Primeira lição que se tira do vulcão desatado a partir das ameaças da perda dos direitos trabalhistas e previdenciários: o que toca a vida concreta das pessoas, sua sobrevivência e o mundo da produção é o trabalho.
1. A greve geral desta sexta (28) se constitui, em seu conjunto, em uma das mais expressivas manifestações populares da História do Brasil. A lembrança mais recorrente tem sido compará-la aos movimentos paredistas de 1983 e 1986.
2. É preciso ajustar a régua. Há uma grande diferença qualitativa. Em 1985, a economia brasileira vivia o ápice da participação da indústria na composição do PIB: 27,5%, porcentagem de país altamente industrializado. Hoje esse número está em torno de 10%.
3. Isso ensejou, ao longo dessas três décadas, o advento de inúmeras teorias dando conta da perda da centralidade do trabalho na sociedade e, logo, na organização social, em favor de outras pautas relevantes.
4. Essa é a primeira lição a se tirar do vulcão desatado a partir das ameaças da perda dos direitos trabalhistas e previdenciários: o que toca a vida concreta das pessoas, sua sobrevivência e o mundo da produção é o trabalho. Embora tenhamos importantes agendas laterais, como corrupção e direitos de setores específicos, o que unifica os de baixo e faz tremer os de cima é o trabalho. A classe dominante interveio nessa questão e provocou um curto-circuito que não esperava.
5. Assim, a efervescência social desatada a partir dos protestos de 15 de março e potencializados dia 31 só tendem a crescer. Mas essa tendência se dá de uma maneira também distinta às chamadas jornadas de junho de 2013. Agora há foco, direção, tática e estratégia. Sua base são os setores organizados e em processo de organização. Não há espontaneísmo.
6. A marca mais auspiciosa é a inédita unidade de ação entre todas as centrais sindicais e praticamente todos os movimentos sociais. Ao avançar sobre os direitos do trabalho, o governo Temer conseguiu fazer convergir contra si forças que há décadas não se juntavam.
7. O sentimento de vitória e de que a conjuntura mudou contagia ativistas, lideranças e rompe a bolha da militância de esquerda, fortemente minoritária no país. Mais que a conjuntura, a agenda nacional foi virada de ponta-cabeça: os de baixo podem definir os rumos do país.
8. O golpe faz água. A aprovação, nesta semana, da reforma trabalhista na Câmara foi um espasmo, apesar dos 296 votos que obteve. Com toda a pressão, chantagem e compra de apoio, a administração federal não tem nenhuma segurança de que aprovará a mãe de todas as reformas, a das aposentadorias, para a qual necessita de quórum qualificado.
9. Mais do que isso: não há segurança de que mesmo a trabalhista – que pede maioria simples – seja aprovada no Senado. Renan Calheiros abriu clara dissidência, premido por sua necessidade de sobrevivência política e pessoal. Caso não se reeleja em 2018, seu mais provável destino é a cadeia, nas águas da Lava-jato. Sabedor da baixíssima popularidade – 4%! – do governo, o prócer das Alagoas não quer afundar junto com o barco avariado no qual é tripulante.
10. Nas disputas entre a direita para 2018, um personagem tenta ocupar o centro da cena na base da cotovelada. Trata-se do saltitante João Dória Jr., prefeito de São Paulo. Ele se tornou figura de destaque da greve geral ao buscar matar no peito e desafiar o movimento social.
Anunciou a proibição da realização do ato de 1o. de Maio na avenida Paulista, cartão de visitas da cidade. As centrais bancaram o jogo e disseram não arredar o pé de lá.
11. Para lograr seu objetivo, Dória terá de se armar com um aparato repressivo de proporções exageradas. Embora tudo seja possível e o equilíbrio – como tem ficado claro – não seja o seu forte, é pouco provável que, após o dia 28, obtenha unanimidade entre a direita paulista para bancar a brincadeira. Se recuar, fica desmoralizado. Tem um problema a resolver nas próximas 48 horas. Problema sério.
12. Assim, o Dia do Trabalhador será o novo desafio do movimento popular. O sabor de vitória parece indicar um inédito patamar de lutas.
(A partir de conversas com Edson Carneiro Índio e Artur Araújo)
*Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da UFABC e foi candidato a governador (PSOL-SP), em 2014.
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