Os esforços levados a efeito, nos últimos anos, para a promoção dos direitos humanos no Brasil vinham merecendo reconhecimento internacional, como, por exemplo, o combate ao trabalho escravo, ainda que não se desconsiderem os variados problemas nesse campo que ainda se faziam sentir.
Uma vez instalado o governo golpista, uma série de medidas foram adotadas, de imediato, revelando uma agenda clara de desconstrução dos direitos humanos, especialmente dos direitos econômicos e sociais, providências absolutamente incompatíveis com o projeto aprovado nas urnas, em 2014.
Em curto espaço de tempo, o governo atuou intensamente no sentido de efetivar diversos atos preordenados à redução de direitos sociais, seja no âmbito legislativo, seja na esfera administrativa. Para começar, extinguiu os Ministério do Desenvolvimento Agrário, das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (cujas competências foram transferidas ao Ministério da Justiça) passando, de pronto, a mensagem à sociedade de como trataria os direitos humanos. Recursos orçamentários que estavam destinados à formulação, desenvolvimento e capacitação para participação social, em ações de direitos humanos, foram transferidos para a Presidência da República.
A despeito de o Brasil conviver com as piores estatísticas de violação de direitos humanos, como violência contra mulheres, contra negros, pessoas LGBT, além do problema do trabalho em condições análogas à escravidão, tráfico de pessoas, violação de direitos de crianças e adolescentes, de pessoas com deficiência, população em situação de vulnerabilidade social, ainda em junho de 2016, o então Ministro da Justiça fez publicar a Portaria Nº 611, que suspendeu “a realização de atos de gestão no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania”, postergando todas as ações destinadas ao combate de tais mazelas.
No que concerne à erradicação do trabalho escravo, já com a divulgação da agenda denominada “Uma ponte para o futuro”, o PMDB, partido do presidente ilegítimo, Michel Temer, indicara retrocesso inimaginável, com a pretensão de exclusão do trabalho exaustivo e degradante do atual conceito de trabalho escravo.
Como consequência da mudança de rumos, o número de trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão vem se reduzindo drasticamente: afastando-se da média superior a 2.000 pessoas por ano, foram 885, em 2016, e apenas 73, em 2017, de acordo com os dados divulgados pelo Observatório Digital do Trabalho Escravo, do Ministério Público do Trabalho. Por seu turno, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) aponta um “estrangulamento fiscal da inspeção do trabalho” em atendimento a “interesses econômicos com extensa representação política nas mais altas instâncias de poder do Estado brasileiro”. Em virtude disso, apenas 49 fiscalizações do trabalho escravo foram realizadas entre janeiro e julho do corrente ano e e não há recursos para novas fiscalizações. O Inesc ainda denunciou o esforço institucional de setores do próprio Ministério do Trabalho para impedir a divulgação da Lista Suja do Trabalho Escravo.
Insatisfeito com o descaso, o chefe da Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, o auditor fiscal André Esposito Roston, em audiência no Congresso, no último mês de agosto, revelou que restavam apenas R$ 6.630,00 da dotação para a fiscalização do trabalho escravo neste exercício, por conta de contingenciamentos promovidos pelo Executivo (apenas o Decreto 9.018/2017 determinou uma redução de R$22,2 milhões da verba para a Secretaria de Fiscalização do Trabalho, um corte de 70,9%) e que o custo de uma ação do grupo móvel é, em média, de R$ 60 a R$ 70 mil.
Como consequência de suas declarações, o Auditor Fiscal André Roston foi exonerado da chefia da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), em 10 de outubro de 2017, fato que provocou o repúdio e a indignação de diversas entidades da sociedade civil e instituições públicas, “testemunhas do trabalho sério, engajado e transparente realizado pela coordenação do combate ao trabalho escravo”, que fizeram publicar nota a respeito, salientando que “a exoneração compromete a erradicação dessa violação aos direitos humanos e revela a inexistência de vontade política e o descompromisso do atual Governo com o enfrentamento do problema”.
Os que pensavam que o governo havia chegado ao limite da perversidade contra os trabalhadores brasileiros ao revogar a CLT, com a denominada “reforma trabalhista”, constataram, no dia 16 de outubro, que a falta de vergonha é ilimitada. Na escalada para extinguir o combate ao trabalho escravo no Brasil, o Ministro do Trabalho publicou a inacreditável Portaria n° 1.129 de 13/10/2017, que, a rigor, revoga a Lei Áurea, pois, na prática, libera a exploração de trabalho escravo contemporâneo no Brasil.
Produzida no afã de angariar votos da famigerada bancada ruralista para barrar a segunda denúncia contra o ilegítimo presidente, por organização criminosa e obstrução da Justiça, a Portaria fulmina os instrumentos de combate ao trabalho escravo e dá novos e inaceitáveis contornos aos conceitos de jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho, condicionando a configuração de ambas à constatação do impedimento de ir e vir imposto ao trabalhador, em ambiente de coação, ameaça e violência.
Como bem ressaltou a Comissão Pastoral da Terra, em nota divulgada na mesma data, “a força do conceito legal brasileiro de trabalho escravo, construído a duras custas até chegar à formulação moderna do artigo 149 do Código Penal, internacionalmente reconhecida, é de concentrar a caracterização do trabalho escravo na negação da dignidade da pessoa do trabalhador ou da trabalhadora, fazendo dela uma “coisa”, fosse ela presa ou não”.
Cumpre ressaltar que, neste particular, a Portaria configura mais uma fraude perpetrada por este governo, que não é juridicamente possível a revogação da lei penal por portaria ministerial, ainda que o texto faça brilhar os olhos dos senhores ruralistas escravagistas, que tanto prestígio desfrutam no lamentável desgoverno de Temer, a começar pelo Ministro da Agricultura, Blairo Maggi, que afirmou haver apoiado pessoalmente a medida, pois “o setor agrícola e agropecuário que tem carregado o Brasil nas costas nos últimos anos precisava dessa tranquilidade pra poder trabalhar”. Mas, por outro lado, há aspecto graves no texto sob comento, especialmente no que concerne aos empecilhos à atuação dos senhores auditores fiscais do trabalho e à publicização da Lista Suja (Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo). Tudo para que, assim, os ruralistas possam explorar o trabalho escravo sem sobressaltos.
Com efeito, as exigências fixadas na Portaria para a lavratura dos autos de infração, inclusive condicionando a validade destes à apresentação de boletim de ocorrência passado por autoridade policial que tenha participado da ação de fiscalização, terminam por inviabilizar a atuação daqueles que são os mais preparados agentes públicos no combate à escravidão contemporânea, legitimados por relevantíssimos serviços prestados à sociedade brasileira nessa senda. No tocante à Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo, a sua divulgação ficará, doravante, ao talante do Ministro do Trabalho.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) apressou-se em manifestar extrema preocupação com o futuro do combate ao trabalho escravo no país e o coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Escravo da OIT no Brasil, Antônio Rosa, afirmou que “o Brasil, a partir de hoje, deixa de ser referência no combate à escravidão que estava sendo na comunidade internacional”.
As providências adotadas em pouco mais um ano do governo ilegítimo dão a exata dimensão do propósito de desmantelar o aparato estatal de proteção aos direitos humanos e desconstruir os direitos sociais, em curto espaço de tempo. Jamais seriam aprovadas como projeto de governo, pelas vias democráticas. E a implementação de mudanças ultraliberais de tal monta revela a pressa em assegurar a manutenção da oligarquia predatória e do Estado patrimonial que sempre dominaram o Brasil e que foram afrontados por práticas mais comprometidos com mudanças estruturais, em favor dos menos favorecidos, dos vulneráveis e dos discriminados.
INTERSINDICAL – Central da Classe Trabalhadora
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