações.
Outra questão importante na organização sindical dos trabalhadores autônomos é a proposta de organização sindical por local de moradia, onde é mais fácil organizar a luta desses trabalhadores por direitos públicos essenciais como saúde, educação, habitação, trabalho decente e incentivar o cooperativismo de perfil popular entre os trabalhadores e a população. Esses sindicatos por local de moradia podem ser iniciativas de caráter intersindical em que vários sindicatos estejam presentes com espaço para desenvolverem atividades de solidariedade e organizar a luta por direitos. Também é importante a luta para garantir estatuto próprio com regras e direitos específicos para os trabalhadores autônomos, sendo que esses estatutos podem ser viabilizados nos municípios, nos Estados e a nível federal.
Texto: ANTONIO CARLOS CORDEIRO, diretor do sindicato dos bancários de São Paulo, Osasco e região. Membro da Direção Nacional da Intersindical Central da Classe Trabalhadora
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